Os refugiados climáticos ficarão
sem status legal.
por
Thalif Deen, da IPS
Jovem caminha com sua bicicleta por uma rua
inundada em Georgetown, capital da Guiana. Foto: Desmond Brown/IPS.
Nações Unidas, 28/8/2014 – A conferência
internacional sobre os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (Peid),
que acontecerá em Samoa na primeira semana de setembro, deixará de lado um
assunto sensível: a proposta de criação de uma nova categoria de “refugiados
ambientais” para os que fogem das diminutas nações expulsos pela elevação do
nível do mar. “Não consta da declaração final”, disse à IPS um diplomata de um
dos Peid que pediu para não ser identificado. Os países ricos vizinhos desses
pequenos Estados temem uma onda de refugiados, explicou.
A proposta implicaria emendar a Convenção sobre o
Estatuto dos Refugiados da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1951, o que
a converte em um assunto que divide ainda mais. O documento final, já aprovado
pelo Comitê Preparatório da ONU em julho, será adotado após a reunião que
acontecerá de 1 a 4 de setembro em Apia, capital de Samoa.
Sara Shaw, coordenadora de justiça climática e
energia da organização Amigos da Terra Internacional, declarou à IPS:
“Acreditamos que os refugiados climáticos têm direito legítimo de pedir asilo e
devem ser reconhecidos pela convenção para os refugiados e receber proteção
internacional”. Lamentavelmente, acrescentou, as mesmas nações desenvolvidas,
responsáveis pela emissão da grande maioria dos gases-estufa que causam a
mudança climática, se negam a ampliar a convenção para incluí-los. “Pior ainda,
tentam debilitar a proteção existente para os refugiados”, ressaltou.
O primeiro “refugiado climático” demandante,
originário de Kiribati, não teve aceito seu pedido de asilo apresentado em um
tribunal da Nova Zelândia, em maio, porque a legislação internacional não
reconhece o aumento do nível do mar nem o aquecimento global como causas
válidas para iniciar o trâmite.
Ioane Teitiota, de 37 anos, alegou que sua ilha
natal afundava e que buscava pastagens verdes e mais seguras. Mas o tribunal
sentenciou que a convenção de 1951, que nunca previu a mudança climática, só
permite que uma pessoa solicite asilo por “fundados temores de ser perseguida
por motivos de raça, religião, nacionalidade, pertencer a determinado grupo
social ou por opiniões políticas”.
O boletim eletrônico da ONU cita François Crépeau,
relator especial para os direitos humanos dos migrantes: “Não temos uma
legislação internacional, ou outro tipo de mecanismo, que permita às pessoas entrar
em um Estado contra a vontade do mesmo, a menos que sejam refugiados”. E,
inclusive nesses casos, não têm tecnicamente direito de ingressar, mas não se
pode castigá-los por isso, acrescentou.
O primeiro-ministro de Antiga e Barbuda, Winston
Baldwin Spencer, afirmou, em setembro de 2013 na Assembleia Geral da ONU, que
“é um fato reconhecido, mas vale ser repetido, que os pequenos Estados
insulares são os menos responsáveis pela mudança climática e, no entanto,
sofremos a pior parte de suas consequências”.
Esses Estados reiteram seu “profundo pesar” pela
falta de medidas tangíveis nas negociações climáticas no contexto da ONU. As
nações ricas, ressaltou Spencer, devem assumir a responsabilidade moral, ética
e histórica por emitirem grandes concentrações de gases-estufa antropogênicos
na atmosfera. “São essas ações que colocaram o planeta em risco e comprometeram
o bem-estar das atuais e futuras gerações”, acrescentou.
Kristin Casper, assessora legal de campanhas e
ações do Greenpeace Internacional, opinou à IPS que “é escandaloso que os Peid
percam seu território até o final do século pela elevação do nível do mar.
Saudamos os esforços dos Peid, de outros governos e de organizações não
governamentais que pedem ações urgentes para que o mundo possa atender de
maneira justa as migrações climáticas”.
Casper acrescentou que “está claro que os governos
têm a obrigação de diminuir os desastres climáticos, bem como as comunidades e
os refugiados devem receber proteção legal em seus países e no exterior”. O
secretário-geral da conferência de Samoa, Wu Hongbo, declarou a jornalistas que
são esperados cerca de 700 participantes, entre eles governantes, 21
autoridades de agências da ONU e representantes de aproximadamente cem
organizações.
A reunião, chamada oficialmente de Terceira
Conferência Internacional sobre os Peid, teve suas antecessoras em Barbados, em
1994, e em Maurício, em 2005. Entre os 52 Peid se destacam Antiga e Barbuda,
Bahamas, Cuba, Fiji, Granada, Suriname, Timor Leste, Tuvalu e Vanuatu.
Segundo Hongbo, o documento final da conferência
contém várias recomendações para realização de ações para avançar. Mas são
objetivos que os governos não podem conseguir sozinhos. Shaw apontou à IPS que
há milhões de pessoas refugiadas no mundo ou forçadas pelas circunstâncias a ir
para outros países devido à fome ou a conflitos. Muitas dessas crises se
exacerbam pela mudança climática porque recursos como água potável se tornam
escassos gerando disputas e enfrentamentos.
“As consequências da mudança climática, entre as quais
se destacam elevação do nível do mar, secas e eventos extremos mais frequentes,
causarão um número maior de refugiados climáticos no mundo”, alertou Shaw. “Mas
duvidamos que esses refugiados algum dia recebam uma cálida acolhida nos países
ricos, cuja contaminação os obrigou a deixar seus lares”, pontuou.
A realidade é que a vasta maioria dos refugiados
climáticos acaba em outros países pobres, enquanto os mais ricos erguem
obstáculos cada vez mais altos para evitar que cheguem em busca de uma vida melhor
para eles e suas famílias, lamentou Shaw.
Segundo a ONU, os Peid estão entre as regiões mais
vulneráveis do mundo em termos de intensidade e frequência de desastres
naturais e ambientais e seu crescente impacto. Os Peid sofrem as
desproporcionalmente grandes consequências econômicas, sociais e ambientais dos
desastres.
Essa vulnerabilidade agrava outros problemas que
tantos países em desenvolvimento enfrentam, como a globalização e a
liberalização comercial, a segurança alimentar, a dependência energética, a
falta de água potável, a degradação do solo, a gestão do lixo e a
biodiversidade.
Fonte: IPS
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