Cuba precisa atualizar a luta
contra novas formas de racismo.
por Ivet
Gonzélez, da IPS
A escritora e ativista Daysi Rubiera, fundadora e
líder do grupo Afrocubanas, durante a reunião literária Reyita, no dia 20 deste
mês, que acontece trimestralmente em Havana e que nesta ocasião foi dedicada
aos estereótipos racistas da família. Foto: Jorge Luis Baños/IPS.
Havana, Cuba, 24/2/2015 – O ativismo contra o
racismo em Cuba se consolida e traça estratégias de trabalho diante do
florescimento de desigualdades por gênero e cor da pele após as transformações
sociais em razão da reforma econômica lançada em 2008 pelo presidente Raúl
Castro.
Segundo a acadêmica Daysi Rubiera, líder dessa luta
no país, a mobilização comunitária e a obtenção de políticas públicas para
reduzir desvantagens de populações negras e mestiças deveriam representar o
foco dos grupos da sociedade civil que lutam contra o racismo, durante a Década
Internacional dos Afrodescendentes, que começou este ano.
“As discriminações por gênero e raça estão se
manifestando em todos os espaços da sociedade cubana, não apenas no acesso ao
emprego e aos recursos ou no interior do lar, mas no comportamento social de
homens e mulheres”, afirmou em entrevista à IPS a historiadora de 76 anos,
fundadora do grupo feminista Afrocubanas.
Este é um dos assuntos não resolvidos pela
Revolução de 1959, que, apesar de decretar constitucionalmente a não
discriminação e oferecer oportunidades iguais de estudo e trabalho às pessoas
negras e mestiças, não conseguiu frear o racismo histórico de um país onde a
escravidão foi abolida em 1886.
Ocultado durante décadas, o problema racial foi
sendo tratado pelo discurso estatal nos últimos anos, enquanto cresciam os
grupos antirracistas não governamentais, que têm entre os mais ativos a
Confraria da Negritude, a Comissão José Antonio Aponte, da União de Escritores
e Artistas de Cuba, o capítulo cubano da Articulação Regional Afrodescendente
(Arac) e a Rede Bairrista Afrodescendente (RBA).
Para Rubiera, a Década promovida pela Organização
das Nações Unidas (ONU) dá visibilidade a um conflito de séculos e fortalece a
cooperação regional e internacional para garantir os direitos humanos das
pessoas afrodescendentes. Ela acredita que em Cuba já se progrediu muito em
matéria de reconhecimento cidadão e acesso igualitário a saúde, educação e
emprego. “Sabemos quais são nossos problemas, o que precisamos é começar a
resolvê-los”, ressaltou.
Três afrocubanas, avó, mãe e neta, na sacada de sua
moradia em Havana. As mulheres negras sofrem dupla discriminação em Cuba. Foto:
Jorge Luis Baños/IPS.
Neste país de 11,2 milhões de habitantes, 9,3% da
população tem pele negra e 26,6% é mestiça, e os dois grupos concentram
precariedades causadas pelas desigualdades históricas. Não são muitas as
estatísticas para detalhar a situação de cada grupo racial, mas vários estudos
sociológicos indicam que a população afrodescendente tem menor renda, vive em
piores moradias e tem menor presença na educação superior, em cargos de direção
e setores emergentes da economia, como turismo e empresas com capital
estrangeiro.
O auge do trabalho por conta própria nesse país de
governo socialista e economia centralizada, por meio da ampliação das
atividades liberadas à lei da oferta e da procura, dentro das reformas
econômicas, tornou mais visível a segregação trabalhista em razão da cor da
pele, sem medidas específicas para controlar esse tendência, afirmou Rubiera.
Para enfrentar a prolongada crise econômica,
iniciada nos anos 1990, e atualizar o modelo econômico, desde 2008 são
implantadas medidas que flexibilizam a atividade independente, há abertura ao
investimento estrangeiro e se reduziu as subvenções públicas, entre outros
pontos.
A redução dos quadros do Estado levou o setor
autônomo a ocupar 473 mil pessoas em 188 atividades ao final de 2014. “Por
serem negócios privados, se reservam o direito de contratação e, quanto maior
nível alcançam, mais seus empregados são pessoas brancas. As de pele escura
ficam para aqueles espaços onde não se atende o público e nos quais se paga
menos”, descreveu Rubiera.
Dados de uma recente pesquisa, conhecida nos
encontros literários trimestrais da Afrocubanas, revelam que apenas 9% da
população universitária em Havana é negra ou mestiça. Também preocupa o
crescimento das famílias a cargo de mulheres afrodescendentes sozinhas, com
menos recursos para a subsistência.
“Seus filhos devem buscar um ofício para ganhar
dinheiro rápido e ajudar nos gastos familiares, o que as coloca em uma posição
de desvantagem para estudar em nível superior”, explicou a ativista, autora do
testemunho Reyita, Simplesmente, que narra a história de uma mulher
escrava, contada por sua filha.
O grupo Afrocubanas realiza trimestralmente o
encontro literário Reyita. Na do dia 20 deste mês as integrantes da organização
feminista debateram com representantes da Rede de Mulheres Cristãs sobre a
reprodução dos estereótipos racistas na família. Foto: Jorge Luis Baños/IPS.
Os meios audiovisuais cubanos contribuem para os
estereótipos racistas ao apresentarem os afrodescendentes em condição
subalterna e em papéis negativos, tendência que repetem a música popular e o
humor cênico. Quanto às mulheres negras e mestiças, continuam menos presentes
nos meios de comunicação e expostas ao modelo dominante de beleza ocidental
entronizado pelas indústrias culturais.
“Existem apresentadoras negras apenas para
programas de televisão. Se o padrão branco se converte em uma necessidade para
a ascensão profissional e social, existe uma violência simbólica muito forte em
relação a elas”, apontou a líder dos direitos das pessoas afrodescendentes.
Documentos programáticos do governo cubano começam
a colocar o tema racial como um conflito social urgente, entre eles o informe
da Conferência Nacional do Partido Comunista de Cuba, que em janeiro de 2012
propôs “enfrentar os preconceitos e as condutas administrativas pela cor da
pele, pois são contrários à Constituição e às leis”.
O presidente Castro também o mencionou em seus
discursos e se propôs a promover pessoas afrodescendentes nos cargos públicos,
e em seguida a Assembleia Nacional eleita em 2013 passou a contar com 37% de
integrantes não brancos, em equilíbrio com as porcentagens demográficas.
Na sociedade civil também se vê um movimento para
levar o tema ao discurso público, como a realização em dezembro da Primeira
Jornada Contra a Discriminação Racial, na qual a Arac organizou encontros,
painéis e apresentações culturais sobre tema.
Mas, segundo Rubiera, é necessária uma atuação mais
enérgica. “Independente das tentativas de erradicar o racismo na Revolução, a
mentalidade da maior parte dos dirigentes não mudou”, destacou a ativista e
feminista. Falar sem hipocrisia sobre as desigualdades seria, a seu ver, o
ponto de partida para uma transformação real. “Enquanto não entrarmos nas
escolas primárias e educarmos de outra maneira, não resolveremos o problema”,
acrescentou.
Como outros ativistas, Rubiera propõe criar um
corpo legal específico para sancionar as manifestações discriminatórias que
sofrem pessoas não brancas, especialmente por parte de organizações
institucionais como a polícia. Também pede maior unidade entre os que defendem
a causa racial devido à fragmentação e às diferenças desses grupos. “Se não nos
colocarmos em acordo e trabalharmos juntos para propor soluções, sem
protagonismos, tampouco ajudaremos”, ressaltou a promotora da RBA.
As aspirações futuras da líder incluem uma
associação de afrodescendentes que permita compartilhar as fortalezas de sua
identidade racial e concretizar um programa de demandas comuns entre vários
coletivos. “O país deve traçar suas políticas sociais incluindo essas
problemáticas e socializar estatísticas pela cor da pele e por gênero, para
visualizar avanços e desafios”, concluiu Rubiera.
Fonte: ENVOLVERDE
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