Tendências da economia
compartilhada.
por Ricardo Abramovay*
O maior desafio do século XXI é a regeneração e a
ampliação dos bens e serviços públicos e coletivos que tornam a vida civilizada
possível. O mais importante deles é o sistema climático que será destruído caso
a exploração das reservas em mãos dos gigantes fósseis contemporâneos seja
levada adiante. Mas outros bens e serviços comuns da humanidade encontram-se
sob ameaça.
A destruição florestal e o esforço de avançar
sobre áreas protegidas é um exemplo. Outro exemplo são as cidades dos países em
desenvolvimento, que encolhem, de forma crescente, sua natureza pública: seus
espaços são limitados não só por um carrocentrismo doentio, mas pelo apartheid
territorial que afasta os mais pobres dos locais de maior provisão de utilidades
e empregos.
A internet e a rede mundial de computadores
(World Wide Web) são os mais importantes bens públicos até hoje criados pela
inteligência humana. A Web foi concebida por um grupo de pesquisadores
liderados pelo britânico Tim Berners-Lee, no Centro Europeu de Pesquisa Nuclear
(CERN, no acrônimo francês). Berners-Lee não só fez a opção de abrir
inteiramente a rede, mas trabalhou, desde o início dos anos 1990, para
preservar sua neutralidade. A ideia é que os provedores de serviços da internet
e os governos não podem estabelecer barreiras econômicas para o acesso a
informações, o que diferencia radicalmente a rede de computadores da oferta de
programas de televisão paga, por exemplo.
A internet e a rede mundial de computadores abrem
possibilidades inéditas para o avanço da cooperação humana. Daí vem a
importância da economia colaborativa. Ela desfaz o mito segundo o qual esta
cooperação só pode existir sobre a base da estrita defesa de interesses
individuais. A Wikipédia é hoje um dos sites mais consultados da internet, tem
qualidade equivalente às grandes enciclopédias convencionais e é elaborada
inteiramente sobre a base de um processo colaborativo e não remunerado.
Mas isso não quer dizer que a colaboração social
a que a internet e a web dão lugar não possa realizar-se em mercados. A
sociedade da informação em rede permite que o empreendedorismo de indivíduos e
de grupos adquira uma escala que vai muito além dos círculos limitados de suas
relações locais. Daí derivam três tendências fundamentais da economia
colaborativa que vale a pena observar em 2015.
A primeira é que a internet das coisas, a
conectividade generalizada entre objetos e, cada vez mais, entre objetos
móveis, abrem caminho para que sejam colocados em comum e valorizados uma
quantidade cada vez maior de ativos. Isso já se observa no campo da hospedagem
e da mobilidade urbana e vai marcar, cada vez mais, a produção e distribuição
de energia. A mais importante empresa alemã de energia declarou publicamente
sua renúncia aos fósseis e sua aposta na oferta descentralizada e distribuída
de eletricidade.
A segunda tendência é expressa em De Baixo Para Cima,
livro aberto recém-publicado por Eliane Costa e Gabriela Agustini , que mostra
a impressionante capacidade de produção cultural vinda de comunidades
consideradas até recentemente como periféricas. A novidade não está nas
organizações pelas quais passa a expressão cultural destas comunidades. Ela
está no fato de que dispositivos digitais poderosos, cada vez mais baratos e
funcionando em rede, permitem a difusão ampla e o reconhecimento social de
expressões que até recentemente confinavam-se a uma esfera quase paroquial, o
que facilitava, inclusive, sua criminalização.
A terceira tendência refere-se à apropriação
privada dos conteúdos que os indivíduos produzem nas redes. Os modelos de
negócios dos gigantes da internet que se apoiam no uso destas informações são
objeto de crescente contestação e esta será uma das questões mais interessantes
do debate público em torno da colaboração social em 2015.
* Ricardo Abramovay
é professor Titular do Departamento de Economia da FEA/USP.
Fonte: blog
Ricardo Abramovay
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