sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Sri Lanka elege o bom desconhecido e não o mau conhecido.
por Kanya D’Almeida, da IPS
Cansada da pobreza, do desemprego e das promessas não cumpridas, a maioria tamil da província do Norte do Sri Lanka votou pelo candidato de oposição Sirisena nas eleições presidenciais. Foto: Amantha Perera/IPS.

Colombo, Sri Lanka, 13/1/2015 – Quando os resultados iniciais das eleições presidenciais do Sri Lanka começaram a chegar, na madrugada do dia 9, não estava claro em quem havia votado a maioria dos 15 milhões de eleitores habilitados. O presidente Mahinda Rajapaksa foi reeleito? O desejo de mudança deu a vitória ao candidato único da oposição, Maithripala Sirisena?

O resultado das eleições do dia 8 foi renhido no começo, já que o grosso da população cingalesa, que representa quase 80% do total do país, votou a favor de Rajapaksa e sua Aliança Unida para a Liberdade do Povo, nos distritos do sul e central de Hambantota e Ratnapura. Mas, quando começou a contagem dos votos das províncias do Norte e Leste, de maioria tamil e muçulmana, ficou claro que o resultado não seria uma repetição das eleições presidenciais de 2010.

Simbolizada por um cisne, a “coalizão arco-íris” da Frente Democrática Nacional arrasou nas 12 divisões eleitorais do setentrional distrito de Jaffna, com 253.574 votos, ou 74,42% do eleitorado majoritariamente tamil. Os eleitores tamis e muçulmanos representam 15% e 9% da população deste país, respectivamente.

Pouco depois, o já ex-presidente aceitou a derrota e o novo líder, Sirisena, seu aliado até novembro e que obteve mais de 52% dos votos, começou a se preparar para fazer o juramento na Praça da Independência, em Colombo, no dia 9. Venceu o “anjo por se conhecer” em lugar do “diabo conhecido”, como o derrotado Rajapaksa qualificou as opções entre as quais o eleitorado deveria escolher.

Ambos são oriundos de comunidades rurais cingalesas e suas campanhas se basearam em grande parte em uma plataforma de promessas dirigidas à população deste grupo étnico, mas os especialistas asseguram que foram as minorias que decidiram esta eleição.

“Parece que este ano o povo tamil optou pela mudança”, opinou o Dr. Jeyasingham, professor da Universidade do Leste de Sri Lanka, em Batticaloa. “As pessoas do norte e do leste votaram cedo. 

Esse sempre foi um sinal de que a mudança está no ar”, ressaltou. “O voto das minorias foi decisivo para este presidente. Os tamis e os muçulmanos são uma parte importante desse sistema democrático e tinham muitas queixas que justificava o voto contra o governo atual”, acrescentou.

Desde que chegou ao poder em 2005, Rajapaksa teve forte apoio popular, reforçado pela decisiva derrota do separatista Tigres para a Libertação da Pátria Tamil Eelam (LTTE), em maio de 2009, que pôs fim a quase 26 anos de guerra civil. Também consolidou sua posição com a nomeação para destacados postos políticos de membros de seu entorno familiar. Seus três irmãos eram ministro de Desenvolvimento Econômico, secretário de Defesa e presidente do Parlamento. Além disso, realizou ambiciosos projetos de infraestrutura, como a construção de rodovias e a reconstrução da ferrovia que une o sul do país ao norte.

Mas os especialistas asseguram que descuidou de assuntos cruciais e não cumpriu várias promessas feitas à população tamil, como maior autonomia política, início de um processo de reconciliação após o conflito armado e a independência de instituições democráticas como o parlamento e o poder judiciário.

Diante de Sirisena, um rival surpresa que até há pouco era seu ministro da Saúde e secretário do partido do agora ex-presidente, Rajapaksa usou novamente o discurso da “derrota do terrorismo” que o caracterizou após a guerra e que é considerado seu maior legado.

Mas, paradoxalmente, o último prego em seu ataúde político foi a falta de esforços de reconciliação com a população do norte e do leste do país, que sofreu a pior parte das etapas finais da guerra pela qual tanto o governo como o LTTE são acusados de crimes de guerra.

“O último governo falhou com relação à reconciliação verdadeira”, afirmou Pakiasothy Saravanamuttu, diretor do Centro para as Políticas Alternativas (CPA), com sede em Colombo. O governo “participou da tomada de terras no Norte, envolveu o exército na economia, desde a compra e venda de verduras até a administração de hotéis, e violou os direitos humanos impunemente”, ressaltou.

Milhares de pessoas no norte e no leste ainda sofrem o trauma da guerra e muitos se queixam de que nunca houve um reconhecimento formal do sofrimento dos civis em uma batalha que causou entre oito mil e 40 mil mortes. À população do norte “nem mesmo foi permitido velar seus parentes e amigos”, denunciou Jeyasingham. “Foram demolidos cemitérios inteiros. Todas estas são coisas que as pessoas mantiveram em seu interior, mas não elevaram sua voz por causa da repressão estatal, acrescentou.

Embora os comunicados oficiais se orgulhem da rápida reabilitação e do desenvolvimento no que fora a zona de combate, a população local a duras penas conseguia alimentar-se três vezes ao dia. 

O desemprego na província do Norte é de 5,2%, e a maior taxa da ilha é registrada no distrito de Kilinochchi, com 7,9%. A pobreza também está generalizada. Segundo dados oficiais chega a 28,8% no distrito de Mullaitivu, quatro vezes mais do que a taxa nacional de 6,7%.

“Até os funcionários públicos lutam para sobreviver com seu salário mensal básico. Parece que quase todos votaram contra o governo”, destacou Jeyasingham. Neste contexto, muitos sentiram que foi de mau gosto o chamado de Rajapaksa para que os eleitores tamis no norte elegessem “o mau conhecido” ao invés do “bom por conhecer”.

Nas zonas de maioria muçulmana também foi evidente a inclinação das minorias. Muitos temeram pelo futuro da pluralidade religiosa e étnica no país após uma série de ataques violentos contra as comunidades muçulmanas no último ano, entre eles distúrbios na cidade de Aluthagama, no sul, que deixaram saldo de oito mortos, 80 feridos e vários comércios queimados por turbas cingalesas.

O governo reagiu com o que alguns consideram indiferença diante de uma série de atentados contra negócios muçulmanos, enquanto a tolerância com a organização budista de linha dura Bodu Bala Sena, que as autoridades acreditam ser uma fonte de tensão entre as religiões, afastou muitos muçulmanos do governo de Rajapaksa.

Resta saber o que fará o novo presidente diante da grande participação eleitoral nas províncias do Norte e Leste. O programa de trabalho que Sirisena promete cumprir em seus primeiros cem dias de governo inclui a igualdade e o fim da intolerância religiosa, explicou Saravanamuttu, mas alguns analistas políticos temem que possa renegar esse compromisso e, em troca, atender o voto cingalês.


Fonte: ENVOLVERDE

Nenhum comentário:

Postar um comentário