Planeta insustentável: a
civilização do lixo.
por Najar Tubino*
80% do consumo privado no mundo é realizado
por 20% da população, e a cada 1% de crescimento nos países emergentes, o lixo
acumulado cresce 0,69%.
Esta é uma montanha que não para de crescer. Nos
cálculos da ONU e do Banco Mundial nas últimas três décadas a geração de
resíduos sólidos urbanos cresceu três vezes mais rápido do que a população. Os
sete bilhões de habitantes produziram 1,4 bilhão de toneladas de lixo e em 10
anos o montante chegará a 2,2 bilhões de toneladas. Lógico que metade desse
lixo é gerada pelos países da Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento,
a OCDE, clube dos 34 ricos do planeta. Entre eles os países da União Europeia,
além de Coreia do Sul, Japão, Austrália e Reino Unido. Os Estados Unidos
lideram a estatística, com 5% da população mundial consomem 40% dos produtos,
com um detalhe importante: em 2010 a Agência Ambiental (EPA) divulgou que os
estadunidenses jogavam 34 milhões de toneladas de sobras de comida todo ano. O
Brasil já é considerado o quinto país na lista dos campeões do lixo com 78
milhões de toneladas para 2014.
O pesquisador Maurício Waldmam, pós-doutor pela
Unicamp e autor do livro “Lixo: cenários e desafios” criou uma versão da
mitologia grega para traduzir a gravidade da situação. Trata-se do mito da
Esfinge, um demônio com corpo de leão, cabeça de mulher e asas de água, que
apavorava os habitantes de Tebas. Para ir embora propôs um enigma, decifrado
por Édipo, tragédia de Sófocles – “decifra-me ou devoro-te”.
Decifra-me ou devoro-te
Eis o que o que a montanha de lixo planetária
está nos propondo. Maurício Waldman comenta:
“- No Brasil, como em qualquer parte do mundo, o
que a Era do Lixo está expondo de modo radical é a impossibilidade de mantermos
o modus vivendi e modus operandi, que lastreou o surgimento e a difusão da
civilização ocidental… o lixo assumiu o contorno de uma calamidade
civilizatória. Em termos mundiais apenas a massa de lixo municipal coletado,
estimada em 1,2 bilhão de toneladas, supera a produção global de aço – 1
bilhão. As cidades ejetam dois bilhões de toneladas de refugo, superando em 20%
a produção de cereais. Os números falam por si”.
No dia 2 de agosto terminou o prazo para os
municípios brasileiros se adequarem a lei federal 12.305, que institui a
Política Nacional de Resíduos Sólidos, depois de tramitar durante 20 anos no
Congresso Nacional. Dois dias depois, a Associação Brasileira das Empresas de
Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) lançou a publicação “Panorama
dos Resíduos Sólidos no Brasil 2013”, uma pesquisa realizada em 404 municípios
envolvendo quase metade da população. No ano passado foram coletados 76 milhões
de toneladas com um aumento de 4,1%, comparado ao ano anterior. Apenas 58,3%
dos resíduos têm destinação final adequada. Ou seja, o restante 41,7% são
depositados em lixões e aterros controlados, que são quase lixões. Dos mais de
cinco mil municípios do país, 3.344 ainda fazem uso de locais impróprios para
destinação final de resíduos. E 1.569 municípios utilizam lixões a céu aberto,
que é a pior forma de descarte. Enfim, mais da metade dos municípios
brasileiros não se adequou à nova legislação, embora desde a década de 1980
seja proibido jogar lixo em qualquer lugar.
Nova York gera 24,8 mil toneladas de lixo
Em outubro desse ano, na Índia, o
primeiro-ministro Narendra Modi de vassoura em punho lançou a campanha Índia
Limpa, e convocou quatro milhões de funcionários públicos federais para se
engajarem. “Depois de tantos anos de independência não podemos continuar
convivendo com esta imundície”, disse ele, acrescentando que o governo
investirá R$24 bilhões em cinco anos para varrer a sujeira. No caso indiano a
situação é particularmente grave, porque metade dos 1,2 bilhão de habitantes
não tem acesso a banheiros e fazem suas necessidades fisiológicas em qualquer
canto.
Porém, mesmo entre os ricos o problema continua grave. Os japoneses
geraram quase 500 milhões de toneladas de resíduos urbanos e seus aterros
sanitários tem vida útil de oito anos. Aqueles que recebem o lixo de Tóquio tem
vida útil de quatro anos, conforme a publicação Lixo Zero, do Instituto Ethos,
coordenada pelo economista Ricardo Abramovay.
Nova Iorque, onde são geradas 24,8 mil toneladas
por dia – em São Paulo são pouco mais de 18 mil toneladas – os resíduos são
enterrados em aterros de Nova Jersey, Pensilvânia e até na Virgínia, alguns
distantes 500 quilômetros. A capital dos turismo da classe média brasileira
recicla apenas 18% do que produz. Aliás, os Estados Unidos reciclam apenas um
terço das garrafas pet, índice que é de 72% no Japão. Os estadunidenses
produzem 624 mil toneladas de lixo diariamente. E mais: 80% do lixo eletrônico
são exportado para a China. Até recentemente os países da OCDE exportavam 200
milhões de toneladas de lixo para outros países. É interessante o estilo de
vida dos EUA, onde todos os anos são repostos 600 milhões de quilos de
carpetes.
Brasil é o quinto mercado mundial
No Brasil, uma pesquisa recente do Banco Mundial
apontou que se 42% dos resíduos sólidos jogados em lixões a céu aberto fossem
para aterros sanitários – onde o chorume e o metano são coletados – o
aproveitamento do biogás e a compostagem abririam 110 mil novos empregos nos
próximos 18 anos e acrescentariam US$35 bilhões na economia. Também supririam
1% da demanda de energia elétrica. Na União Europeia o cálculo apontou que se
todo o lixo fosse tratado acrescentaria 42 bilhões de euros no setor de coleta
e reciclagem e mais 400 mil empregos. A Alemanha é o país líder na reciclagem
com aproveitamento de 48% dos materiais utilizados. O mercado global do lixo da
coleta até a reciclagem movimenta US$410 bilhões. Mas a ONU ressalta que os
orçamentos dos municípios estão destinados até 30% da sua verba para o lixo. No
caso da capital paulista em 2013 foi R$1,8 bilhão, 20% mais do que o ano
anterior.
O Brasil até 2020, ou seja, daqui a seis anos,
será o quinto maior mercado consumidor do mundo.
Já somos o maior consumidor de
cosméticos, o segundo em cervejas, o terceiro em computadores, o quarto em
carros e motos e o quinto em calçados e roupas. O problema cresce, porque a
questão é: o que fazer com a montanha de lixo? A Confederação Nacional dos
Municípios diz que são necessários investimentos de R$70 bilhões para atender a
demanda dos municípios que jogam os resíduos no lixão.
Cheiro de ovo podre
Porém, isso não explica o óbvio: 80% do consumo
privado no mundo é realizado por 20% da população. Quer dizer, 5,6 bilhões de
pessoas rateiam o que resta da miséria, mesmo que isso signifique ter um
smartphone, televisão fininha e um valão na porta de casa, onde corre o esgoto
a céu aberto, com todas as embalagens e utensílios domésticos imaginados. Nos
países da OCDE a média de carros por cada mil habitantes é de 750, na China é
150 e na Índia 35. A mesma organização diz que a cada 1% de crescimento nos
países emergentes, o lixo acumulado cresce 0,69%. Como os emergentes
continuarão crescendo, deduz-se que a montanha idem.
Em meio a isso tudo, a época natalina comercial
cristã, com o mercado de luxo bombando no Brasil – em São Paulo ricos de todo o
país gastaram R$10 bilhões em 2012 -, comecei a elaborar a seguinte questão:
existe um problema maior do que as emissões de gás carbônico, metano e óxido
nitroso – os gases estufa – na atmosfera. Trata-se do gás sulfídrico H2S,
sulfeto de hidrogênio, conhecido popularmente pelo cheiro de ovo podre, ou pelo
cheiro de qualquer rio podre – caso do Tietê, em SP -, ou córrego carregado de
esgoto, locais onde o gás se expande. Este cheiro da podridão, de coisa
decomposta, degradada, em meio à globalização e a concentração de renda no
planeta, é que está definindo os rumos da civilização do lixo. A tecnologia
venceu a natureza, pensaram os mecanicistas desde a Revolução Industrial, agora
reforçados pelos agentes do sistema financeiro. O que não estava nos planos do
capitalismo esclerosado é que a expansão acabaria devorando o mercado com
clientes, industriais, comerciantes e demais componentes econômicos afogados em
uma gigantesca montanha de lixo. O enigma grego foi decifrado e só falta puxar
a descarga.
Fonte: Carta
Maior
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