Aumento de 800% no consumo de
ritalina alerta especialistas.
Salto verificado em dez anos reacende discussão
sobre uso da substância, empregada no tratamento do transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH).
Especialistas lembram possíveis riscos.
O consumo de metilfenidato, conhecido
popularmente como ritalina, aumentou mais de 800% no Brasil em dez anos. A
substância é indicada para o tratamento do transtorno de deficit de atenção e
hiperatividade (TDAH), que atinge sobretudo crianças e adolescentes. O
diagnóstico da doença é contestado por alguns especialistas, que também alertam
para riscos do uso do metilfenidato no tratamento.
Para a psicóloga Denise Barros, que investigou o
consumo de metilfenidato no Brasil em sua tese de doutorado para a Universidade
Estadual do Rio de Janeiro, esse incremento está relacionado ao aumento do
número de diagnósticos do TDAH, não apenas em crianças e adolescentes, mas
também em adultos.
“Como o TDAH é um transtorno de difícil
diagnóstico, pois não existe nenhum marcador biológico, nenhum tipo de exame
laboratorial que garanta se é ou não o transtorno, quando a pessoa sofre por
não conseguir prestar atenção, normalmente isso acaba levando a esse diagnóstico”,
afirma a pesquisadora.
Outro motivo apontado por ela é a utilização da
substância para melhorar o desempenho nos estudos e no trabalho.
Barros cruzou os dados de produção, importação e
estoque de metilfenidato e descobriu que, em 2003, foram consumidos em torno de
94 quilogramas dessa substância no país e, em 2012, esse número subiu para
cerca de 875 quilogramas, o que representa um aumento de mais de 800%.
Em 2013, a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) já havia constatado um aumento de 75% no consumo de
metilfenidato entre crianças de 6 a 16 anos de 2009 a 2011. A comercialização
da ritalina no país foi aprovada pela instituição em 1998.
O neurologista infantil Christian Muller, membro
da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), acredita que o aumento esteja
relacionado ao maior conhecimento e à familiarização dos profissionais de saúde
com a doença. No entanto, ele admite haver um risco de exagero nos
diagnósticos.
“Uma avaliação do TDAH, de modo geral, não pode e
não deve ser feita numa consulta isoladamente. O diagnóstico desse transtorno
passa pela presença dos sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade que
culminem em algum prejuízo à criança, seja ele social, seja ele escolar. Além
disso, esses sintomas não podem estar presentes há pouco tempo, e sim de
maneira mais duradoura”, diz.
O TDAH é um transtorno neurobiológico
caracterizado pela desatenção, inquietude e impulsividade, que dificulta a
concentração. A doença passou a ser mais conhecida e estudada a partir da década
de 1980 e é reconhecida oficialmente por vários países e pela Organização
Mundial da Saúde (OMS).
Controvérsia sobre diagnóstico
Apesar do aumento da venda de metilfenidato, om
psiquiatra Paulo Mattos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avalia
que ainda há um subdiagnóstico dessa doença no país, ou seja, muitas pessoas
que sofrem do transtorno não recebem a medicação adequada. “Menos de 20% dos
pacientes com TDAH no Brasil estão em tratamento”, afirma.
Em 2010, quase 185 mil pacientes com o transtorno
estavam em tratamento. Um estudo publicado na Revista Brasileira de
Psiquiatria, do qual Mattos foi um dos autores, estima que mais de 924 mil
brasileiros sofram desse transtorno.
Segundo Mattos, o metilfenidato é a única
alternativa para o tratamento da doença. “Apenas em casos mais leves seria
possível empregar psicoterapia, mas, em geral, quando os casos são mais leves,
tende-se a não dar o diagnóstico formal de TDAH”, diz.
O metilfenidato é um estimulante do sistema
nervoso central que pertence à família das anfetaminas. Seu objetivo é melhorar
a concentração, diminuir o cansaço e auxiliar no acúmulo de informações.
Tratar as causas
Apesar de ser a substância indicada para o
tratamento do TDAH, a pediatra Maria Aparecida Moysés, da Unicamp, contesta seu
emprego e não receita ritalina a seus pacientes.
Segundo a médica, o metilfenidato eleva o risco
de crises psicóticas, suicídios e pode até viciar. Ele afeta também o sistema
cardiovascular, podendo causar taquicardia, hipertensão e até mesmo parada
cardíaca. Além disso, quando tomado por mais de três anos, o paciente pode
desenvolver transtorno bipolar, afirma a especialista.
“Está se perdendo de vista que o comportamento de
uma pessoa é uma manifestação de como ela está na sua relação com o mundo, com
a vida. Se esse comportamento está tão fora dos padrões, talvez seja uma
manifestação de que essa pessoa precisa de ajuda. São crianças que estão
passando por um sofrimento psíquico”, diz Moysés.
Por isso, a pediatra recomenda identificar as causas
que estão levando a essa mudança de comportamento para então tratá-las. “Pode
até ser que haja um transtorno, mas antes precisa ser comprovado se esse
transtorno realmente existe”, considera.
A psicóloga Luciana Vieira Caliman, da
Universidade Federal do Espírito Santo, também defende um tratamento amplo para
o TDAH, identificando e intervindo nas causas do transtorno. “Não adianta dar
só a medicação. Ela é um dispositivo de cuidado, mas, por esse transtorno ser
tão complexo, é preciso pensar numa intervenção complexa, junto com a família e
o meio”, afirma.
Fonte: Deutsche Welle
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