Sri Lanka elege o bom
desconhecido e não o mau conhecido.
por Kanya
D’Almeida, da IPS
Cansada da pobreza, do desemprego e das promessas
não cumpridas, a maioria tamil da província do Norte do Sri Lanka votou pelo
candidato de oposição Sirisena nas eleições presidenciais. Foto: Amantha
Perera/IPS.
Colombo, Sri Lanka, 13/1/2015 – Quando os
resultados iniciais das eleições presidenciais do Sri Lanka começaram a chegar,
na madrugada do dia 9, não estava claro em quem havia votado a maioria dos 15
milhões de eleitores habilitados. O presidente Mahinda Rajapaksa foi reeleito?
O desejo de mudança deu a vitória ao candidato único da oposição, Maithripala
Sirisena?
O resultado das eleições do dia 8 foi renhido no
começo, já que o grosso da população cingalesa, que representa quase 80% do
total do país, votou a favor de Rajapaksa e sua Aliança Unida para a Liberdade
do Povo, nos distritos do sul e central de Hambantota e Ratnapura. Mas, quando
começou a contagem dos votos das províncias do Norte e Leste, de maioria tamil
e muçulmana, ficou claro que o resultado não seria uma repetição das eleições
presidenciais de 2010.
Simbolizada por um cisne, a “coalizão arco-íris” da
Frente Democrática Nacional arrasou nas 12 divisões eleitorais do setentrional
distrito de Jaffna, com 253.574 votos, ou 74,42% do eleitorado majoritariamente
tamil. Os eleitores tamis e muçulmanos representam 15% e 9% da população deste
país, respectivamente.
Pouco depois, o já ex-presidente aceitou a derrota
e o novo líder, Sirisena, seu aliado até novembro e que obteve mais de 52% dos
votos, começou a se preparar para fazer o juramento na Praça da Independência,
em Colombo, no dia 9. Venceu o “anjo por se conhecer” em lugar do “diabo
conhecido”, como o derrotado Rajapaksa qualificou as opções entre as quais o
eleitorado deveria escolher.
Ambos são oriundos de comunidades rurais cingalesas
e suas campanhas se basearam em grande parte em uma plataforma de promessas
dirigidas à população deste grupo étnico, mas os especialistas asseguram que
foram as minorias que decidiram esta eleição.
“Parece que este ano o povo tamil optou pela
mudança”, opinou o Dr. Jeyasingham, professor da Universidade do Leste de Sri
Lanka, em Batticaloa. “As pessoas do norte e do leste votaram cedo.
Esse sempre
foi um sinal de que a mudança está no ar”, ressaltou. “O voto das minorias foi
decisivo para este presidente. Os tamis e os muçulmanos são uma parte
importante desse sistema democrático e tinham muitas queixas que justificava o
voto contra o governo atual”, acrescentou.
Desde que chegou ao poder em 2005, Rajapaksa teve
forte apoio popular, reforçado pela decisiva derrota do separatista Tigres para
a Libertação da Pátria Tamil Eelam (LTTE), em maio de 2009, que pôs fim a quase
26 anos de guerra civil. Também consolidou sua posição com a nomeação para
destacados postos políticos de membros de seu entorno familiar. Seus três
irmãos eram ministro de Desenvolvimento Econômico, secretário de Defesa e
presidente do Parlamento. Além disso, realizou ambiciosos projetos de
infraestrutura, como a construção de rodovias e a reconstrução da ferrovia que
une o sul do país ao norte.
Mas os especialistas asseguram que descuidou de
assuntos cruciais e não cumpriu várias promessas feitas à população tamil, como
maior autonomia política, início de um processo de reconciliação após o
conflito armado e a independência de instituições democráticas como o
parlamento e o poder judiciário.
Diante de Sirisena, um rival surpresa que até há
pouco era seu ministro da Saúde e secretário do partido do agora ex-presidente,
Rajapaksa usou novamente o discurso da “derrota do terrorismo” que o
caracterizou após a guerra e que é considerado seu maior legado.
Mas, paradoxalmente, o último prego em seu ataúde
político foi a falta de esforços de reconciliação com a população do norte e do
leste do país, que sofreu a pior parte das etapas finais da guerra pela qual
tanto o governo como o LTTE são acusados de crimes de guerra.
“O último governo falhou com relação à
reconciliação verdadeira”, afirmou Pakiasothy Saravanamuttu, diretor do Centro
para as Políticas Alternativas (CPA), com sede em Colombo. O governo
“participou da tomada de terras no Norte, envolveu o exército na economia,
desde a compra e venda de verduras até a administração de hotéis, e violou os
direitos humanos impunemente”, ressaltou.
Milhares de pessoas no norte e no leste ainda
sofrem o trauma da guerra e muitos se queixam de que nunca houve um
reconhecimento formal do sofrimento dos civis em uma batalha que causou entre
oito mil e 40 mil mortes. À população do norte “nem mesmo foi permitido velar
seus parentes e amigos”, denunciou Jeyasingham. “Foram demolidos cemitérios
inteiros. Todas estas são coisas que as pessoas mantiveram em seu interior, mas
não elevaram sua voz por causa da repressão estatal, acrescentou.
Embora os comunicados oficiais se orgulhem da
rápida reabilitação e do desenvolvimento no que fora a zona de combate, a
população local a duras penas conseguia alimentar-se três vezes ao dia.
O
desemprego na província do Norte é de 5,2%, e a maior taxa da ilha é registrada
no distrito de Kilinochchi, com 7,9%. A pobreza também está generalizada.
Segundo dados oficiais chega a 28,8% no distrito de Mullaitivu, quatro vezes
mais do que a taxa nacional de 6,7%.
“Até os funcionários públicos lutam para sobreviver
com seu salário mensal básico. Parece que quase todos votaram contra o
governo”, destacou Jeyasingham. Neste contexto, muitos sentiram que foi de mau
gosto o chamado de Rajapaksa para que os eleitores tamis no norte elegessem “o
mau conhecido” ao invés do “bom por conhecer”.
Nas zonas de maioria muçulmana também foi evidente
a inclinação das minorias. Muitos temeram pelo futuro da pluralidade religiosa
e étnica no país após uma série de ataques violentos contra as comunidades
muçulmanas no último ano, entre eles distúrbios na cidade de Aluthagama, no
sul, que deixaram saldo de oito mortos, 80 feridos e vários comércios queimados
por turbas cingalesas.
O governo reagiu com o que alguns consideram
indiferença diante de uma série de atentados contra negócios muçulmanos,
enquanto a tolerância com a organização budista de linha dura Bodu Bala Sena,
que as autoridades acreditam ser uma fonte de tensão entre as religiões,
afastou muitos muçulmanos do governo de Rajapaksa.
Resta saber o que fará o novo presidente diante da
grande participação eleitoral nas províncias do Norte e Leste. O programa de
trabalho que Sirisena promete cumprir em seus primeiros cem dias de governo
inclui a igualdade e o fim da intolerância religiosa, explicou Saravanamuttu,
mas alguns analistas políticos temem que possa renegar esse compromisso e, em
troca, atender o voto cingalês.
Fonte: ENVOLVERDE
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