Enfrentamento dos danos
ambientais não pode ficar restrito ao aquecimento planetário. Entrevista com
Álvaro Rodrigues dos Santos.
“O quanto cabe à interferência humana no valor das
taxas de aquecimento e no ritmo de seus incrementos ainda é um debate aberto”,
diz o geólogo.
O enfrentamento dos problemas ambientais
“crônicos”, tais como poluição atmosférica, poluição de águas
superficiais e subterrâneas, contaminação de solos, enchentes urbanas, crise
hídrica, não tem, necessariamente, relação direta com o aquecimento global e,
portanto, “a solução não pode agora ser esperada e oportunistamente
condicionada à redução das taxas de aquecimento planetário”, afirma Álvaro
Rodrigues dos Santos à IHU On-Line, em entrevista concedida por
e-mail.
De acordo com o pesquisador, embora o debate sobre
a contribuição humana na alteração das taxas de aquecimento global ainda
seja um tema em discussão, as discussões acerca da questão climática não são
“uma brincadeira dentro da qual se dê para ‘pagar para ver’. Mesmo que ainda
não cabalmente comprovada, o homem deve trabalhar desde já com a hipótese de
sua colaboração para o aquecimento estar sendo substancial, o que exige que
promova urgentemente todas as alterações necessárias para a mais rápida redução
dessa variável”, pontua.
Segundo ele, é preciso romper com as “dificuldades
que têm marcado” as conferências do clima, especialmente em relação à
“dificuldade dos governos dos países mais desenvolvidos em promover
internamente as alterações que têm sido propostas nos meios de produção
industrial”. E acrescenta: “Será fundamental que a comunidade científica e
autoridades de maior responsabilidade, com visão civilizatória, mobilizem a
participação popular como elemento de pressão sobre os grandes poderes
econômicos, sem o que os avanços sempre serão muito menores do que os
minimamente necessários para algo mais substancial na redução das taxas de
aquecimento”.
Álvaro Rodrigues dos Santos
é graduado em Geologia pela Universidade de São Paulo – USP. Foi diretor de
Planejamento e Gestão do IPT e diretor da Divisão de Geologia Aplicada e é
diretor-presidente da ARS Geologia Ltda.
Confira a entrevista.
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IHU On-Line – Quais são as “honestas e também as
não muito honestas dúvidas que ainda subsistiam sobre a veracidade e consistência
científica das teses e informações apontadas pelo IPCC – Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas”?
Álvaro Rodrigues dos Santos – Os primeiros anos de intensos
debates sobre o primeiro relatório do IPCC foram pontuados, nos dois
extremos, por atropelamentos da ciência, sejam provenientes da falta de preparo
e competência dos antagonistas, sejam provenientes de pessoas, mesmo da
ciência, infelizmente contaminadas pelo impulso pessoal de busca de glória
midiática, holofotes e altos cachês. Esse, vamos dizer, foi o cenário circense
em que boa parte das discussões, infelizmente, aconteceram.
De outro lado, o debate mobilizou pesquisadores e
centros de pesquisa de altíssima e reconhecida consistência científica que,
independente de seus posicionamentos, enriqueceram e orientaram a enorme
evolução dos conhecimentos registrada na matéria.
Mas há que se entender que as necessárias e
urgentes reduções que se impõem na produção de gases que contribuem para o efeito
estufa, por exemplo, mexem em impérios econômicos fortíssimos, que não têm
em sua cultura empresarial o mais simplório hábito de lidar com limitações de
mercado impostas por decisões externas, de caráter, digamos, civilizatório.
Seria e foi natural que esses grandes interesses cooptassem homens de ciência e
de mídia com o objetivo de desqualificar as teses do aquecimento global
defendidas pelo IPCC e tantos centros de pesquisa.
Esse é o lado
desonesto a que me referi. Não há dúvida que se eventualmente grandes grupos
econômicos vislumbrarem bons negócios no combate ao aquecimento global, o mesmo
fenômeno de cooptação intelectual também se estabelecerá, apenas com sinal
trocado. Nada a se estranhar, esse é um atributo do mundo em que vivemos.
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“Não há hoje mais a menor
dúvida sobre quais sejam as causas essenciais das enchentes nas médias e
grandes cidades brasileiras”
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IHU On-Line – Em seu artigo “Aquecimento Global, falácias e
verdades”, você fala da necessidade urgente de enfrentamento dos
problemas que levam ao aquecimento por parte dos governantes e poder público.
Pode detalhar como imagina que deva ser esse enfrentamento?
Álvaro Rodrigues dos Santos – No artigo citado eu me refiro ao
ataque urgente aos nossos problemas crônicos que não têm qualquer relação com o
aquecimento global, e cuja solução não pode agora ser esperta e oportunistamente
condicionada à redução das taxas de aquecimento planetário. Entre esses
problemas, poluição atmosférica, poluição de águas superficiais e
subterrâneas, contaminação de solos, enchentes urbanas, áreas de risco em
encostas e margens de cursos d’água, perda e empobrecimento agronômico de solos
agricultáveis, depauperação de corpos florestais ativos, crises hídricas,
binômio erosão/assoreamento, degradação de mananciais de boa água, depleção do
lençol freático, penúrias de mobilidade urbana, etc.
IHU On-Line – Há pesquisadores e cientistas que
defendem que o aquecimento global não é causado pela ação do homem, e sim mais
um dos ciclos que ocorrem no Planeta. Qual sua consideração sobre essa linha de
raciocínio?
Álvaro Rodrigues dos Santos – O quanto cabe à interferência
humana no valor das taxas de aquecimento e no ritmo de seus incrementos ainda é
um debate aberto. Como a movimentação térmica na atmosfera é decorrência do que
ocorre na superfície do planeta em resposta às irradiações solares, e entendendo
que o homem, em apenas 10 mil anos do Neolítico, e dentro desse período,
concentradamente nos últimos 400 anos, alterou radicalmente as condições
ambientais da biosfera, é de se imaginar que essa nova condição tenha
gerado substanciais reflexos na movimentação térmica da atmosfera.
De qualquer forma, não se trata de uma brincadeira
dentro da qual se dê para “pagar para ver”. Mesmo que ainda não cabalmente
comprovada, o homem deve trabalhar desde já com a hipótese de sua colaboração
para o aquecimento estar sendo substancial, o que exige que promova
urgentemente todas as alterações necessárias para a mais rápida redução dessa
variável.
IHU On-Line – Considerando o “fracasso” das
Conferências do Clima em relação à tomada de decisões a serem adotadas pelos
países, o que se espera para 2015 nas negociações de Paris?
Álvaro Rodrigues dos Santos – As mesmas dificuldades que têm
marcado todas essas conferências, qual seja, a enorme dificuldade dos governos
dos países mais desenvolvidos em promover internamente as alterações que têm
sido propostas nos meios de produção industrial. Será fundamental que a
comunidade científica e autoridades de maior responsabilidade, com visão
civilizatória, mobilizem a participação popular como elemento de pressão sobre
os grandes poderes econômicos, sem o que os avanços sempre serão muito menores
do que os minimamente necessários para algo mais substancial na redução das
taxas de aquecimento.
IHU On-Line – Em 2009, você escreveu sobre os
efeitos da geotécnica dos rebaixamentos de lençóis freáticos e da abertura
indiscriminada de poços por empreendimentos individuais. Na época, destacou que
as autoridades que deveriam gerir recursos hídricos não vão além de discursos.
Recentemente, a estiagem em São Paulo fez crescer a procura por perfuradoras de
poços. Autoridades estimam que mais de 80% dos poços são ilegais. De 2009 até
agora nada mudou? Como resolver esse problema da exploração indiscriminada dos
lençóis?
Álvaro Rodrigues dos Santos – Ao menos no Estado de São Paulo,
que conheço mais de perto, basicamente nada mudou de mais substancial na gestão
da exploração das reservas hídricas subterrâneas. Pelo contrário, a atual crise
hídrica promoveu a entrada no mercado técnico de instalação de poços profundos
um sem número de aventureiros, do que mais dificuldades deverão ser esperadas
no que toca ao registro e monitoramento dos poços assim abertos, como até na
qualidade operacional desses poços.
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“Nossas cidades perdem a
capacidade de reter boa parte do volume das águas pluviais lançando-as rápida
e diretamente sobre o sistema de drenagem”
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IHU On-Line – Um dos temas que ocupa sua pesquisa é
a questão das enchentes. Esse tipo de fenômeno está se tornando mais frequente
no Brasil? Por quais razões?
Álvaro Rodrigues dos Santos – Não há hoje mais a menor dúvida
sobre quais sejam as causas essenciais das enchentes nas médias e grandes
cidades brasileiras, a impermeabilização generalizada da cidade, o excesso de
canalização de cursos d’água e a redução da capacidade de vazão de nossas
drenagens pelo volumoso assoreamento promovido por sedimentos originados dos
intensos processos erosivos que ocorrem nas frentes periféricas de expansão
urbana e por muito lixo e entulho de construção civil descartados
irregularmente.
Esse quadro determina o que podemos chamar de a
equação das enchentes urbanas: “Volumes crescentemente maiores de
água, em tempos sucessivamente menores, sendo escoados para drenagens naturais
e construídas progressivamente incapazes de lhes dar vazão”. Ou seja, nossas
cidades perdem a capacidade de reter boa parte do volume das águas pluviais
lançando-as rápida e diretamente sobre o sistema de drenagem.
Na verdade, do ponto de vista da drenagem urbana e,
por conseguinte, do fenômeno das enchentes, a base da cultura técnica que vem
comandando a expansão de nossas cidades está radicalmente equivocada. O
fundamento dessa cultura técnica viciosa está na intenção de nos livrarmos das
águas de chuva o quanto mais rapidamente possível. Para isso lança-se mão da
extensa impermeabilização da superfície urbana, de uma intensa rede de
drenagens construídas – valetas, bueiros, galerias – também totalmente
impermeável e da retificação e canalização dos córregos e rios. O crescimento
em número e intensidade dos episódios de enchentes têm sido cruel na
demonstração que não há capacidade de vazão instalada para dar conta de tanta
água em tão curto espaço de tempo. Por outro lado, uma outra cultura técnica
deletéria tem caracterizado nossa expansão urbana, o uso intensivo de
terraplenagens para produção artificial de áreas planas para a construção.
Aliada a essa deformidade urbanística e arquitetônica, é dominante o total
descaso com os processos erosivos e consequente assoreamento da rede de
drenagens naturais e construídas. Ou seja, uma cultura técnica que acumula
erros sobre erros, impondo pesados ônus de todas as ordens às populações
urbanas.
IHU On-Line – Quais são os principais erros
técnicos cometidos pelos agentes públicos na tentativa de barrar as enchentes?
Álvaro Rodrigues dos Santos – O grande erro está em não atacar
as enchentes em suas reais causas. Todos os programas de combate às enchentes
têm privilegiado as medidas estruturais de ampliação da capacidade de vazão de
seus principais cursos d’água. A par disso, as cidades continuam a crescer por
espraiamento espontâneo, atingindo mananciais e incorporando seguidamente mais
espaços impermeabilizados à mancha urbana, canalizando cursos d’água,
promovendo a erosão e não disciplinando o lançamento irregular de entulho de
construção civil e lixo urbano. O resultado não poderia ser outro,
atingimos uma situação de extremo grau de periculosidade frente ao aumento de
frequência e intensidade das enchentes urbanas.
IHU On-Line – Em que consistiria um programa para
barrar as enchentes?
Álvaro Rodrigues dos Santos – A primeira e elementar medida
seria parar de errar, ou seja, parar de cometer os erros básicos que estão na
origem de nossas enchentes urbanas. Incrivelmente, nossas cidades continuam a
se expandir impermeabilizando totalmente as novas áreas urbanizadas e, por
operações pontuais ou generalizadas de terraplenagem, expondo os solos a
intensos processos erosivos. É algo kafkiano, investem-se bilhões de reais em
obras estruturais de combate às enchentes e simplesmente não se toma a decisão
de parar de provocar as enchentes.
De qualquer forma, há um enorme elenco de medidas
não estruturais que podem e devem ser tomadas pelas municipalidades, voltadas a
aumentar a capacidade urbana de retenção das águas de chuva e reduzir o assoreamento
do sistema de drenagem: multiplicação de bosques florestados, execução de
calçadas e valetas drenantes, pátios, estacionamentos e pavimentos drenantes,
implantação de reservatórios domésticos e empresariais de águas de chuva…
Enfim, são providências conhecidas e adotadas com sucesso em muitas cidades
americanas, europeias e japonesas. São a expressão de uma nova cultura
técnico-urbanística em que o objetivo está no esforço em se recuperar a
original capacidade da área hoje urbanizada em reter águas de chuva, ou por
acumulação ou por acumulação e infiltração.
Um programa dessa natureza terá a competência para
reduzir a incidência e a dimensão das enchentes urbanas e, virtuosamente,
tornar menos dispendiosas as obras estruturais que se mostrem ainda
necessárias.
Fonte: IHU On-line
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