Documentários mostram rotina de
medo e de silêncio que envolve os partos no país.
Por Juliana Krapp, do Portal Fiocruz
A série dá voz aos números da pesquisa Nascer
no Brasil, coordenada pela Fiocruz, em parceria com diversas instituições
científicas. O maior levantamento já realizado sobre parto e nascimento no país
revelou dados alarmantes, como taxas muito elevadas de cesariana. A diretora
Bia Fioretti acompanhou a coleta de dados para a pesquisa, em 2011 e 2012,
viajando por todas as regiões e conversando com 174 pessoas, entre mães, pais e
profissionais de saúde, em 23 instituições públicas e privadas. As entrevistas
deram origem aos documentários que compõem a série: Parto, da violência
obstétrica às boas práticas e Cesárea, mitos e riscos.
“O grande mérito da pesquisa foi colocar no papel
a realidade de violência que marca os nascimentos no país. Fizemos os vídeos
para mostrar que, por trás de cada número do inquérito, há um rosto, uma voz”,
justifica Bia.
Mitos que levam à cesariana
“Já estava passando do prazo. Decidimos fazer
cesárea para não correr o risco.” “Estava sentado. Era pélvico.” “Porque não
tinha passagem.” “Porque ela estava muito gordinha.” Os motivos pelos quais
optaram pela cesariana, em vez do parto natural, estão na ponta da língua das
mulheres que olham para a câmera, segurando seus bebês recém-nascidos.
Argumentos que revelam o quão próximos estão do medo e da falta de informação.
A pesquisa Nascer no Brasil mostrou que
a cesariana é feita em 52% dos nascimentos, sendo que, no setor privado, o
percentual é de 88%. A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de
que somente 15% dos partos sejam realizados por meio desse procedimento
cirúrgico. Nos vídeos, fica evidente o quanto a escolha pela intervenção
cirúrgica, em vez do parto natural, é estimulada pela reprodução de mitos e
ideias equivocadas.
“Fica parecendo que é tão simples só fazer uma
cesariana e que ela não tem riscos, mas isso não é verdade. A cesariana tem
riscos para o bebê e para a mãe. Apresenta mais riscos de hemorragia, de
infecção, de lesões que só acontecem numa cirurgia. E sabemos que, à medida que
a mulher ter cesáreas subsequentes, essas cirurgias vão aumentando ainda mais o
risco da gestação”, explica o obstetra Marcos Dias, em depoimento ao
documentário.
Violência e maus-tratos na hora do parto
Os vídeos lançam luz não apenas ao alto índice de
cesarianas, mas também ao uso corriqueiro de procedimentos e métodos que
provocam desconforto às mulheres e, em muitos casos, são verdadeiras
violências. São práticas como a “manobra de Kristeller” — quando o médico faz
pressão sobre a barriga da mulher, para expulsar o bebê —, constatada em 36%
dos partos. Outro procedimento comum é o uso de soro com ocitocina, hormônio
sintético que acelera as contrações no útero, aumentando a dor e tornando o
parto mais rápido. “Eu não aguentava mais o soro, a dor, e me joguei no chão.
Eu não tinha mais forças para levantar. A dor estava demais. Aí eu me ajoelhei
no chão e lá mesmo eu urinei. O médico que viu disse que eu não tinha Deus no
coração. Que aquilo ali era uma coisa horrível”, relata uma das entrevistadas.
A episiotomia, corte cirúrgico na vagina, é outro
método inadequado, mas ainda muito usado no Brasil. “São práticas que não
ajudam no desenvolvimento do trabalho de parto. Em vez disso, fazem com que
seja mais doloroso. A episiotomia, aquele corte na vagina, não é mais
recomendado hoje. Já se viu que se corta mais do que seria a fissura ou o corte
que naturalmente seria feito pela saída da criança. E às vezes se cortam plexos
nervosos importantes e a mulher fica com problemas depois”, esclarece, no
vídeo, Maria do Carmo Leal, coordenadora da pesquisa Nascer no Brasil e
epidemiologista da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca
(Ensp/Fiocruz).
Os documentários também revelam como o silêncio,
desencadeado pelo medo, ainda ronda de forma decisiva a relação das mulheres
brasileiras com o ato de dar à luz. Um processo de opressão que vai passando,
inclusive, de geração a geração, como mostra uma das cenas, onde uma mãe
descreve como alertou à filha grávida que ela deveria conter o grito: “Eu
sempre dizia a ela: a dor do parto é de matar. Mas não fica fazendo escândalo,
porque é pior. Eles [a equipe do hospital] vão te deixando para trás e
vão te maltratar”.
Nem tudo nesta série de DVDs é, porém,
desencanto. Grande parte dos vídeos mostra práticas bem-sucedidas de atenção ao
parto e ao nascimento. Com a palavra, uma das mulheres que experimentaram o
parto humanizado num hospital da rede pública: “As pessoas falam coisas
horríveis de um parto. Que é ruim, que é desesperador. Para mim foi ruim
também, foi desesperador, mas, ao mesmo tempo, maravilhoso.”
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Fonte: EcoDebate
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