Indígenas têm a chave para uma
alimentação de qualidade.
por
Valentina Gasbarri, da IPS
A segurança alimentar e uma dieta balanceada para
todos deve combinar com o conhecimento do sistema alimentar e do modo de vida
dos povos indígenas como forma de contribuir para o desenvolvimento
sustentável. Foto: Fida.
Roma, Itália, 25/2/2015 – Erradicar a fome e a má
nutrição no século 21 já não se limita a melhorar a disponibilidade de
alimentos, mas também sua qualidade. Apesar dos êxitos do sistema de
alimentação mundial, cerca de 805 milhões de pessoas passam fome de forma
crônica, e aproximadamente dois bilhões carecem de um ou mais micronutrientes,
ao mesmo tempo em que há 2,8 bilhões de obesos, segundo dados da Organização
das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), divulgados em
outubro.
O debate sobre como superar esse desafio se
polarizou com a agricultura e o comércio global se enfrentando com os sistemas
locais e o conhecimento ecológico tradicional, estilos de vida atados à terra,
bem como uma relação holística de dependência mútua entre as comunidades e a
terra. Esse, entre outros temas, atraiu a atenção na segunda Reunião Global do
Fórum dos Povos Indígenas, realizada na sede romana do Fundo Internacional para
o Desenvolvimento Agrícola (Fida), nos dias 12 e 13 deste mês.
No encontro foram debatidas soluções que combinam a
necessidade de garantir a segurança alimentar e uma dieta equilibrada para
todos com o conhecimento dos sistemas alimentares e do sustento das comunidades
originárias como contribuição ao desenvolvimento sustentável.
Segundo o presidente do Fida, Kanayo F. Nwanze, “os
territórios indígenas estão entre os lugares mais diversos do ponto de vista
biológico e ecológico da Terra. Só recentemente, no século 21, o resto do mundo
começa a valorizar a biodiversidade, que é um valor central das sociedades
originárias”. Ao ocupar quase 20% da superfície terrestre do planeta, os povos
indígenas funcionam como guardiões da biodiversidade biológica.
Os participantes discutiram sobre as possibilidades
de os sistemas de autossustento e as práticas das comunidades indígenas para
contribuir e inspirar novos enfoques de transformação do desenvolvimento
sustentável e sintetizar a cultura e a identidade, sempre com base nos direitos
individuais e coletivos.
Também analisaram a quantidade de comunidades
indígenas e ecossistemas em risco por falta de reconhecimento de seus direitos
e de tratamento justo por parte de governos e corporações, pelo crescimento
populacional, pela mudança climática, pelas migrações e pelos conflitos. Os
participantes concordaram que a marginalização dos indígenas desvaloriza não só
a importância de suas comunidades, mas também seu conhecimento agrícola e
ecológico tradicional.
“De forma arrogante e insolente, a humanidade
cultivou a ideia de um desenvolvimento e um processo considerando que os
recursos do planeta são infinitos e que a dominação humana da natureza não tem
limites”, destacou Carlo Petrini, fundador do movimento internacional Slow Food
em um encontro paralelo dedicado à inter-relação entre nutrição, segurança
alimentar e desenvolvimento sustentável.
“O avanço nessa ideia de progresso deixou mulheres,
jovens, idosos e povos indígenas no final da fila, sem ninguém que eleve sua
voz”, denunciou Petrini. “Todo o drama da realidade moderna fica descoberto: a
gloriosa marcha do progresso está à beira do precipício, a atual crise é o
fruto da cobiça e da ignorância”, destacou o ativista.
Dirigindo-se em grande parte ao mundo rico, o Fórum
se concentrou no grande número de boas práticas e na sabedoria empírica tradicional
dos indígenas que merecem ser estudadas com atenção. Por exemplo, promover a
agricultura e as economias locais, junto com o respeito pelas pequenas
comunidades, é uma forma de reconciliar os seres humanos com a terra e a
natureza. Além disso, numerosas comunidades originárias têm certos alimentos,
como o milho, a inhame e o arroz silvestre, que consideram sagrados e que
cultivam com práticas sustentáveis para o uso da terra e da água.
No Fórum também foi mencionada a importância do
papel dos sistemas de alimentação dos povos indígenas nos projetos da FAO, que
gerencia o Centro para o Ambiente e a Nutrição dos Povos Indígenas (Cine), da
Universidade McGill, na cidade canadense de Montreal.
“Anos de trabalho documentaram os sistemas
tradicionais de alimentação dos povos indígenas e seus hábitos alimentares para
compreender o matriarcado e o papel das mulheres na segurança alimentar e na
paz no Canadá”, destacou Harriet V. Kuhnlein, professora emérita de nutrição
humana e diretora-fundadora do Cine.
A especialista também compartilhou detalhes de uma
das iniciativas do Cine, o Projeto Kahnawake de Prevenção do Diabetes Escolar,
de três anos, e centrado em um programa de prevenção primária para os que
sofrem de diabetes mellitus não insulinodependente, na comunidade mohawk,
vizinha a Montreal.
Entre outros objetivos, o projeto organiza
atividades na comunidade, onde promove estilos de vida saudáveis, e demonstrou
que “um programa de prevenção de diabetes em uma comunidade nativa é possível
mediante uma pesquisa participativa que incorpore a experiência local e a
cultura indígena”, explicou Kuhnlein.
Os participantes do Fórum concordaram que a
reintrodução de alimentos locais é essencial para alimentar o planeta. “Aqui
vemos um verdadeira democracia em ação”, destacou um orador, acrescentando que
é preciso um grande esforço para evitar práticas que exacerbem as consequências
negativas que a produção de alimentos e o consumo têm no clima, na água e nos
ecossistemas
.
Também foi pedido que a agenda de desenvolvimento pós-2015
garanta um ambiente saudável como um direito humano internacional garantido, e
que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que substituirão os
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) no final deste ano, incentivem os
governos a trabalharem para políticas agrícolas que sejam compatíveis com a
sustentabilidade ambiental, e que as normas comerciais sejam consistentes com a
segurança alimentar.
Houve consenso quanto a não serem metas fáceis de
implantar e que será necessário um contexto de responsabilidade forte e de
vontade de cumpri-lo, inclusive mediante o reconhecimento da responsabilidade
corporativa no setor privado.
Quando o mundo se prepara para a agenda de
desenvolvimento pós-2015, o Fórum dos Povos Indígenas ressaltou a importância
de incorporar a segurança alimentar, questões ambientais, redução da pobreza e
os direitos dos povos indígenas aos novos objetivos de desenvolvimento
sustentável que envolvem os cidadãos, governos, instituições acadêmicas,
empresas privadas e organizações internacionais.
Fonte: ENVOLVERDE
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