As grandes represas e sua relação
com a má qualidade da água.
Washington, Estados Unidos, 4/9/2014 – As grandes
represas têm um provável impacto negativo na qualidade da água e na
biodiversidade, segundo um estudo que investigou e relacionou os dados
extraídos de seis mil obras deste tipo em todo o mundo. Os investigadores da
International Rivers (IR), uma organização independente com sede nos Estados
Unidos, compilaram e compararam os dados de quase seis mil das cerca de 50 mil
grandes represas do mundo, nas 50 principais bacias fluviais do planeta.
Os pesquisadores constataram, em 80% das vezes,
que a presença de represas de grande porte, em geral superiores a 15 metros de
altura, implica má qualidade da água, com altos níveis de mercúrio e
sedimentação presa. Também apontam que as correlações não indicam
necessariamente relações causais, mas sugerem um padrão mundial claro. A IR
solicita agora que uma comissão intergovernamental de especialistas elabore um
método sistêmico para avaliar e monitorar a saúde das bacias fluviais do
planeta.
“A fragmentação dos rios devido às décadas de
construção de represas está altamente correlacionada com a má qualidade da água
e a baixa biodiversidade”, afirmou a IR ao apresentar O Estado dos Rios do
Mundo, uma base de dados na internet com as conclusões do estudo. “Em
muitas das grandes bacias fluviais do mundo, foram construídas represas até o
ponto de provocar sua grave deterioração”, segundo a investigação.
A bacia dos rios Tigre e Eufrates tem 39 represas
e é um dos sistemas mais “fragmentados”, segundo a IR. A consequência é uma
grande redução nos pântanos tradicionais da região, incluída a flora tolerante
ao sal que ajuda a manter as zonas costeiras, bem como a redução na fertilidade
da terra. A pesquisa monitorou a construção das represas junto com indicadores
sobre a biodiversidade e a qualidade da água nas bacias fluviais afetadas.
“A maioria dos governos, em particular no mundo
em desenvolvimento, não tem a capacidade de realizar um acompanhamento deste
tipo de dados, por isso, nesse sentido, estão às cegas quando adotam políticas
relativas à construção de represas”, afirmou à IPS Zachary Hurwitz, o
coordenador do estudo.
Quatro dos cinco sistemas fluviais mais
fragmentados estão na Ásia meridional e oriental, segundo o estudo. E quatro
dos dez mais afetados se encontram na Europa e na América do Norte, que tem a
maior quantidade de represas, especialmente nos Estados Unidos. A construção
destas obras afeta relativamente menos dois dos continentes mais pobres, África
e América do Sul. Mas as duas regiões têm enorme potencial hidrelétrico e uma
demanda energética crescente, por isso muitos de seus países pretendem tirar
proveito dessa energia.
Segundo a IR, o Brasil prevê construir mais de
650 represas de todos os tamanhos. O país também abriga uma grande quantidade
de espécies que seriam ameaçadas por este tipo de obras. Brasil, China e Índia,
não constroem represas apenas em seus territórios, mas suas companhias também
vendem cada vez mais este tipo de construção para outras nações em
desenvolvimento.
As “bacias menos fragmentadas são alvo atualmente
de uma grande expansão da construção de represas”, apontou Hurwitz. “Mas, se
nos fixarmos na experiência e nos dados das áreas com uma construção
historicamente alta de represas, como a bacia do Mississippi, nos Estados
Unidos, e a do Danúbio, na Europa, é provável que essas tendências preocupantes
se repitam nas bacias menos fragmentadas se continuar essa proliferação de
construções”, acrescentou.
Os ativistas expressam uma inquietação especial
diante da confluência da construção das represas e o impacto potencial da
mudança climática na biodiversidade de água doce. A IR pede que uma comissão
intergovernamental de especialistas avalie o estado das bacias fluviais do
planeta, a fim de elaborar indicadores para uma avaliação sistêmica e melhores
práticas de conservação dos rios.
“A evidência que recopilamos dos impactos em
escala mundial da alteração dos rios é suficientemente forte para justificar
maior atenção internacional com a finalidade de compreender os limites da
modificação fluvial nas principais bacias do mundo”, disse Jason Rainey,
diretor-executivo da IR, em um comunicado.
Em particular para os países em desenvolvimento
com uma crescente demanda por energia, as preocupações sobre a construção de
represas de grande volume transcendem as considerações de caráter ambiental ou
mesmo social.
O acesso a energia continua sendo um fator
central para o desenvolvimento e sua escassez repercute em temas tão variados
como a educação e a industrialização. Além disso, a preocupação pela mudança
climática revitalizou o interesse pelas represas de grande porte, como ficou
claro na decisão do Banco Mundial de 2013, de retornar a este tipo de projeto.
Entretanto, a discussão se mantém quanto ser a
melhor solução, especialmente para os países em desenvolvimento. As grandes
represas custam, em geral, vários milhares de milhões de dólares e exigem
intenso planejamento que, em obras passadas, chegaram a superar a capacidade de
economias frágeis.
Em março deste ano, um influente estudo da
Universidade de Oxford, da Grã-Bretanha, investigou 250 represas grandes
construídas a partir de 1920 e constatou uma onipresença de sobrecustos e
descumprimento de prazos de construção. “Encontramos evidência esmagadora de
que os orçamentos têm sistematicamente um viés inferior aos custos reais das grandes
represas hidrelétricas”, escreveram os autores no resumo do estudo.
“Na maioria dos países, as grandes hidrelétricas
terão um custo muito alto e levará muito tempo para gerar uma rentabilidade
positiva, a menos que sejam proporcionadas medidas de gestão de riscos
adequadas a um custo acessível”, acrescentaram os autores do estudo. Por outro
lado, recomendaram às autoridades dos países em desenvolvimento que adotem
“alternativas energéticas ágeis” que possam ser construídas com maior rapidez.
Do outro lado da discussão, a Comissão
Internacional de Grandes Represas, uma organização com sede em Paris, criticou
as conclusões do estudo porque este se centrou em um conjunto pouco
representativo de represas extremamente grandes. Seu presidente, Adama Nombre, também
questionou o impacto climático das opções alternativas recomendadas pelos
investigadores da Universidades de Oxford.
“Quais seriam essas alternativas?”, perguntou
Nombre. “As usinas de combustíveis fósseis que consomem carvão ou gás. Sem
dizer explicitamente, os autores utilizam um arrazoamento puramente financeiro
para nos levar a um sistema elétrico que emite carbono”, acrescentou.
Envolverde/IPS.
Fonte: ENVOLVERDE
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