Registro
de água pré-pago faz retroceder êxitos da África.
Queiram ou não, muitos africanos possivelmente não
possam ter acesso à água potável mediante registros pré-pagos, por isso optaram
por buscar água em fontes sem proteção e cuja potabilidade não é segura. Foto:
Jeffrey Moyo/IPS.
Por Jeffrey Moyo, da IPS –
Harare, Zimbábue, 18/5/2015 – Muitos países se
aproximam da meta de reduzir pela metade a população sem acesso à água potável,
parte dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), mas numerosos
ativistas denunciam que várias nações da África que instalaram registro
pré-pago do serviço dificultam a população pobre a contar com o recurso.
“A meta de assegurar que todas as pessoas tenham
acesso à água potável sofreu, na África, um revés, porque muitos de seus países
recorreram ao uso de registros pré-pagos, que deixam os pobres sem acesso à
água”, disse à IPS a diretora da organização zimbabuense Plataforma para o
Desenvolvimento da Juventude, Claris Madhuku.
Esse tipo de registro funciona de tal forma que se
a pessoa não pagar adiantado não tem água. Por isso numerosos defensores de
direitos humanos, como Terry Mutsvanga, do Zimbábue, e várias organizações da
sociedade civil se opõem a esses dispositivos para controlar o acesso à um
serviço humano fundamental.
Reduzir pela metade, até o final de 2015, a
proporção de pessoas sem acesso sustentável à água potável e à serviços básicos
de saneamento, com relação aos níveis de 1990, é uma das metas do sétimo dos
oito ODM, focado em garantir a sustentabilidade ambiental. O prazo para cumprir
os ODM, fixados em 2000, vencerá em dezembro próximo, quando serão substituídos
pelos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
“Se alguém tem que pagar primeiro para ter água,
então as pessoas mais necessitadas não terão acesso a ela. A água é um direito
humano essencial”, disse Mutsvanga à IPS. Ele se referia à resolução vinculante
da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), de julho de 2010,
sobre o direito humano à água e ao saneamento, o que na África está longe de
ser realidade.
Com 1,1 bilhão de habitantes, a África tem 300
milhões sem acesso à água potável, segundo o Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente (Pnuma). Muitos ativistas atribuem os crescentes problemas de
acesso à água à chegada dos registros pré-pagos. “Já temos centenas de milhões
de pessoas sem água potável, imagine a gravidade do problema se os contadores
pré-pagos chegarem a todo o continente”, afirmou Mutsvanga.
Com o tempo, esses registros se generalizaram em
vários países africanos, como Namíbia, Nigéria, Suazilândia e Tanzânia, além da
África do Sul, onde os contadores instalados em 1999 ficam atualmente em áreas
de baixa renda.
O Zimbábue implantou um projeto-piloto destinado a
instalar dispositivos pré-pagos em povoados e cidades, o que fez as pessoas
mais pobres, como Tinago Chikasha, de 51 anos, entrarem em pânico temendo o
pior.
“As autoridades pressionam para instalar os
contadores, mas as pessoas desempregadas como eu não têm dinheiro para pagar
adiantado, pois já temos conta de água atrasadas que chegam a milhares de
dólares e que as autoridades disseram que deduziriam dos próximos pagamentos, o
que significa que corremos o risco de ficar sem água na torneira enquanto não
saldarmos a dívida!”, disse Chikasha à IPS.
Em outros países, com Grã-Bretanha, os registros
pré-pagos deixaram de ser usados depois que foram declarados ilegais em 1998
por razões de saúde pública. Por um tempo também foram abandonados na África do
Sul devido a um foco de cólera, mas voltaram a ser utilizados substituindo as
torneiras comunitárias gratuitas nos municípios rurais.
Apesar do reconhecimento da ONU de que o acesso à
água é um direitos humanos, instituições multilaterais de credito, como o Banco
Mundial, afirmam que a distribuição deve depender de mecanismos de mercado para
assim poder recuperar o custo total.
Ativistas como Melusi Khumalo, da África do Sul,
responsabilizam o sistema capitalista por exigir o uso de dispositivos
pré-pagos. “Os registros pré-pagos são o resultado das más políticas de
instituições como o Banco Mundial; os dispositivos impedem que os mais
necessitados tenham acesso à água”, ressaltou Khumalo, afiliado à Associação de
Moradores de Parktown North, na cidade sul-africana de Johannesburgo.
No Zimbábue, Mfundo Mlilo, diretor-executivo da
Associação de Moradores de Harare Combinado, disse à IPS que “nos opomos
terminantemente ao projeto de registro pré-pago porque não resolverão os
problemas da distribuição de água nem farão as pessoas receberem água potável e
limpa e nem aumentarão a renda, como disse a municipalidade de Harare”. No mês
passado o jornal Weekend Post informou que o secretário do município de
Harare, Tendai Mahachi, declarou que “com os registros pré-pagos esperamos
economizar entre 20% e 30% do custo atual.
Segundo Mahachi, pelo menos 300 mil famílias da
capital do Zimbábue terão registros pré-pagos e toda nova casa também estará
obrigada a instalar esse dispositivo.
Embora os registros pré-pagos possam significar
grandes somas de dinheiro para as autoridades locais, algumas pessoas, como
Nathan Jamela, morador em Bulawayo, a segunda maior cidade do Zimbábue, temem
as consequências para a saúde. “Sofremos o pior foco de cólera em 2008 e temos
medo de que se esses registros forem instalados em todas as casas voltemos a
ter uma crise, pois muitas pessoas não poderão pagar pela água”, disse Jamepal
à IPS.