A escassez de chuvas é uma das
consequências do desmatamento na Amazônia.
por
Redação do IHU On-Line
Foto: UN Photo/Martine Perret.
“A floresta depende dos rios e os rios dependem da
floresta”, frisa o engenheiro agrônomo Raimundo Nonato Brabo Alves.
“Diversas pesquisas conduzidas por instituições
brasileiras e por universidades estrangeiras têm recentemente identificado essa
correlação positiva sobre o desmatamento na Amazônia e a escassez de chuvas em
regiões fora da Amazônia”, informa Raimundo Brabo Alves à IHU On-Line, ao
comentar as possíveis relações entre a crise hídrica no Sudeste e o
desmatamento na Amazônia. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, o
pesquisador esclarece que, embora se saiba da importância das florestas no
ciclo hidrológico de uma região, o que está em discussão neste momento “é
apenas a abrangência e a escala das regiões sob essa influência fora da
Amazônia. Enquanto essa abrangência ou escala não for definida é melhor pôr em
prática o princípio da precaução, isto é, desmatamento zero para a Amazônia e
reflorestamento de matas ciliares e de nascentes para a região Sudeste”.
Segundo ele, monitoramentos realizados na região
nos últimos 30 anos indicam que 751 mil Km² da Amazônia estão desflorestados, o
que equivale a 18% da área total. Alves assinala que o desmatamento na Amazônia
“é consequência de uma interação de fatores convergentes, de políticas públicas
impostas à região ao longo dos últimos 50 anos”, como projetos hidrelétricos,
de exploração mineral, aberturas de rodovias, a expansão madeireira, pecuária e
agrícola.
Raimundo Nonato Brabo Alves é engenheiro agrônomo e
mestre em Agronomia. Atualmente é pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental.
Foto: Gente de Opinião
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é a atual situação de
desmatamento na Amazônia? Ao longo deste ano, alguns especialistas disseram que
o Brasil conseguiu reduzir as taxas de desmatamento. Isso se aplica também à
Amazônia?
Raimundo Brabo Alves - O governo federal, utilizando
dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal – PRODES,
acaba de anunciar uma redução de 18% no desmatamento anual da Amazônia no
período entre agosto de 2013 a julho de 2014, em relação ao período anterior.
Segundo essa fonte, a Amazônia perdeu 4.848 km2. Essa redução nos indicadores é
consequência do esforço de fiscalização que o governo federal vem exercendo
para coibir os crimes ambientais na Amazônia. Dados do DETER, Detecção do
Desmatamento em Tempo Real, que é produzido mensalmente pelo INPE com o
objetivo de alertar a fiscalização e não quantificar área, mesmo porque as
metodologias são diferentes, identificaram alertas de desmatamento por corte
raso (derrubada total) e por degradação florestal (destruição parcial), que
somam 1.924 km², crescimento de 117% nos meses de agosto, setembro e outubro,
em relação ao mesmo trimestre de 2013, quando foram detectados 886 km².
Esse é o período crítico, pois é quando ocorre a
expansão de áreas para cultivo ou formação de pastos na Amazônia e pode ser
sintoma de uma retomada do desmatamento irregular na região. No entanto devemos
considerar que essa escalada do desmatamento ainda é elevada, e toda a
sociedade deve se conscientizar da necessidade imperiosa de preservação da
floresta. Uma política amigável seria atingir o desmatamento zero. E isso não
pressupõe abrir mão da exploração madeireira. Temos que seguir o exemplo de
países como o Canadá, que utiliza moderno sistema de manejo, mantendo
madeireiros por gerações com a floresta em pé. É lógico que em algumas áreas a
floresta deve ser protegida como nas terras indígenas, de comunidades
tradicionais e reservas legais.
IHU On-Line – Que percentual da Amazônia já está
desmatado?
Raimundo Brabo Alves - A Amazônia tem aproximadamente
18% de sua área desflorestada, que, segundo o PRODES, equivale ao total de 751
mil km2, mapeados por imagem de satélite desde 1988 até 2012. Uma boa notícia
são os dados recentes do relatório TERRACLASS, projeto do INPE e da EMBRAPA,
que mapearam pouco mais de 172 mil km2 de área desmatada na Amazônia Legal, que
estão em processo de regeneração. Essa é a alternativa mais econômica de recuperação
de áreas degradadas, especialmente em bordas ainda florestadas, cuja capacidade
de regeneração fica por conta da própria expansão da vegetação florestal.
IHU On-Line – Quais são as principais causas que
têm gerado o aumento do desmatamento na região?
Raimundo Brabo Alves - O desmatamento na Amazônia é
consequência de uma interação de fatores convergentes, de políticas públicas
impostas à região ao longo dos últimos 50 anos. Implantação de grandes projetos
como hidrelétricas, mineradoras, aberturas de rodovias estão sempre funcionando
como atrativos e estimulam um fluxo migratório, com consequências impactantes
nos indicadores de expansão urbana e de desmatamento florestal. A exploração
madeireira é a atividade econômica de linha de frente da fronteira agrícola,
seguida da pecuária e em menor escala da agricultura. Segundo dados do
TERRACLASS 2012, as pastagens respondem por 60% da área desflorestada na
Amazônia, enquanto a agricultura, por apenas 2%, porque hoje as plantações
estão avançando em áreas onde antes havia pastagens.
IHU On-Line – Como o desmatamento da Amazônia tem
afetado o Sudeste e contribuído para a crise hídrica de São Paulo?
Raimundo Brabo Alves - Diversas pesquisas conduzidas
por instituições brasileiras e por universidades estrangeiras têm recentemente
identificado essa correlação positiva sobre o desmatamento na Amazônia e a
escassez de chuvas em regiões fora da Amazônia; essa tese é contestada por
alguns céticos das mudanças climáticas. Os sistemas de modelagem utilizados são
complexos, considerando o gigantismo da Amazônia, sua interação com os oceanos
Atlântico e Pacífico e mais a Cordilheira dos Andes, além da grande bacia do
Rio Amazonas, com seus tributários da margem direita e esquerda, que determinam
regimes hídricos diferenciados na própria região. Espero que não tenhamos que
comprovar essa tese com mais desmatamento, momento em que poderá não ser mais
possível reverter as consequências calamitosas dessa rota de destruição.
IHU On-Line – Qual é o papel da Amazônia para
garantir a regulagem do ciclo hidrológico do país?
Raimundo Brabo Alves - É clássico o conhecimento sobre
a importância das florestas no ciclo hidrológico de uma região. O que está em
discussão é apenas a abrangência e a escala das regiões sob essa influência
fora da Amazônia. Enquanto essa abrangência ou escala não for definida é melhor
pôr em prática o princípio da precaução, isto é, desmatamento zero para a
Amazônia e reflorestamento de matas ciliares e de nascentes para a região
Sudeste.
IHU On-Line – Além da floresta, quais são os rios
amazônicos que desempenham um papel fundamental no ciclo hidrológico do país?
Raimundo Brabo Alves - A bacia amazônica é constituída
do grande Rio Amazonas e de seus tributários aonde chegam mais de 1.100 rios.
Os afluentes principais da margem direita são Juruá, Tefé, Coari, Purus,
Madeira, Tapajós e Xingu. Da margem esquerda, o Içá, Japurá, Negro, Nhamundá,
Trombetas, Maecuru, Paru e Jari. A sincronia entre o ciclo das águas nos
afluentes da margem esquerda e da margem direita e o degelo dos Andes determina
a magnitude das enchentes na Amazônia, se anualmente serão pequenas, médias ou
calamitosas. Todo esse complexo de rios interage com o clima da região e
determina seu ciclo hidrológico, como vias de mão dupla no ciclo das águas. A
floresta depende dos rios e os rios dependem da floresta. No encontro do
Amazonas com o Atlântico descarregando anualmente mais de 6 trilhões de m³ de
água doce e mais de 1 bilhão de toneladas de sedimentos, resultam diferentes
graus de salinização da água, 220 km oceano afora a 1.000 km de litoral, no
mais espetacular encontro das águas, resultando em uma das maiores
biodiversidades do planeta.
IHU On-Line – Quais são as políticas públicas
desenvolvidas atualmente para preservar a Amazônia?
Raimundo Brabo Alves - Lançado em abril de 2004, O
PPCDAM, tendo como principal objetivo o controle e combate ao desmatamento
ilegal na Amazônia, conseguiu reduzir a taxa de desmatamento, que era de 27.772
km² na Amazônia, em mais de 445%, chegando a 6.238 km² em 2011 e 4.848 km2 em
2014, segundo dados do PRODES. O PPCDAM, estruturado em eixos temáticos, de
acordo com PNMC (2008): I – Ordenamento Fundiário e Territorial; II –
Monitoramento e Controle Ambiental; III – Fomento a Atividades Produtivas
Sustentáveis; um quarto eixo temático do PPCDAM, “Infraestrutura Ambientalmente
Sustentável”, se desdobrou tornando-se o Plano Amazônia Sustentável – PAS. Após
a instituição do programa, diversas operações conjuntas da Polícia Federal,
IBAMA e Exército desarticularam grupos criminosos que atuavam na grilagem de
terras, falsificação de autorizações ambientais e extração vegetal ilegal, tais
como as operações Curupira e Faroeste. No âmbito do Ministério do Meio
Ambiente, existem vários programas dirigidos para a Amazônia: o Programa Áreas
Protegidas da Amazônia – ARPA. O Programa de Apoio à Conservação Ambiental
Bolsa Verde – BOLSA VERDE, que concede, a cada trimestre, um benefício de R$
300 às famílias em situação de extrema pobreza que vivem em áreas consideradas
prioritárias para conservação ambiental. O CADASTRO AMBIENTAL RURAL – CAR,
registro eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais que tem por
finalidade integrar as informações ambientais referentes à situação das Áreas
de Preservação Permanente – APP, das áreas de Reserva Legal, das florestas e
dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Uso Restrito e das áreas
consolidadas das propriedades e posses rurais do país. Os CORREDORES
ECOLÓGICOS, um projeto voltado para efetiva proteção da natureza, reduzindo ou
prevenindo a fragmentação de florestas existentes na Amazônia e na Mata
Atlântica, por meio da conexão entre diferentes modalidades de áreas protegidas
e outros espaços com diferentes usos do solo, que possuem ecossistemas
florestais biologicamente prioritários e viáveis para a conservação da
biodiversidade, compostos por conjuntos de unidades de conservação, terras
indígenas e áreas de interstício. O PROGRAMA NACIONAL DE FLORESTAS tem o
objetivo de articular as políticas públicas setoriais para promover o
desenvolvimento sustentável, conciliando o uso com a conservação das florestas
brasileiras.
A PROTEÇÃO DAS FLORESTAS TROPICAIS, uma iniciativa
do governo brasileiro em parceria com a comunidade internacional na procura por
soluções que combinem a conservação da floresta Amazônica e da Mata Atlântica
com o uso sustentável de seus recursos naturais, ao mesmo tempo que melhoraram
as condições de vida da população local. A maior parte dos subprogramas e
projetos já está encerrada e uma parte pequena caminha para a consolidação, mas
trata-se de programa de referência para criação de políticas públicas
ambientais voltadas para o desenvolvimento sustentável. O ZONEAMENTO ECOLÓGICO
ECONÔMICO, instrumento de gestão territorial e ambiental com a pretensão de
integrar aspectos naturais e sociais na gestão do território.
IHU On-Line – Como o governo e os órgãos
responsáveis têm reagido ou se manifestado diante do atual desmatamento da
Amazônia?
Raimundo Brabo Alves - De maneira proativa no
monitoramento dos problemas ambientais, na prevenção e fiscalização e na
aplicação da lei ambiental. O enorme desafio é estar presente nas regiões mais
remotas da Amazônia, considerando a sua área continental, cuja inacessibilidade
é favorável à multiplicação dos ilícitos ambientais. O governo federal deveria
planejar e executar políticas públicas que substituam as atividades meramente
extrativas como a madeireira, agregando valores aos produtos amazônicos, para
gerar emprego e renda com a tão almejada sustentabilidade.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Raimundo Brabo Alves – Recomendo a leitura do livro
Amazônia: do verde ao cinza, de minha autoria, em que é feita uma
contextualização mais aprofundada dos problemas que levam ao desmatamento da
Amazônia nos últimos 50 anos. O livro está disponível aqui.
Fonte: IHU On-Line
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