Crise hídrica: “São Paulo está
sentada em água e nós ignoramos nossa história”.
por Pedro Ribeiro Nogueira,
do Portal Aprendiz
Com o fim do verão, se aproxima a seca típica dos
meses de outono e inverno. Se as chuvas que caíram acima da média nos últimos
meses aliviaram o estresse hídrico do Sistema Cantareira, o prognóstico é que,
nos próximos meses, sem as águas de março, faltará água e São Paulo estará
diante de um colapso inédito: uma cidade de mais de 10 milhões de habitantes
ficará sem seu recurso mais fundamental.
O governo do Estado, depois de passar meses –
coincidentemente eleitorais – negando o racionamento, já anuncia que poderão
começar rodízios de 5 dias sem abastecimento para dois com, o temido 5×2. Toda
a cidade já sente os efeitos da falta d’água, sendo que nas periferias, é ainda
mais acentuado. Diante deste cenário, o que foi feito e o que resta fazer? Para
começar a responder a algumas dessas perguntas, a Aliança pela Água e
Assembléia Estadual da Água, realizaram, na noite de terça-feira (24/2), no vão
livre do Masp, a Aula Pública “Água: Crise, Soluções e Mobilizações Sociais”.
Ponto positivo
Lembrando o velho dito de que as crises também
são momentos de oportunidade, Cesar Pegoraro, da ONG SOS Mata Atlântica
perguntou ao público, de cerca de 150 pessoas, se eles agora sabiam de onde
vinha a água que os abastecia. Diante da resposta afirmativa da maioria,
reforçou que hoje a relação das pessoas com a água na cidade mudou.
“Nós estamos sentados entre a nascente do
Saracura e do Iguatemi, dois córregos que nós tapamos, matamos. São Paulo está
sentada em água e nós ignoramos nossa história, não aprendemos a respeitar a
água. A nossa legislação prevê rios de tipo 4, ou seja, que são usados para
gerar energia e diluir esgoto. O desrespeito está previsto em lei”, avalia.
Para ele, a crise poderia ser usada para
investimento público em cisternas residenciais, que diminuiriam o consumo
residencial, e para aumentar a participação popular na gestão da água. “Nós não
temos que buscar água cada vez mais longe. Temos que restaurar a qualidade aqui
dentro. São Paulo tem um número enorme de nascentes: porque elas nunca foram
aproveitadas para uso da população?”, questiona.
Mananciais e habitação popular
Na zona sul de São Paulo, uma área com quase um
milhão de metros quadrados, conhecida como Parque dos Búfalos, enfrenta uma
batalha e um grande dilema: foram anunciadas a construção de 193 torres de
habitação popular em cima da área que serve como o único parque da região para
mais de 500 mil pessoas e que abriga sete nascentes e mata atlântica originária
e preservada. Essa luta já foi retratada pelo jornal El País. Para Wesley Rosa, morador da região e ativista do
Parque dos Búfalos, a construção dos conjuntos seria um contrassenso na época
de crise hídrica.
A visão de Wesley é reforçada pela urbanista e
professora da Faculdade de Urbanismo e Arquitetura da USP, Paula Santoro.
Segundo ela, há que se haver um esforço para preservação das áreas verdes da
zona sul, que deve caminhar em conjunto com a oferta de melhores condições de
vida das mais de um milhão de pessoas que vivem em situação precária naquela
zona.
“Essa ideia de sempre ir levando para longe as
habitações populares sempre foi criticada por nós urbanistas.
Temos o centro
com muitas habitações ociosas: porque não trazer para o centro e preservar a
área de mananciais? O centro não pode ter só shopping”, defende Santoro,
ressaltando é preciso reconhecer o direito à moradia das pessoas. “É uma
Guarulhos que vive lá. Tem que haver uma política que reconheça essas áreas e
dê condição para que se produza água com quantidade e qualidade, preservando as
fontes”, afirma a urbanista.
Colapso e repressão
Com fogo se chama água? Essa foi uma das soluções
dos moradores da periferia de Itu para enfrentar, no último ano, o
racionamento. Após muitas reclamações e abastecimento deficitário nas áreas
pobres, foi apenas com o recurso de barricadas de fogo que os moradores
conseguiram que a Prefeitura atendesse as demandas dos moradores da cidade do
interior de São Paulo.
“Para começo de conversa há que se falar que,
como em São Paulo, nossa gestão de água foi privatizada”, aponta Pedro
Scavacini, do Movimento Itu Vai Parar, “e a concessionária, que deveria sanar a
falta d’água, nunca cumpriu esse papel”. Ele relata que, em 2013, começaram os
primeiros cortes e a água ia para as casas a cada 72 horas. “Isso quando
chegava”.
“A falta d’água alterou drasticamente o cotidiano
da cidade. As pessoas não tinham como suprir as necessidades mais básicas e
corriqueiras. A água encareceu, os caminhões pipa escacearam. Isso gerou, numa
cidade pacata, conservadora e católica, enormes manifestações que foram
iniciadas por idosos, mulheres e crianças. E essas mesmas manifestações foram
duramente reprimidas”, relata Scavacini.
O que farão dez milhões de sedentos?
“As situações que a gente viu em Itu serão muito
mais graves numa metrópole com 10 milhões de pessoas. Estamos falando de saque,
desagregação social, violência. Enfim, estamos falando de uma situação que
nunca foi vista no mundo”, analisou o professor de Gestão Pública da
Universidade de São Paulo, Pablo Ortellado.
Segundo ele, na falta de
um movimento capaz de organizar essa revolta, como o Movimento Passe Livre, na
questão da mobilidade, ou o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, no campo da
moradia, é preciso elaborar objetivos políticos que canalizem em ação
consciente a insatisfação civil.
Para ele, a solução da crise está no longo prazo,
mas é necessário pensar em demandas e paliativos urgentes para atender a
população. “Precisamos, por exemplo, dividir o ônus dessa crise. Não é segredo
para ninguém que temos um rodízio branco, onde os pobres pagam o peso do
descaso e bairros ricos não sofrem nenhum revés. Comprar caixas d’água para a
população, garantir o direito à agua para todos e impedir a remessa de lucros
para os acionistas da Sabesp são algumas dessas ações.”
Ortellado também defende a responsabilização dos
gestores pela má condução dessa crise, que deveriam ter decretado um rodízio
responsável enquanto havia tempo, mas não o fizeram para evitar o ônus
eleitoral dessas medidas. “O governador não tocou nesse assunto durante a
campanha porque sabia que sua imagem poderia ser manchada, assim como sua
popularidade. Mas agora é inevitável”, aponta.
Sentados no local onde há quinze dias um protesto
pela questão da água foi impedido de sair pela Polícia Militar, Ortellado
afirmou ao público que teme pela escalada da violência policial e lançou um alerta:
“A forma como nós vamos lidar com isso será observada pelo mundo inteiro, que
passa por mudanças climáticas. Temos uma enorme responsabilidade”, finaliza.
Fonte: Portal
Aprendiz
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