segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Cada um só por si; à frente, interrogações.
por Washington Novaes*
Foto: freshidea / Fotolia.com/Porvir

Não espanta que a nova composição do governo federal e de seus mais altos escalões tenha sido fruto não de novos planejamentos para resolver graves questões que o País enfrenta, e sim da necessidade de atender às reivindicações fisiológicas dos partidos que compuseram a aliança vitoriosa. Mas as notícias mais recentes na área ainda são surpreendentes – talvez até para parte dos membros da coligação.

Vejam-se, por exemplo, as posturas do novo ministro da Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo, para quem o entendimento de que ações humanas são forte causa de mudanças climáticas reflete apenas “um cientificismo que tem por trás o controle dos padrões de consumo dos países pobres” – desprezando pareceres de centenas de milhares de cientistas na Convenção do Clima. Como ficará a presidente da República, que na própria ONU defendeu o compromisso de seu governo com a redução das emissões de poluentes provocadas por seres humanos (com seus veículos, sua indústria, seu consumo de energia gerada pela queima de carvão, sua agropecuária, seu desmatamento, etc.)? Como ficará o Ministério do Meio Ambiente, que tem reiterado o compromisso brasileiro de reduzir suas emissões entre 38,1% e 38,9% até 2020 e defendido a necessidade de um compromisso “vinculante”de todos os países nessa área, de reduzir suas emissões proporcionalmente às suas responsabilidades? Que pensará o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, segundo quem é preciso chegar a compromissos obrigatórios de redução em todos os países, a serem firmados este ano para vigorarem a partir de 2020? Ficaremos satisfeitos com a visão do nosso novo ministro, também quando ele – como na votação do novo Código Florestal – assume posição contrária a boas políticas de conservação de recursos naturais?

Pode-se passar a outro capítulo, aberto pela nova ministra da Agricultura, Kátia Abreu, para quem “latifúndio não existe mais no Brasil” (Folha de S.Paulo, 5/1). Ela também defende a proposta de emenda constitucional que retira do Executivo poderes para demarcar áreas indígenas e os transfere para o Congresso Nacional. Reconhece até que “o Brasil inteiro era deles” (dos índios) – mas daí a assegurar-lhes certas áreas, pensa a ministra, vai muita distância. Porque “os índios saíram da floresta e passaram a descer nas áreas de produção”. Que lhe importam os direitos originários, ou o fato de que ainda existam no País mais de 900 mil desses antigos donos de todo o território, distribuídos por 305 povos, falando 274 línguas – com uma riqueza cultural extraordinária, até vivência de utopias?

E como ficará a presidente da República diante das declarações da nova ministra da Agricultura de que “o latifúndio não existe mais” e reforma agrária é desnecessária? Como vê as posições diametralmente opostas dessa ministra e do novo titular do Desenvolvimento Agrário? Por que pastas separadas para os dois, que tratam do mesmo assunto? Como confronta as declarações da ministra com as dela, Dilma Rousseff, que tantas vezes disse ser imprescindível “acelerar a reforma agrária” (Estado, 21/10/2013)? E como ficamos se, de acordo com o próprio Incra, “existem 215 mil hectares de terras em processo de desapropriação” para a reforma – e se o próprio governo diz haver feito em 20 anos “a maior reforma agrária” do mundo, com a destinação de terras para 1,1 milhão de famílias (Estado, 21/10/2013)?

De qualquer forma, que pensam partidos fisiológicos dos nossos dramas na área da pobreza, se ainda temos 7,2 milhões de pessoas “vulneráveis à fome”, segundo o IBGE (Estado, 19/12/2014)? 

Somados aos 40 milhões que recebem Bolsa Família, serão quase 50 milhões, quase um quarto da população nacional, ainda vivendo “abaixo da linha da pobreza”, conforme os padrões da ONU. 

Nosso salário mínimo não chega a um dólar por dia. Na criação de postos de trabalho em um ano – 938.043 até novembro – recuamos aos níveis de 2002. Na Previdência Social, os trabalhadores do setor privado (24 milhões) – que já acabam pagando (Estado, 8/12/2014) pelo déficit muito maior (R$ 62 milhões) gerado pelos funcionários do setor público, que são 1 milhão, somando os militares – recebem ameaças de redução dos benefícios.

E na área dos dramas urbanos, que se pode esperar, nas cidades congestionadas pelo trânsito, com infraestruturas precárias como as redes de drenagem insuficientes e que contribuem para os alagamentos? Não há muita esperança, com o despejo de esgotos sem tratamento – onde eles são coletados – e com os investimentos nacionais na área só chegando a 0,11% do produto interno bruto (PIB), segundo a Organização Mundial da Saúde (Estado, 19/11/2014).

Educação? Só 13% dos alunos nas redes escolares as frequentam em tempo integral (Estado, 8/10/2014). Só 67% dos jovens até 16 anos recebem ensino fundamental completo; 17,8% das crianças de 4 e 5 anos não estão nas escolas, assim como 18,8% dos jovens entre 15 e 17 anos. 

Temos 13 milhões de analfabetos. Há muito a fazer e nem se poderia alegar falta de recursos, já que nossa carga tributária está próxima de 40% do produto interno bruto.

Mas é provável que boa parte dos cidadãos já não espere muito da área política, de onde se despediu o senador José Sarney, dizendo-se arrependido de haver ali permanecido quase 25 anos após deixar a Presidência da República (terá levado todo esse tempo para descobrir o desencanto?). 

Não faltará quem queira o lugar. Afinal, levantamento da Transparência Brasil (Correio Braziliense, 1.º/1/2015) diz que só na área federal são 98 mil pessoas ocupando cargos em comissão; de cada quatro funcionários federais, um é ligado a partidos (23,5% do total); e 88% deles são ligados ao PT.

E até quando se espera que será assim, que a sociedade nada faça? Não será apenas com ajustes fiscais, nesta hora de complicado panorama internacional, que tudo se resolverá.

* Washington Novaes é jornalista.


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