Diariamente, 600 milhões de
litros de esgoto são despejados na Bacia do Paraíba do Sul. Entrevista com
Maria Isabel Rocha.
“O grande impacto ambiental é que muitos
municípios utilizam a água deste rio como fonte de abastecimento”, diz a
bióloga.
Foto: Blog Nicho Local
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Um dos principais rios do sudoeste brasileiro, o Paraíba
do Sul também vem sofrendo com as ações do homem. Ao mesmo tempo que
origina 10% do PIB nacional e abastece cidades de Minas Gerais, São Paulo e Rio
de Janeiro, sua bacia recebe em troca desde esgoto doméstico
sem tratamento até dejetos de indústrias e resíduos tanto da agricultura
como da pecuária.
Foi a partir dessa problemática que a bióloga e
professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) Maria
Isabel Rocha resolveu estudar os efeitos de toda essa poluição
na água.
A resposta do Paraíba do Sul não
poderia ser outra: a proliferação da cianobactéria. A grande incidência do
micro-organismo é um indicativo de que o ecossistema local não anda bem. Além
de afetar todas as demais formas de vida que dependem do rio, ainda pode causar
danos hepáticos, neurológicos ou dérmicos ao homem.
E com toda a crise hídrica que
vive o sudoeste brasileiro, em especial o estado de São Paulo, o homem vê mais
uma vez no Paraíba uma alternativa. Os três estados assinaram
um termo de cooperação para transposição do rio, elevando assim o volume de
água do Sistema Cantareira.
Para Maria
Isabel, mais um sinal de alerta. A escassez de recursos
hídricos vivida hoje em São Paulo pode ser ainda maior em todo o
sudoeste se o Paraíba do Sul não for respeitado. “A
transposição é arriscada. Para isso, deve ser feita com extrema cautela, já que
muitos municípios, inclusive paulistas, necessitam das águas do Paraíba
do Sul como fonte de abastecimento”, destaca em entrevista por e-mail
à IHU On-Line. Para a bióloga, a saída passa por uma
preocupação e investimento maior dos municípios em tratamento de esgoto.
Lembra, ainda, que nem mesmo todo o recurso gerado com o turismo da cidade de
Aparecida, em São Paulo, onde pescadores resgataram a imagem de Nossa
Senhora Aparecida, é revertido em investimentos no tratamento
de esgoto.
Maria Isabel Rocha é bióloga,
com mestrado e doutorado pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro,
onde também atua como professora dos cursos de Ciências Ambientais e
licenciatura em Ciências da Natureza. Tem experiência na área de Limnologia,
com ênfase em comunidades planctônicas e dinâmica de nutrientes. Na sua tese de
doutorado, deteve-se em estudar a qualidade da água na bacia do Rio
Paraíba do Sul.
Confira a entrevista.
Foto: Jornal Folha de S.Paulo
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IHU On-Line – Quais são as causas da
poluição do Rio Paraíba do Sul? É possível estimar que percentual de esgoto
doméstico contribui para a poluição do rio atualmente?
Maria Isabel Rocha - As
principais causas da poluição no Rio Paraíba do Sul são as
atividades agropecuárias, bastante intensas na região, e o esgoto
doméstico. As indústrias também contribuem com a perda da
qualidade da água, porém alguma parcela deste setor possui tratamento de
efluentes antes de lançá-los ao rio, o que minimiza a situação, apesar do risco
de desastres como o rompimento de barragens.
Alguns estudos estimam que cerca de 90% da carga
poluidora no Rio Paraíba do Sul é oriunda de esgoto doméstico.
Como a agricultura é uma fonte difusa de poluição e, na maioria dos casos,
também a pecuária, torna-se difícil estimar a carga poluidora dessas atividades
que contribuem para a deterioração da qualidade da água do rio.
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“Alguns estudos estimam que cerca de 90% da carga poluidora no Rio Paraíba do Sul é oriunda de esgoto doméstico” |
IHU On-Line – Dos três estados banhados
pelo Rio Paraíba do Sul (Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais), onde está o
maior foco de poluição por esgoto doméstico?
Maria Isabel Rocha - O meu
trabalho foi focado no Vale do Paraíba Paulista. Estudos
anteriores demonstraram que a população atendida por saneamento básico era de,
aproximadamente, 75% no trecho paulista, 55% no trecho fluminense e 42% no
trecho mineiro. No entanto, a bacia do Paraíba do Sul no
estado do Rio de Janeiro é a que apresenta maior densidade populacional. No
trecho paulista do rio, posso dizer que a carga poluidora por esgoto doméstico
é forte, visto que passa por vários municípios que não possuem qualquer tipo de
tratamento de esgoto e também, em alguns deles, a coleta de esgoto é precária.
IHU On-Line – Desde 2003, aconteceram
pelo menos cinco grandes desastres com derramamento de poluentes em território
fluminense. Essa é a região que mais sofre com os efeitos da poluição? Por quais
razões?
Maria Isabel Rocha - A região
fluminense é a que concentra o maior número de indústrias. Até mesmo porque o
rio corre por toda a extensão do estado do Rio de Janeiro. As regiões do médio
e baixo Paraíba concentram usinas de grande porte. Mesmo que o acidente
aconteça em municípios mineiros ou paulistas, fatalmente o estado do Rio de
Janeiro sofrerá mais a ação dos poluentes, visto que é o
trecho de maior extensão (21 mil Km2) e onde, por fim, o rio irá
desaguar.
IHU On-Line – Em sua tese de doutorado,
apresenta o problema da proliferação da cianobactéria em período de estiagem —
e em função da grande carga de esgoto. Em que consiste essa proliferação da
cianobactéria? Pode detalhar mais os efeitos dessa contaminação nas pessoas que
vivem nas margens?
Maria Isabel Rocha - A proliferação
de cianobactérias ocorre, principalmente, por causa do excesso de
material orgânico e nutrientes (em especial fósforo e nitrogênio). Isso ocorre
pela ausência de tratamento de esgoto adequado, uso excessivo
de fertilizantes na agricultura, escoamento de dejetos
orgânicos de criação de gado, suíno, frangos, etc. Associado a
isso é necessário também luminosidade adequada, temperatura da água elevada e
coluna d’água estável, condições que geralmente ocorrem em áreas com barragens
para a formação de reservatórios de água. Isso também pode ocorrer em rios,
quando em longos períodos de estiagem, formando algumas áreas de remanso.
As cianobactérias podem ser
tóxicas, mas é necessária uma análise mais detalhada para afirmarmos que
determinada proliferação (ou floração) é efetivamente tóxica. Os efeitos em
humanos podem ser, primariamente, danos hepáticos, neurológicos ou dérmicos,
dependendo do modo de ação da toxina.
IHU On-Line – E os efeitos nas espécies
de peixes que vivem no rio, como se dá? Há impacto na diminuição do volume de
pescado?
Maria Isabel Rocha - A
diminuição no volume de pescado poderá ocorrer, uma vez que, com a proliferação
das cianobactérias, há redução na diversidade de organismos.
Assim, afeta a cadeia alimentar como um todo. Além disso, com a potencialidade
na produção de toxinas por esses organismos, existe o risco de algumas espécies
serem contaminadas.
IHU On-Line – Quais são as demais
implicações ambientais da poluição do Rio Paraíba do Sul?
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“Estimando-se que cerca de 10% do PIB nacional é proveniente da bacia do Paraíba do Sul” |
Maria Isabel Rocha - O grande
impacto ambiental na bacia do Paraíba do Sul é que muitos
municípios utilizam a água deste rio como fonte de abastecimento. Inclusive, o
município do Rio de Janeiro utiliza em grande parte de seu sistema de
abastecimento águas do Rio Paraíba do Sul através de um
sistema de transposição de suas águas; além de todo o aspecto histórico do rio,
como importante via e formação de cidades durante o ciclo do ouro, do café e da
cana-de-açúcar. Passa por três estados de grande importância para o país,
estimando-se que cerca de 10% do PIB nacional é proveniente da bacia do
Paraíba do Sul.
IHU On-Line – A indústria também é outro
grande agente poluidor. Empresas chegaram a assinar Termos de Ajustamento de
Conduta para ações de compensações, mas não há informações sobre as ações
desenvolvidas. Gostaria que falasse sobre a relação da indústria da região com
o Rio.
Maria Isabel Rocha - Para o
setor industrial existem legislações mais rigorosas. Porém, as ações
desenvolvidas são muitas vezes pequenas e locais, frente ao que efetivamente
poderia ser feito.
IHU On-Line – Há desenvolvimento de
agricultura e pecuária nas margens do Rio Paraíba do Sul? É possível estimar
que uso fazem do rio?
Maria Isabel Rocha - A
estimativa das atividades de agricultura e pecuária
é difícil de ser feita porque são fontes difusas de poluição. Porém, existem estudos
que indicam, por exemplo, que do total de nitrogênio constante em fertilizantes
aplicados no solo, apenas de 10% a 30% é utilizado efetivamente para a
agricultura. O restante retorna à atmosfera ou é perdido para o ambiente,
podendo atingir os corpos de água. Isso contribui bastante para o excesso de
nutrientes na água, que culminam com a proliferação de cianobactérias.
IHU On-Line – É possível estimar quanto
se gasta com o tratamento da água do Paraíba do Sul e o quanto poderia ser
economizado se houvesse um tratamento de esgoto mais eficiente? E em que
consistiria um tratamento eficiente? Quais são as tecnologias existentes para
isso atualmente?
Maria Isabel Rocha - Não tenho
bases para estimar o quanto se gasta com o tratamento de água.
Mas posso afirmar que o tratamento de esgoto mais eficiente
para se evitar situações como a proliferação de cianobactérias
é o tratamento terciário. Desta forma, os nutrientes que estão em excesso
seriam removidos, bem como os patógenos presentes no esgoto. Porém, esse tipo
de tratamento é muito oneroso. No Brasil, as estações de tratamento de esgoto
são primárias ou secundárias, o que reduz uma parte do potencial poluidor, mas
não remove esses compostos, os patógenos ou resíduos de medicamentos e seus
metabólitos.
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“A transposição é arriscada. Para isso, deve ser feita com extrema cautela, já que muitos municípios necessitam das águas do Paraíba do Sul como fonte de abastecimento” |
IHU On-Line – Por conta da crise hídrica
de São Paulo, os governos de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo assinaram
um acordo para a transposição do Rio Paraíba do Sul para o sistema Cantareira.
Como avalia essa transposição? Ela é adequada para resolver os problemas de
abastecimento em São Paulo ou poderá trazer outras implicações ambientais e
sociais para os demais estados?
Maria Isabel Rocha - Em minha
opinião, a transposição é arriscada.
Para isso, deve ser feita com extrema cautela, já que muitos municípios,
inclusive paulistas, necessitam das águas do Paraíba do Sul
como fonte de abastecimento. Se em eventos de seca a vazão do rio for reduzida
ainda mais, os reservatórios atingirão um nível extremamente baixo e a
proliferação de cianobactérias tende a ser bastante rigorosa,
como está acontecendo neste momento com o Reservatório do Funil,
na divisa de SP e RJ. Além disso, o Rio Paraíba do Sul é a
principal fonte de abastecimento de cerca de 14 milhões de pessoas no Rio de
Janeiro, sendo que o estado não possui outra fonte de abastecimento desta
magnitude para essa demanda populacional.
IHU On-Line – O Rio Paraíba do Sul é um
dos pontos turísticos do município de Aparecida, em São Paulo. A relação com o
rio se dá muito em função do surgimento da imagem de Nossa Senhora Aparecida,
misturando fé e turismo. Com essa relação “mais estreita” da cidade com o
Paraíba, pode-se dizer que ali há uma preocupação maior com a preservação? Por
quê?
Maria Isabel Rocha - A área do
rio onde a imagem foi encontrada é um ponto turístico da região e a preocupação
com a qualidade da água deveria ser uma das prioridades. Infelizmente não é o
que acontece com o município de Aparecida, que não possui tratamento de esgoto.
E a cidade recebe uma grande quantidade de turistas, principalmente no período
de setembro a novembro, por ocasião das festividades.
IHU On-Line – Que outros aspectos
relevantes foram descobertos na sua pesquisa? Pode detalhar um pouco mais as
descobertas que chamaram sua atenção?
Maria Isabel Rocha - Minha
pesquisa teve como foco principal a excessiva densidade populacional das cianobactérias
no Reservatório do Funil e suas causas. Para isso, pesquisei a
bacia do Paraíba do Sul em trecho a partir deste local, ou
seja, no Vale do Paraíba Paulista.
Além dos dados censitários
de indústria, agricultura, pecuária e saneamento, observamos que existe um
aumento em atividades mineradoras nesta região. Isso pode provocar danos, como
aumento da acidez nas águas, por exemplo, o que afeta diretamente os organismos
lá presentes. A maior parte do uso do solo no Vale é constituída de grandes
áreas de pasto, seguida de plantações de eucalipto, que vem aumentando
consideravelmente ao longo dos anos. Isso provoca certo esgotamento do
solo, e como os compartimentos solo, ar e água são interligados,
qualquer atividade na bacia hidrográfica culmina com a entrada
de elementos e compostos no corpo hídrico.
Isso acaba levando à perda das condições originais. Além disso, não há como
falar em crise hídrica e não mencionar os desmatamentos,
já que a ausência de árvores prejudica o processo de evaporação e umidade
regional, alterando todo o ciclo hídrico.
Fonte: IHU On-line
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