sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Banco Mundial lança fundo de infraestrutura no Sul.
por Carey L. Biron, da IPS
Construção próxima das cataratas Victoria, na fronteira entre Zimbábue e Zâmbia. Foto: David Brossard/cc by 2.0.

Washington, Estados Unidos, 14/10/2014 – O Banco Mundial anunciou uma iniciativa de US$ 15 bilhões para que empresas do setor privado invistam em obras de infraestrutura no Sul em desenvolvimento. O presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, apresentou, no dia 9, o Fundo para a Infraestrutura Mundial (GIF), destinado a motivar bancos, fundos de pensões e outros investidores institucionais a darem mais atenção às necessidades de infraestrutura desses países.

Ao fazer o anúncio, Kim afirmou que essas obras exigirão até US$ 1 trilhão por ano de investimento adicional até o final da década, o dobro do que esses países gastam atualmente. Nos últimos anos, o setor privado se afastou da infraestrutura dos países em desenvolvimento e das economias emergentes segundo o Banco Mundial. Entre 2012 e 2013, esses investimentos caíram quase 20%, para US$ 150 bilhões.

“Devido à magnitude das necessidades de financiamento das obras de infraestrutura nos países em desenvolvimento, sem dúvida damos as boas-vindas a uma iniciativa como esta”, disse à IPS Marilou Uy, nova diretora do grupo dos 24 países em desenvolvimento (G 24) e ex-funcionária do Banco Mundial. “O papel do setor privado aqui é especialmente importante: encontrar bons modelos para trabalhar, para que o investimento privado nos países em desenvolvimento possa começar a crescer novamente até níveis inclusive maiores do que antes, acrescentou.

Em um passo que surpreendeu a muitos, o Fundo Monetário Internacional (FMI) realizou este mês uma calorosa defesa do gasto público, especialmente em obras de infraestrutura. Neste momento, FMI e Banco Mundial realizam suas reuniões semestrais na cidade de Washington.

O GIF iniciará uma série de empresas-piloto até o final deste ano, supostamente dedicadas a projetos que respeitem o ambiente e que incentivem o comércio exterior. Mas o instrumento não financiará estas iniciativas diretamente. Seu objetivo será chamar a atenção do setor privado para estradas, pontes, produção de energia e outros projetos físicos de grande escala que constituem a base do desenvolvimento socioeconômico dos países.

“Os investidores institucionais têm bolsos profundos. Os fundos de seguros e pensões têm cerca de US$ 80 trilhões em ativos”, pontuou Kim em entrevista coletiva, ressaltando que “menos de 1% dos fundos de pensão é destinado diretamente aos projetos de infraestrutura, e desse 1% a maior parte é nos países avançados”. “O verdadeiro desafio não é uma questão de dinheiro, mas a falta de projetos financiáveis. Uma oferta suficiente de investimentos em infraestrutura comercialmente viáveis e sustentáveis” acrescentou.

O Banco Mundial espera que o GIF funcione como um condutor pelo qual os grandes investidores, junto com os especialistas da própria instituição, assessorem os governos sobre como estruturar projetos de infraestrutura para atrair os investimentos. O enorme “déficit de infraestrutura” atual no Sul em desenvolvimento constitui um “freio mundial” para lidar com a pobreza, principal objetivo do Banco Mundial, destacou Kim.

Talvez em resposta a críticas passadas, o Banco Mundial também disse que o GIF não se limitará a injetar tanto dinheiro quanto possível nesses projetos. “É possível que o simples aumento do investimento em infraestrutura não cumpra o potencial para fomentar um crescimento forte, sustentável e equilibrado”, afirmou Bertrand Badre, diretor-gerente do Banco, em um comunicado. “A qualidade da infraestrutura é vital”, acrescentou. O GIF fomentará associações particularmente complexas entre os setores público e privado, conhecidas como parcerias público-privadas (PPP).

Porém, organizações dedicadas ao desenvolvimento e ativistas que lutam contra a pobreza consideram que os objetivos das entidades com fins lucrativos costumam chocar-se com o bem público. Embora o GIF seja “bem-vindo, o Banco Mundial deve garantir que os novos empréstimos para infraestrutura venham com garantias adequadas para proteger as comunidades mais pobres e vulneráveis dos clientes, que poderiam estar mais interessados no lucro do que no desenvolvimento. 

Precisamos de garantias para as pessoas, não só para os investidores”, enfatizou Nicolas Mombrial, da Oxfam Internacional.

Por sua vez, o diretor do GIF, Jordan Schwartz, lembrou à IPS que a iniciativa ainda está em seus primeiros dias. “Mantive reuniões com organizações da sociedade civil que estavam verdadeiramente interessadas em participar conosco no GIF”, contou. “Como elas, queremos garantir que as decisões sobre investimentos em infraestrutura levem em conta uma ampla gama de considerações ambientais, sociais e econômicas, para não haver benefícios somente para os pobres e a atividade econômica em geral, mas também para que os investimentos sejam sustentáveis”, ressaltou.

A preocupação com as PPP se destaca em relação aos sistemas públicos de água. Nos últimos anos, empresas privadas de todo o mundo mostraram grande interesse nas PPP para ressuscitar a infraestrutura hídrica do setor público, que em muitos casos recebeu escasso investimento durante décadas. O braço privado do Banco Mundial, a Corporação Financeira Internacional (CFI), é uma forte defensora desse tipo de negócio, embora alguns críticos afirmem que a privatização da água em muitos casos gerou maiores custos e um serviço injusto.

Neste mês, por exemplo, ativistas nigerianos redobraram sua campanha para exortar o governo a se retirar das negociações com a CFI sobre um possível projeto de água em Lagos, cujos dados são mantidos reservados, segundo afirmaram.

“Em todo o mundo, a CFI assessora os governos, realiza processos de licitação, desenha contratos de privatização da água que são complexos e pouco equitativos, dita as condições de arbitragem e é a proprietária parcial das empresas de água que ganham os contratos que ela desenha e recomenda, enquanto defende o modelo para que se repita em todo o mundo”, afirmou o nigeriano Akinbode Oluwafemi, da organização Environmental Rights Action.

“Essas atividades não só afetam a gestão democrática da água, como também constituem um conflito de interesses nas atividades da CFI no setor hídrico, uma tendência que se observa com alarme desde a Europa oriental, passando por Índia, até o sudeste asiático”, afirmou Oluwafemi, de Lagos, aos meios de comunicação.


Fonte: ENVOLVERDE

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