Aquecimento global pode criar
“refugiados climáticos” nos EUA.
por Jennifer A. Kingson, do
The Observer
O aumento das temperaturas poderá provocar enormes
modificações populacionais nos Estados Unidos.
Os alasquianos devem ficar no Alasca. Os moradores
do meio-oeste e do noroeste-Pacífico dos Estados Unidos, também. Os cientistas
que tentam prever as consequências da mudança climática dizem que veem poucos
portos seguros para as tempestades, enchentes e secas que certamente se
intensificarão nas próximas décadas. Mas algumas regiões dos EUA se sairão
melhor que outras, acrescentam eles.
Esqueçam a maior parte da Califórnia e o sudoeste
dos EUA (seca e incêndios). O mesmo vale para uma boa extensão da costa leste e
do sudeste (ondas de calor, furacões, aumento do nível do mar).
Washington, a
capital, por exemplo, também poderá ser uma zona de enchentes até 2100, segundo
uma estimativa divulgada na semana passada.
Mas considere Anchorage (Alasca). Ou mesmo, talvez,
Detroit (Michigan).
“Se você não gosta de calor e não quer ser atingido
por um furacão, as opções de aonde deve ir são muito limitadas”, disse Camilo
Mora, um professor de geografia na Universidade do Havaí e principal autor de
um trabalho publicado na revista Nature no ano passado, que prevê que as altas
temperaturas inéditas serão a norma em todo o mundo até 2047. “O melhor lugar é
realmente o Alasca”, acrescentou ele. “O Alasca será a próxima Flórida no final
deste século.”
Sob qualquer modelo de mudança climática, dizem os
cientistas, a maior parte dos EUA terá um aspecto e uma sensação drasticamente
diferentes em 2050, 2100 e depois, enquanto as cidades e os estados tentarão se
adaptar e planejar antecipadamente. Os estados da planície setentrional poderão
ser bastante agradáveis (embora úmidos) para as futuras gerações, assim como
muitos estados vizinhos. Hoje poucas pessoas se deslocam longas distâncias em
preparação para a mudança climática, mas algumas pelo menos avaliam para onde
devem ir.
“A resposta é o noroeste-Pacífico, especialmente a
oeste das [montanhas] Cascades”, disse Ben Strauss, vice-presidente de impactos
climáticos e diretor do programa sobre elevação do nível do mar na Climate
Central, uma colaboração de pesquisa entre cientistas e jornalistas.
“Atualmente, a faixa de terra litorânea que vai do Canadá até a área da baía de
San Francisco é provavelmente a melhor”, acrescentou. “Você vê muito menos
calor extremo; é o único lugar no oeste onde não há uma verdadeira expectativa
de grande estresse hídrico, e enquanto o nível do mar subirá lá, como em todo
lugar, a terra se ergue abruptamente do oceano, por isso é um fator
relativamente pequeno.”
Clifford F. Mass, professor de ciência atmosférica
na Universidade de Washington, escreve um blog climático popular em que ele
prevê que o noroeste-Pacífico será um “potencial refúgio climático” com o
avanço do aquecimento global. Morador de Seattle, Mass prevê que “migrantes da
mudança climática” começarão a rumar para sua cidade, e para Portland, no
Oregon, e as áreas ao redor. “O oceano Pacífico é nosso ar-condicionado
natural”, disse Mass em uma entrevista por telefone. “Não temos umidade como na
costa leste.” E quanto ao suprimento de água? “A água é importante, e nós a
temos”, disse ele. “Para nós é uma situação bastante benigna – na verdade, um
pouco de aquecimento poderá ser bem-vindo aqui.” O estado de Washington,
segundo ele, já se prepara para ser o próximo vale do Nappa, conforme a região
vinícola da Califórnia se aquecer e secar. “As pessoas estão enlouquecendo
colocando vinhedos no leste de Washington neste momento”, disse Mass.
Poderá haver outros refúgios no leste. Não desconte
as cidades elevadas no interior do país, como Minneapolis, Salt Lake City,
Milwaukee e Detroit, disse Matthew E. Kahn, professor de economia ambiental na
Universidade da Califórnia em Los Angeles. “Prevejo que haverá milhões de
pessoas mudando-se para essas áreas”, disse ele.
Em seu livro Climatopolis, de 2010, Kahn prevê que
quando as coisas ficarem muito ruins em qualquer local – não apenas as
temperaturas e o clima extremo, mas também o custo dos seguros, etc. –, as
pessoas se tornarão “refugiadas ambientais”, fugindo de Phoenix, Los Angeles e
San Diego. Até 2100, escreve ele, Detroit será uma das cidades mais desejáveis
dos Estados Unidos.
A afirmação foi uma surpresa para Rachel
Burnside-Saltmarshall, ex-presidente da Associação de Corretores de Imóveis de
Detroit. “Eu não entendi isso”, disse ela, acrescentando que havia preocupações
municipais mais imediatas. “O crime, por exemplo – diga-me quando ele vai
diminuir.”
Um relatório da United Van Lines que examina as
tendências de relocação em 2013 descobriu que seus clientes estavam se mudando
principalmente por motivos econômicos – um novo emprego, custos de vida mais
baixos – ou considerações de qualidade de vida não relacionadas ao clima, como
transporte público ou áreas verdes. Coincidentemente, o Oregon – previsto como
um vencedor na mudança climática – ficou no topo da lista de destino de
mudanças, seguido de Carolina do Sul, Carolina do Norte, Distrito de Colúmbia e
Dakota do Sul. Os principais estados em origem de mudanças foram Nova Jersey,
Illinois, Nova York, Virgínia Ocidental e Connecticut.
“O que vemos é que as pessoas estão na verdade se
movendo no mau sentido”, disse Thomas C. Peterson, principal cientista do
Centro Nacional de Dados Climáticos da Administração Oceânica e Atmosférica
Nacional (NOAA). “Elas estão se mudando de lugares relativamente seguros no
meio-oeste para a costa da Flórida, onde o risco está aumentando.”
Em maio, Miami foi indicada como uma das cidades
mais vulneráveis dos EUA na Avaliação Nacional do Clima, o terceiro de uma
série de relatórios federais sobre como o aquecimento global vai afetar todo o
país. Na semana em que o relatório foi divulgado, os moradores de Miami Beach
estavam andando com água pelos tornozelos em algumas de suas principais
avenidas.
Conforme os níveis do mar aumentarem nas próximas
décadas, disse Mass, “se houver um ponto zero onde você não deseja estar será a
Flórida”. Outros lugares especialmente vulneráveis são as cidades de baixa
altitude nas costas leste e do golfo do México, comentou ele.
Quanto à cidade de Nova York, a mais populosa do
país, Mora projeta que 2047 será “o ano divisório da mudança climática” –,
quando um clima que parece extraordinariamente quente e catastrófico pelos
padrões atuais se tornará a norma. “As costas todas vão enfrentar temperaturas
muito altas”, disse Mora. A capital, Washington, atingirá seu ponto crítico no
mesmo ano, segundo esse modelo; Los Angeles tem até 2048; San Francisco, 2049 e
Chicago, 2052. Detroit tem até 2051 e Anchorage, 2071.
Alguns peritos em clima estão otimistas de que as
grandes cidades vão planejar, adaptar-se e evitar a catástrofe. “Nova York tem
uma tal concentração de riqueza e ativos que eu espero que investiremos para
defender a região do aumento do nível do mar e de enchentes, e já há um
movimento nessa direção”, disse Strauss, da Climate Central, que vive na cidade
de Nova York.
Mas mesmo nos lugares que deverão sair à frente a
imagem não parece totalmente cor-de-rosa. “O verão em Minnesota deverá ser como
o clima no norte de Oklahoma – as árvores e as florestas de lá, as plantações
que os agricultores fazem”, disse Peterson, citando a Avaliação Nacional do
Clima de 2009. “Você constrói casas de maneira diferente em Minnesota e em
Oklahoma, você faz ferrovias de modo diferente.” De modo geral, disse Peterson,
as mudanças serão altamente perturbadoras, especialmente ao longo do tempo.
“Muitas vezes nós falamos sobre o clima de hoje até o final do século, porque é
uma espécie de bom modelo”, disse ele, “mas não vai acabar lá – vai continuar
mudando.”
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Fonte: Carta Capital
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