Grilagem e desmatamento contam a
história do Jari.
por Rogério Almeida, da
Agência Pública
O avanço de particulares sobre terras
públicas da Amazônia ameaça o território das comunidades tradicionais há mais
de um século, sob os olhos cúmplices do Estado.
O cearense José Júlio de Andrade é tido como o
latifundiário pioneiro da região do Jari. Chegou à Amazônia no apogeu do ciclo
da borracha, final do século XIX, e se apossou de uma extensão de terras maior
que o território do Jari. Para subordinar a população local o coronel Andrade
usava a prática do aviamento, ou seja, comprava borracha, balata ou a castanha
em troca do fornecimento de insumos para as populações extrativistas. Como os
preços sempre favoráveis ao comerciante, os coletores estavam sempre ao devendo
ao dono do barracão, e eram obrigados a trabalhar de graça para ele. O expediente ainda hoje é usado
na Amazônia.
Mas os extrativistas se revoltaram, e Andrade
teve que fugir para o Rio de Janeiro. Além de comerciante, o grileiro de terras
foi prefeito em Almeirim quando Magalhães Barata mandava na política do Pará, e
Getúlio Vargas, no país.
Em 1948 um grupo de portugueses e um brasileiro
passaram a dominar terras e o mercado deixado por Andrade. Para explorar
produtos extrativistas e agrícolas da região, criaram três empresas: a Jari
Indústria e Comércio e a Companhia Industrial do Amapá para a comercialização
dos produtos, e a Companhia de Navegação Jari S\A, a partir de José Júlio. É
deste grupo que o multimilionário Daniel Ludwig adquiriu parte das terras no
final da década de 1960. O estadunidense chegou a controlar mais de 200
empresas espalhadas pelo planeta nos setores da finança, do transporte, da
mineração e da agroindústria.
O Jari de Daniel Ludwig
Ludwig não foi o primeiro estadunidense a tentar
subordinar a floresta Amazônia aos seus interesses. Em 1927 o também milionário
Henry Ford fundou seu próprio reino – a Fordlândia – na cidade de Aveiro, às
margens do rio Tapajós, oeste paraense. A domesticação da seringueira em grande
escala fracassou. Ainda hoje existem vestígios da fábrica, vila e do
monocultivo.
O compatriota Daniel bem que poderia ter atentado
para a experiência de Ford. Ele chegou na Amazônia no ápice do estado de
exceção e, com apoio do governo militar, instalou um complexo agroindustrial
que englobava a produção de celulose em grande escala, arroz, criação de gado,
e o extrativismo mineral de bauxita e caulim. Aeroporto, porto, rodovia e
ferrovia compunham a infraestrutura, além de uma fábrica para a produção de
celulose importada do Japão.
O desmatamento de mais de 200 mil hectares de
floresta densa, para o cultivo de espécies exóticas – com o objetivo de
produzir celulose – foi primeiro ato do polêmico projeto do milionário, que
invadiu o território de indígenas e ribeirinhos que viviam do extrativismo no
entorno dos rios Paru e Cajari. Os conflitos entre os seguranças da empresa e
os moradores tradicionais eram constantes.
Crise do Projeto e Novos Donos
Nos anos 1980 e 1990 o debate ambientalista abriu
espaço na agenda política do
país, e transbordou as fronteiras nacionais com a militância do seringueiro
Chico Mendes, executado em 1988. As críticas contra o Projeto Jari ganharam o
mundo.
O jornalista Lúcio Flávio Pinto, que escreveu um
livro sobre o assunto (Jari: Toda a Verdade Sobre o Projeto de Ludwig), conta
que no início dos anos da década de 1980, os lucros sumiram e o Jari foi transferido
a um grupo de 27 empresários brasileiros, liderado pelo Banco do Brasil e por
Augusto Trajano de Azevedo Antunes, do Grupo Caemi, em operação coordenada pelo
ministro Antônio Delfim Netto.
Avalizado pelo governo, o grupo comprometeu-se a
pagar a quantia de 280 milhões de dólares em 35 anos.
Mas a crise continuou. Em 1999 o Projeto foi
adquirido por dois acionistas de São Paulo da direção do Grupo ORSA, presidido
pelo empresário Sérgio Amoroso, pela soma simbólica de 1 dólar – as dívidas
totalizavam cerca de 414 milhões de dólares. A negociação com o Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) durou dois anos. O projeto passou
a ter o nome de Grupo Jari, e os empresários firmaram compromisso em sanar
passivos sociais e ambientais. (Agência Pública/Envolverde).
Leia também a reportagem Empate no
Jari.
Fonte: Agência
Pública
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