O jornalismo depois do atentado a
Charlie Hebdo.
por D.
McKenzie, da IPS
“A guerra contra os fundamentalistas não
funcionará”, afirmou o ensaísta canadense John Ralston Saul, na conferência O
Jornalismo Depois de Charlie, realizada em Paris. Foto: Jillian
Kestler-D’Amours/IPS.
Paris, França, 19/1/2015 – Em razão do atentado
contra o semanário francês Charlie Hebdo, no dia 7 deste mês, que deixou
12 mortos, a França e outros países travam uma acesa batalha no campo da
opinião sobre a liberdade de expressão e os direitos dos meios de comunicação e
da população.
De um lado estão aqueles para os quais a liberdade
de expressão é um direito humano intrínseco e um pilar da democracia, e do
outro há os representantes de toda uma gama de pontos de vista, que inclui a
opinião de que a liberdade de imprensa implica responsabilidade para todos os
setores da sociedade.
“Fico preocupado quando se fala que estamos em um
estado de guerra”, afirmou o canadense John Ralston Saul, presidente do grupo
de escritores PEN Internacional, que participou da conferência O Jornalismo
Depois de Charlie, realizada no dia 14, em Paris, pela Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
“A guerra contra os fundamentalistas não
funcionará”, assegurou o ensaísta e novelista, argumentando que a educação
sobre a liberdade de expressão deve começar em uma idade precoce para que as
pessoas saibam que “é preciso ter uma pele grossa” para viver em democracia.
O PEN Internacional, que promove a literatura, a
liberdade de expressão e defende os “escritores silenciados em seus próprios
países”, condenou energicamente o ataque contra a Charlie Hebdo, mas
esta organização também se preocupa com a reação política diante desse fato
violento. O grupo apelou aos governos para que “cumpram seus compromissos com a
livre expressão e se abstenham de limitar ainda mais a liberdade por meio da
expansão da vigilância”.
No ataque do dia 7, dois homens armados e
encapuzados invadiram os escritórios da Charlie Hebdo durante uma
reunião de pauta e mataram cartunistas, outros empregados do semanário, um
visitante e dois policiais. Dois dias depois, os assassinos morreram em um
enfrentamento com a polícia, após intensa perseguição.
Nos dias 8 e 9, ocorreram mais dois casos de
violência. Um homem armado matou uma agente da polícia municipal e depois fez
vários reféns em um supermercado kosher, onde, segundo a polícia, ele
assassinou quatro pessoas antes de ser morto pelas forças policiais.
A Charlie Hebdo recebeu várias ameaças desde
que reproduziu as polêmicas caricaturas do profeta Maomé, publicadas
originalmente pelo jornal dinamarquês Jyllands-Posten em 2005. Em 2011,
seus escritórios foram atacados com bombas incendiárias após uma edição que
alguns grupos consideraram ofensiva e provocadora.
Vários de seus críticos acusaram a revista de
islamofobia e racismo, enquanto os cartunistas defenderam seu direito de
satirizar seus personagens, entre eles líderes religiosos e políticos. Antes do
atentado deste mês, a circulação da revista estava em queda, mas agora a
publicação recebeu um forte apoio moral e financeiro.
Mais de três milhões de pessoas de diferentes
etnias e religiões marcharam, no dia 11, em Paris e outras cidades, em apoio à
liberdade de expressão, entre eles cerca de 40 mandatários de todo o mundo que
se reuniram aos representantes do governo francês.
Mas nessa manifestação também havia funcionários de
muitos países que “limitam a liberdade de expressão”, segundo o PEN
Internacional e outros grupos. Entre esses limites estão “assassinatos,
violência e prisão de escritores. Quando esses líderes estão em seu país,
integram administrações que são graves infratoras” nesse sentido, afirmou a
organização.
Nos últimos 14 anos, o PEN Internacional observou
uma “redução na liberdade de expressão nos países ocidentais, não só dos escritores
e jornalistas, mas dos cidadãos” em geral, afirmou Saul, ressaltando que o
principal problema é a impunidade.
Embora todos condenassem o ataque à Charlie
Hebdo, alguns dos participantes da conferência da Unesco argumentaram que
os meios de comunicação devem atuar de maneira mais responsável, sobretudo
quanto à representação das minorias ou comunidades marginalizadas.
Enquanto aconteciam os debates, no dia 14, saía a
edição mais recente do semanário satírico, com a imagem de um Maomé choroso na
capa, desta vez segurando um cartaz onde se lê “Je Suis Charlie” e com a
legenda “Tudo Está Perdoado”.
“Os meios de comunicação devem se moderar e se
abster da promoção de estereótipos”, disse a senadora francesa Bariza Khiari,
em um segmento da conferência chamado Diálogo Intercultural e Sociedades
Fragmentadas. A senadora declarou à IPS que a maioria dos seguidores do Islã é
de “mulçumanos discretos”, que reservam a religião para si mesmos e respeitam
os valores de laicidade dos países onde vivem. “Mas temos que reconhecer a
existência e a importância da religião, desde que a religião não dite a lei”,
pontuou.
Khiari acrescentou que a radicalização de alguns
jovens franceses se explica pelas dificuldades e pela humilhação que sofrem
diariamente na França, com islamofobia, falta de trabalho e detenções
policiais. Ela espera que os jovens e os meios de comunicação reflitam sobre o
ocorrido e extraiam algumas lições que permitam avanços positivos.
Annick Girardin, secretária de Estado para o
Desenvolvimento da Francofonia, apontou que a democracia implica que todos os
jornais, além de sua crença ou inclinação política, possam ser publicados na
França, e que as pessoas tenham acesso às vias legais. Mas reconheceu que se
fracassou na integração de todos os habitantes da sociedade francesa.
Em entrevista à IPS, a diretora-geral da Unesco,
Irina Bokova, se referiu à proteção dos jornalistas. “Agora é a hora” de as
Nações Unidas, e em particular a Unesco, “não só reafirmarem nosso compromisso
com a liberdade de expressão”, mas de considerarem outras iniciativas, afirmou.
“Algo que provavelmente não seja muito conhecido do
público em geral é que estamos constantemente em contato com os governos nesses
casos” de ataques a jornalistas, “para recordar suas responsabilidades e pedir
que informem sobre as medidas de acompanhamento. Vimos que cada vez mais
governos levam isto a sério”, disse Bokova.
Junto a jornalistas e caricaturistas, a conferência
da Unesco incluiu representantes judeus, muçulmanos e cristãos que pediram ao Estado
que faça mais para educar os jovens sobre a coexistência dos valores laicos e
religiosos e das formas de convivência em uma sociedade cada vez mais diversa.
“A ignorância é a maior arma de destruição em
massa, e se a ignorância é o problema, então a educação é a resposta”,
enfatizou Nasser David Khalili, um erudito e filantropo de origem iraquiana que
vive em Londres.
Fonte: ENVOLVERDE
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