Petróleo, espécie aquática e
invasora na capital do carnaval.
por Mario
Osava, da IPS
Edifício circular, com laboratórios e escritórios
do Cenpes, instalado em 1973 na Ilha da Cidade Universitária. Ao fundo o
Complexo de Favelas da Maré e a Floresta da Tijuca, rodeada pela cidade do Rio
de Janeiro. Foto: Mario Osava/IPS.
Rio de Janeiro, Brasil, 7/1/2015 – “Percorremos a
praia e nos defrontamos com um mar negro, cujas ondas não faziam barulho de
água, mas um ‘clac’ de mingau”. Alexandre Anderson de Souza descreve assim o
vazamento de petróleo na baía de Guanabara, no Estado do Rio de Janeiro, que o
converteu em um ativista e líder entre os pescadores artesanais. O desastre,
ocorrido em janeiro de 2000, é um marco nas agressões à baía, pela visibilidade
do impacto repentino e esmagador dos 1,3 milhão de litros de petróleo que
vazaram de um oleoduto.
Mas a pesca sobreviveu nas águas contaminadas
também pelo despejo de esgoto não tratado da Região Metropolitana do Rio de
Janeiro, embora o total de pescadores tenha diminuído em 60% desde então, para
os nove mil atuais, contou Anderson. A ameaça de sua extinção deriva
principalmente da redução do espaço pesqueiro, que há algumas décadas se
estendia por 78% da superfície da baía e hoje se limita a 12%, acrescentou.
A atividade petroleira, com suas instalações, seus
dutos e navios, ocupa 46% da área e tende a se expandir, devido ao aumento da
extração em águas profundas do Oceano Atlântico e à construção de uma segunda
refinaria perto da baía, com inauguração prevista para 2016. “A indústria do
petróleo é sinônimo de fim: fim da pesca e fim dos peixes na baía de
Guanabara”, definiu Anderson para a IPS.
Além de encurralar os pescadores, os numerosos
dutos que cruzam a baía alteram seu ambiente. O petróleo é transportado a alta
temperatura, para ficar mais fluido, enquanto o gás é bombeado muito frio,
dezenas de graus abaixo de zero. A Petrobras ocupa ilhas da baía com
instalações de regasificação do gás liquefeito e depósitos de hidrocarbonos,
todos abastecidos por oleodutos ou gasodutos.
A vida marinha também sofre os efeitos do barulho e
da vibração causados pelas toneladas de gás e petróleo bombeadas a forte
pressão. “Imagine o impacto de tudo isso no fundo do mar”, afirmou Anderson. Os
pescadores são vítimas da forte transformação econômica que vive a Região
Metropolitana do Rio de Janeiro. Mais conhecida por sua produção cultural, pelo
turismo e pelo carnaval, essa região tem sua dinâmica atual baseada no petróleo
e na indústria metalmecânica.
As reservas descobertas sob a camada de sal no
fundo do Atlântico, o pré-sal, a cerca de 300 quilômetros da costa do Rio de
Janeiro, recuperou estaleiros que estavam praticamente inativos e atraiu
grandes transnacionais de engenharia e serviços petroleiros. Além disso,
favoreceu a escolha de Itaboraí, cidade a 60 quilômetros da Região
Metropolitana e perto da margem oriental da baía de Guanabara, para a
construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), limitado no
momento a uma refinaria com capacidade para 165 mil barris diários.
Do outro lado da baía, a Petrobras tem, desde 1961,
a refinaria Duque de Caxias, que processa 242 mil barris diários, completando o
cerco petroleiro às águas da baía, em cujas margens cresceu a Região
Metropolitana, de 12 milhões de habitantes. “Com o pré-sal, o Brasil produzirá
entre 4,5 e 5,5 milhões de barris diários nos próximos 20 anos e poderá
exportar outros dois milhões, se convertendo em grande exportador de petróleo”,
afirmou Alexandre Szklo, professor de planejamento energético na Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
A recente queda nos preços internacionais do
petróleo, em cerca de 40%, não altera essa tendência, porque, nas condições
brasileiras, “variações de preços só afetam a expansão no longo prazo. A
indústria petroleira é como o elefante, demora para começar a correr e também
para parar”, afirmou Szklo. A participação brasileira na oferta mundial de
petróleo será reduzida, apenas cerca de 5%, mas o Brasil responde por 60% das
encomendas de plataformas e sistemas de exploração e produção marítimos, por ter
quase todas suas reservas costa afora, destacou o professor.
É uma oportunidade para o desenvolvimento da
indústria naval e de serviços para o setor, beneficiando a economia do Estado
do Rio de Janeiro, em cujas costas se concentram as principais jazidas do
pré-sal, que se estendem também a outros Estados ao norte e ao sul. Trata-se de
uma grande riqueza da qual o Brasil pretende extrair recursos para melhorar sua
educação e seus sistemas de saúde nas próximas décadas.
Mas algumas maldições lhe são inerentes. Da
principal delas, que é sacrificar outros setores, especialmente a indústria de
transformação, pela sobrevalorização cambiária, e ficar muito dependente da
exportação de hidrocarbonos, o Brasil está vacinado por ter um sistema
produtivo diversificado, ao contrário de Arábia Saudita, Rússia e Venezuela,
pontuou Szklo.
Mas a enfermidade holandesa local é um fato. “A
produção petroleira gera poucos empregos, mas ocupa mão de obra qualificada de
altos salários que demandam serviços caros, elevando os custos locais que
enfraquecem outros segmentos industriais”, apontou o professor.
Nas proximidades de Campos, 280 quilômetros a
nordeste da cidade do Rio de Janeiro, onde há três décadas se extrai muito
petróleo de águas profundas, sem pré-sal, o fenômeno ajudou a destruir a
indústria açucareira local e elevou o custo de vida a níveis de metrópoles
ricas. O Rio de Janeiro já vive também esse processo que a tornou uma das
cidades mais caras do mundo. Os imóveis em seus bairros de classe média
triplicaram de preço nos últimos cinco anos.
Isso justifica os tributos cobrados por municípios
e Estados produtores de petróleo, como um recurso para preparar uma transição
futura da economia, após o esgotamento das jazidas de petróleo. Entretanto, são
as maldições sociais e ambientais as que repercutem mais rápido e geram
resistências.
“Escolheu-se mal onde instalar o Comperg, entre
áreas de proteção ambiental e um Parque Nacional, ameaçando rios ainda de boa
qualidade e a última área preservada da baía de Guanabara”, disse Breno
Herrera, biólogo e ex-chefe de uma área de proteção ameaçada, que impediu que
se fizesse do rio Guaxindiba uma hidrovia para transportar equipamentos pesados
com destino ao Complexo Petroquímico.
“A dragagem poderia agitar metais pesados
adormecidos no fundo do rio e contaminar peixes e pessoas”, justificou Herrera
ao movimento que, com apoio de moradores, cientistas e fiscais, travou os
planos da Petrobras, dona do Comperj. A refinaria mal localizada provocará
chuvas ácidas que poderão destruir florestas e serras, para onde sobe o vento
que levará contaminantes derivados do processamento do petróleo, alertou.
A refinaria Duque de Caxias, “uma das piores fontes
contaminadoras da baía de Guanabara, polui também o ar dos bairros vizinhos,
provocando doenças respiratórias, alergias e irritação nos olhos”, denunciou
Sebastião Raulino, ativista do Fórum dos Afetados pela Indústria do Petróleo e
Petroquímica (FAPP).
Fonte: ENVOLVERDE
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