‘Thomas Piketty: Temos de taxar
mais a renda e menos o consumo e os salários’.
Luciano
Amarante/Folhapress
Para Thomas Piketty, economista francês autor de O
Capital no Século XXI diz que sistema de tributos no mundo privilegia os ricos.
Ele também reforça a importância das políticas sociais no Brasil, mas afirma
que a diminuição da pobreza não quer dizer que distribuição de renda tenha
melhorado
Bruno Pavan, da Reportagem, Brasil de Fato
Um dos maiores trunfos do capitalismo é seu
dinamismo e sua capacidade de se reinventar a cada crise que sofre. No século
19, Karl Marx havia desvendado esse mistério em O Capital, obra máxima que
explicou o funcionamento do sistema que recém havia tomado corpo.
Desde então, já foram muitas as reinvenções do
capitalismo. Os acordos de Breton Woods, assinados em 1944, foi uma das maiores
delas, visto a urgência de ditar uma nova ordem econômica após a grande
depressão de 1929 e a Segunda Guerra Mundial. Para não entregar os dedos,
alguns anéis tiveram de ser cedidos pelos capitalistas.
Após a grande depressão, os países desenvolvidos se
atentaram para a necessidade de uma presença maior do Estado na vida econômica
do cidadão. Emergiu daí o Keynesianismo, corrente que visava reformar o
capitalismo como ele existia até a década de 1930. Seu mentor era John Maynard
Keynes e defendia que o Estado havia de agir para manter os níveis de emprego
altos para que a população tivesse certo grau de bem-estar econômico.
Mas, como o dinamismo marca a trajetória da nossa
sociedade capitalista, após o fim da URSS e da ordem bipolar do mundo,
novamente se colocou sobre a mesa a necessidade de deixar o mercado e sua mão
invisível agir. A modernidade estava nas privatizações de estatais para que o
governo pudesse “gastar dinheiro onde a população precisasse”. Hoje, nós
sabemos que a investida neoliberal não deixou boas recordações pelo mundo.
Após a crise financeira de 2008, que levou muitos
países à recessão e cobra seu preço com números de desempregados ainda recordes
em diversos países da Europa, pairava no ar alguma ideia nova que viria para
discutir velhos problemas do nosso sistema como o rentismo e a distribuição de
renda.
O nome da vez é o francês Thomas Piketty, autor do
livro O Capital no Século XXI. Para alguns, um estudioso que consegue analisar
os dados e dar um novo panorama sobre a desigualdade pelo mundo. Para outros,
alguém que só está querendo, mais uma vez, reformar para manter o capitalismo
vivo.
Em uma palestra ministrada dia 28 de novembro no
campus de São Bernardo da Universidade Federal do ABC (UFABC), Piketty acredita
que sua obra consegue, com um número de dados muito maior, jogar uma nova luz
sobre o debate da desigualdade de renda.
“Hoje, existe um número de dados muito maior dos
países. Resolvi me debruçar sobre eles pois muitos economistas achavam que era
um problema muito histórico pra eles; já os historiadores acreditavam que o
problema era muito econômico”, resumiu.
Para ele, também é muito difícil saber qual a
tendência da desigualdade nos próximos anos, mas vê a desregulamentação
financeira como algo a se preocupar.
Aumento da desigualdade
A obra de Piketty analisa dados de 20 países desde
quando começaram a cobrar taxas sobre a renda.A conclusão que se chega é que a
parcela mais rica da população concentrou ainda mais renda nas últimas décadas.
“Ao contrário do que todos achavam que iria
acontecer com a desigualdade após a Segunda Guerra, ela aumentou ainda mais”,
explicou.
O caso estadunidense chama atenção. O país sempre
ficou no patamar de 33% da renda total entregue aos 10% mais ricos entre as
décadas de 50 e 80. A partir daí, então, ela disparou até chegar aos 50% em
2012, descolando-se das taxas europeias e se aproximando da brasileira.
Piketty elenca alguns fatores que fizeram a renda
ficar ainda mais concentrada: a globalização e a falta de educação de qualidade
para a maioria da população do Estados Unidos.
“Esse crescimento da desigualdade é muito maior nos
EUA do que na Alemanha e no Japão. A falta de acesso à educação de qualidade
explica essa diferença. São poucos os que chegam a faculdades de ponta como
Harvard. Mas isso só não vai acabar com o problema, é importante uma reforma na
tributação”, analisou.
Pelo que passaria essas transformações? Para ele,
acontece no mundo todo uma prática em comum que, somente se corrigida, poderia
inverter a lógica dessa centralização: a maior taxação dos ricos.
“Deveriam existir impostos mais progressivos entre
renda e capital. Maior taxação na renda e menos taxação no consumo e nos
salários. Se os mais ricos estão ganhando mais por ano, eles pagam mais naquele
ano. Se no seguinte eles ganharem menos, paguem menos”, simplificou.
Piketty ainda reforça que a renda familiar ganhou
muita importância em um capitalismo que gera mais renda para quem tem mais
dinheiro. Ele exemplifica seu ponto apontando a dificuldade de conseguir
comprar imóveis nas principais cidades do mundo.
“Quem é da classe trabalhadora e quer comprar um
imóvel em São Paulo, Londres ou Pequim somente com o salário não consegue. Na
maioria das vezes depende de outras rendas”, disse.
Governos precisam investir mais
Outra conclusão a que o estudo dos dados chega é
que o capital privado nos países é cada vez maior do que o público. Ou seja, o
investimento estatal é cada vez menor em tempos de baixo crescimento econômico,
ao contrário do que defendia Keynes.
Thomas dá o exemplo da Itália, que tem o capital
público negativo, ou seja, se vender todos os seus ativos, ainda assim o país
não consegue pagar a dívida pública. Para ele, a saída tem de ser pela via
oposta, fortalecer os gastos públicos em detrimento do pagamento de juros.
“Os programas de transferência de renda custam
muito menos do que o pagamento de juros e ainda colocam mais dinheiro dentro do
país. Há uma diferença gritante do capital público dos países nos anos de 1970
e hoje. Enquanto antigamente ele era de 50% a 60% do capital total, hoje ele
não passa de 30% e, muitas vezes, chega a zero”, criticou.
Porém, o economista deixa claro que o investimento
em política de distribuição de renda não pode ser a única preocupação dos
governos, que não devem abrir mão de oferecer serviços públicos de qualidade
como educação, transporte e saúde. “Há um limite no dinheiro”, esclarece.
Desigualdade no Brasil`
Desde o início do governo Lula em 2002, o Brasil se
orgulha de ser um dos países que mais teve sucesso no combate à pobreza e à
concentração de renda. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD), a riqueza concentrada na mão dos 10% mais ricos no país caiu
de 50% para 45% entre 2007 e 2013.
No último ano do primeiro mandato de Dilma, porém,
a noticia não foi boa. De acordo com o índice de Gini, divulgado no último mês
de setembro e que mede a desigualdade de renda, ela se manteve estável entre
2012 e 2013 pela primeira vez desde 2001.
O IPEA também confirmou, pela primeira vez desde
2003, que o número de miseráveis cresceu no país. Em 2012 eram de 10,08 milhões
enquanto que no ano passado ele subiu para 10,42 milhões.
O Brasil não está na lista dos 20 países em que há
dados confiáveis, de acordo com o livro de Piketty. Ele criticou a falta de
transparência da Receita Federal nos dados sobre o Imposto de Renda e o método
de fazer pesquisas domiciliares, como faz a PNAD, para chegar a conclusões
sobre a concentração de renda.
“Se pegarmos as informações fiscais a que tivemos
acesso, os números são bem maiores. Falta transparência da Receita Federal. Se
você for levar em conta só as informações da PNAD, acaba olhando só para a
renda do trabalho, virando as costas para a renda dos mais ricos, que estão
concentradas em imóveis e ações”, explicou.
Piketty reforça o que foi feito no Brasil nos
últimos anos, como a valorização real do salário mínimo e o Bolsa Família como
positivo, mas analisa que a diminuição da pobreza não significa automaticamente
que a renda está menos desigual.
As soluções que o professor vê para o Brasil não
são diferentes do que para o resto do mundo. A taxação de renda na França, por
exemplo, pode chegar a 75% para quem recebe mais de 1 milhão de euros por ano.
No Brasil, a maior faixa do IR cobra 27,5%.
Isso significaria que o país poderia aumentar a
arrecadação mesmo reduzindo impostos dos mais pobres, se criasse faixas
superiores de cobrança. O problema da progressividade nos impostos também está
na taxa cobrada sobre as heranças, segundo Piketty.
“A maior alíquota do Imposto de Renda no Brasil
está em um patamar considerado baixo para os padrões mundiais, muito próxima da
menor nos Estados Unidos. Precisa se criar uma faixa para quem ganha R$ 500
mil, R$ 600 mil, R$ 1 milhão por ano. Também tem o imposto sobre herança no
Brasil, que é ridiculamente baixo. Na Alemanha, cobra-se 40%; nos Estados
Unidos, cobra-se 40% e aqui, não passa de 4%. É preciso se discutir isso
urgentemente”, finalizou.
Fonte: Brasil de Fato
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