terça-feira, 2 de setembro de 2014

Os refugiados climáticos ficarão sem status legal.
por Thalif Deen, da IPS
Jovem caminha com sua bicicleta por uma rua inundada em Georgetown, capital da Guiana. Foto: Desmond Brown/IPS.

Nações Unidas, 28/8/2014 – A conferência internacional sobre os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (Peid), que acontecerá em Samoa na primeira semana de setembro, deixará de lado um assunto sensível: a proposta de criação de uma nova categoria de “refugiados ambientais” para os que fogem das diminutas nações expulsos pela elevação do nível do mar. “Não consta da declaração final”, disse à IPS um diplomata de um dos Peid que pediu para não ser identificado. Os países ricos vizinhos desses pequenos Estados temem uma onda de refugiados, explicou.

A proposta implicaria emendar a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1951, o que a converte em um assunto que divide ainda mais. O documento final, já aprovado pelo Comitê Preparatório da ONU em julho, será adotado após a reunião que acontecerá de 1 a 4 de setembro em Apia, capital de Samoa.

Sara Shaw, coordenadora de justiça climática e energia da organização Amigos da Terra Internacional, declarou à IPS: “Acreditamos que os refugiados climáticos têm direito legítimo de pedir asilo e devem ser reconhecidos pela convenção para os refugiados e receber proteção internacional”. Lamentavelmente, acrescentou, as mesmas nações desenvolvidas, responsáveis pela emissão da grande maioria dos gases-estufa que causam a mudança climática, se negam a ampliar a convenção para incluí-los. “Pior ainda, tentam debilitar a proteção existente para os refugiados”, ressaltou.

O primeiro “refugiado climático” demandante, originário de Kiribati, não teve aceito seu pedido de asilo apresentado em um tribunal da Nova Zelândia, em maio, porque a legislação internacional não reconhece o aumento do nível do mar nem o aquecimento global como causas válidas para iniciar o trâmite.

Ioane Teitiota, de 37 anos, alegou que sua ilha natal afundava e que buscava pastagens verdes e mais seguras. Mas o tribunal sentenciou que a convenção de 1951, que nunca previu a mudança climática, só permite que uma pessoa solicite asilo por “fundados temores de ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, pertencer a determinado grupo social ou por opiniões políticas”.

O boletim eletrônico da ONU cita François Crépeau, relator especial para os direitos humanos dos migrantes: “Não temos uma legislação internacional, ou outro tipo de mecanismo, que permita às pessoas entrar em um Estado contra a vontade do mesmo, a menos que sejam refugiados”. E, inclusive nesses casos, não têm tecnicamente direito de ingressar, mas não se pode castigá-los por isso, acrescentou.

O primeiro-ministro de Antiga e Barbuda, Winston Baldwin Spencer, afirmou, em setembro de 2013 na Assembleia Geral da ONU, que “é um fato reconhecido, mas vale ser repetido, que os pequenos Estados insulares são os menos responsáveis pela mudança climática e, no entanto, sofremos a pior parte de suas consequências”.

Esses Estados reiteram seu “profundo pesar” pela falta de medidas tangíveis nas negociações climáticas no contexto da ONU. As nações ricas, ressaltou Spencer, devem assumir a responsabilidade moral, ética e histórica por emitirem grandes concentrações de gases-estufa antropogênicos na atmosfera. “São essas ações que colocaram o planeta em risco e comprometeram o bem-estar das atuais e futuras gerações”, acrescentou.

Kristin Casper, assessora legal de campanhas e ações do Greenpeace Internacional, opinou à IPS que “é escandaloso que os Peid percam seu território até o final do século pela elevação do nível do mar. Saudamos os esforços dos Peid, de outros governos e de organizações não governamentais que pedem ações urgentes para que o mundo possa atender de maneira justa as migrações climáticas”.

Casper acrescentou que “está claro que os governos têm a obrigação de diminuir os desastres climáticos, bem como as comunidades e os refugiados devem receber proteção legal em seus países e no exterior”. O secretário-geral da conferência de Samoa, Wu Hongbo, declarou a jornalistas que são esperados cerca de 700 participantes, entre eles governantes, 21 autoridades de agências da ONU e representantes de aproximadamente cem organizações.

A reunião, chamada oficialmente de Terceira Conferência Internacional sobre os Peid, teve suas antecessoras em Barbados, em 1994, e em Maurício, em 2005. Entre os 52 Peid se destacam Antiga e Barbuda, Bahamas, Cuba, Fiji, Granada, Suriname, Timor Leste, Tuvalu e Vanuatu.

Segundo Hongbo, o documento final da conferência contém várias recomendações para realização de ações para avançar. Mas são objetivos que os governos não podem conseguir sozinhos. Shaw apontou à IPS que há milhões de pessoas refugiadas no mundo ou forçadas pelas circunstâncias a ir para outros países devido à fome ou a conflitos. Muitas dessas crises se exacerbam pela mudança climática porque recursos como água potável se tornam escassos gerando disputas e enfrentamentos.

“As consequências da mudança climática, entre as quais se destacam elevação do nível do mar, secas e eventos extremos mais frequentes, causarão um número maior de refugiados climáticos no mundo”, alertou Shaw. “Mas duvidamos que esses refugiados algum dia recebam uma cálida acolhida nos países ricos, cuja contaminação os obrigou a deixar seus lares”, pontuou.

A realidade é que a vasta maioria dos refugiados climáticos acaba em outros países pobres, enquanto os mais ricos erguem obstáculos cada vez mais altos para evitar que cheguem em busca de uma vida melhor para eles e suas famílias, lamentou Shaw.

Segundo a ONU, os Peid estão entre as regiões mais vulneráveis do mundo em termos de intensidade e frequência de desastres naturais e ambientais e seu crescente impacto. Os Peid sofrem as desproporcionalmente grandes consequências econômicas, sociais e ambientais dos desastres.

Essa vulnerabilidade agrava outros problemas que tantos países em desenvolvimento enfrentam, como a globalização e a liberalização comercial, a segurança alimentar, a dependência energética, a falta de água potável, a degradação do solo, a gestão do lixo e a biodiversidade.


Fonte: IPS

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