Lixo da indústria de alimentos
pode virar energia limpa.
Pesquisadores do Cempeqc/Unesp desenvolvem metodologia para produzir
hidrogênio a partir de águas residuárias do beneficiamento da laranja (fotos:
divulgação e Wikimedia).
Por Karina Toledo
Agência FAPESP – Pesquisadores da
Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara (SP) estudam a viabilidade
de usar a água residuária da indústria de suco de laranja para produzir
hidrogênio – uma fonte de energia renovável, inesgotável e não poluente.
A pesquisa, apoiada pela FAPESP, está em andamento no Centro de
Monitoramento e Pesquisa da Qualidade de Combustíveis, Biocombustíveis,
Petróleo e Derivados (Cempeqc) do Instituto de Química da Unesp.
“A vantagem de produzir hidrogênio a partir de
águas residuárias é aproveitar, de maneira sustentável, uma fonte de carbono
que hoje está sendo descartada”, argumentou Sandra Imaculada Maintinguer,
pesquisadora do Cempeqc.
De acordo com a pesquisadora, a proposta é
reaproveitar a energia gerada localmente, na própria indústria, para abastecer
as bombas dos sistemas de tratamento biológico, por exemplo.
“O método poderia beneficiar não apenas o setor
citrícola, como o sucroalcoleiro, indústrias de refrigerantes, cervejas e de
outros alimentos”, afirmou Maintinguer.
O hidrogênio, explicou a pesquisadora, é quase
três vezes mais energético que os hidrocarbonetos e que o metano e quatro vezes
mais que o etanol. No entanto, em razão do custo ainda elevado de armazenamento
e transporte, seria inviável usar o gás, por exemplo, para substituir a energia
hidrelétrica – ainda muito barata no Brasil.
O grupo de pesquisadores do Cempeqc está
estudando três diferentes resíduos do beneficiamento da laranja cedidos por uma
empresa situada em Matão (SP): o melaço, a vinhaça e a água residuária.
Embora o melaço e a vinhaça apresentem
concentrações mais elevadas de açúcares (40 a 150 g glicose/L), testes
preliminares sugerem que a água residuária (12g glicose/L) é a mais indicada
para a produção biológica de hidrogênio.
“Quando a concentração de substrato é muito
elevada, pode ocorrer a inibição do crescimento dos microrganismos que quebram
os açúcares em moléculas menores, como ácidos orgânicos e hidrogênio. Existe
uma faixa ideal, que parece ser a da água residuária”, disse Maintinguer.
Além da glicose, os pesquisadores também
encontraram outras fontes de carbono na água residuária, como frutose e ácidos
orgânicos, além de impurezas como óleos e detergentes usados no processo
industrial.
“Fizemos os testes usando a água residuária com
todas as impurezas e, mesmo assim, os resultados foram muito promissores.
Conseguimos transformar cerca de 65% desse resíduo em hidrogênio.
Como os
microrganismos usam os nutrientes para crescer e se multiplicar em primeiro
lugar, a produção nunca chega a 100%”, explicou a pesquisadora.
Arqueas metanogênicas
Os ensaios, em escala de bancada, foram feitos em
reatores anaeróbios (frascos de vidro hermeticamente fechados), para evitar que
o contato com o oxigênio inibisse a produção da enzima hidrogenase,
extremamente importante na produção biológica de hidrogênio.
Na água residuária foi inoculado um conjunto de
microrganismos de diferentes classes coletado em sistemas de tratamento
biológico de esgotos sanitários. De acordo com a pesquisadora, o inóculo também
pode ser obtido a partir do próprio lodo formado nos sistemas biológicos de
tratamento industrial.
Porém, é necessário um pré-tratamento para
eliminar as chamadas arqueas metanogênicas, um tipo de microrganismo capaz de
consumir o hidrogênio produzido para formar metano, algo indesejável nesse
caso.
“O processo biológico anaeróbio tem várias etapas
e, em cada uma delas, atua uma classe diferente de microrganismo. Os
carboidratos são quebrados em açúcares, ácidos orgânicos, acetato, hidrogênio
e, se o processo não for interrompido, em metano”, disse a pesquisadora.
Para evitar que isso aconteça, o inóculo é
submetido a um choque térmico e o pH do meio é reduzido para 5,5. O pré-tratamento
causa a eliminação das arquéias metanogênicas, enquanto as bactérias úteis para
o processo apenas entram em estado vegetativo, voltando a se multiplicar quando
as condições se tornam favoráveis.
“É um método fácil e barato e só é necessário
fazê-lo uma vez. Depois posso reaplicar o inóculo em outra amostra quando
acabar o substrato no reator. Por enquanto, estamos usando apenas a
configuração de reator em batelada (frascos com quantidades limitadas onde a
reação ocorre até o substrato acabar e depois é preciso reabastecer). O
próximo passo é testar em um reator de fluxo contínuo”, disse Maintinguer.
Além do hidrogênio, resultam do processo alguns
ácidos graxos voláteis – como o ácido butírico e o ácido acético – também
passíveis de serem transformados em hidrogênio por bactérias
fotoheterotróficas.
“Elas consomem esses ácidos na presença da luz e
liberam mais hidrogênio, elevando assim o rendimento”, explicou a pesquisadora.
Na avaliação de Maintinguer, o Brasil tem um
grande potencial para ser referência em tecnologia do hidrogênio e é
beneficiado pelo fato de ser um país tropical, com temperaturas médias anuais
em torno de 25ºC – favorável ao desenvolvimento de bactérias.
“Em países como Holanda e Alemanha é preciso
aquecer os reatores para que o processo seja bem sucedido”, comentou.
O Ministério de Minas e Energia tem planos para
introduzir o hidrogênio na matriz energética do país até 2025, inclusive como
combustível automotivo. Uma das metas do governo brasileiro é que, após 2020,
toda a produção do gás seja obtida a partir de fontes renováveis.
Fonte: AGÊNCIA
FAPESP
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