sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Fantasmas de Bhopal ainda rondam a segurança industrial na Índia.
por Neeta Lal, da IPS
Meninos e meninas com doenças congênitas relacionadas ao gás tóxico emitido pela Union Carbide em Bhopal, na Índia, realizam uma vigília à luz de vela. Foto: Chingari Trust.

Nova Délhi, Índia, 16/1/2015 – Três décadas depois que 40 toneladas do mortal gás de isocianato de metilo vazaram de uma fábrica da Union Carbide India Limited, na cidade indiana de Bhopal, o pior desastre industrial do mundo continua sendo uma recordação da importância e da necessidade de se contar com mais e melhores normas de segurança na terceira economia da Ásia.

O episódio, ocorrido em 3 de dezembro de 1984, causou a morte imediata de quase quatro mil pessoas e deixou centenas de milhares mutiladas e cegas. Além disso, ainda nascem bebês com más formações e outras sequelas psíquicas e físicas derivadas da exposição de seus pais ao gás.

Com os anos, os vapores nocivos liberados em Bhopal, capital do Estado de Madhya Pradesh, e que inundaram regiões vizinhas, também penetraram no solo e chegaram às águas subterrâneas e ainda causam vítimas entre a população mais pobre que não pode mudar para outro lugar.

“Não há registros consolidados para mostrar quantas pessoas continuam sofrendo. Mesmo depois que o governo pagou indenizações a mais de meio milhão de vítimas, aparecem novas reclamações”, afirma o Centro para a Ciência e o Ambiente (CSE), com sede em Nova Délhi, em um livro publicado em dezembro.

Segundo a organização Anistia Internacional, com sede em Londres, cerca de 350 mil quilos de lixo tóxico permanecem onde ficava a unidade da Union Carbide. Em 2009, 25 anos depois da tragédia, o CSE realizou uma avaliação independente e encontrou um alto grau de contaminação no solo e na água subterrânea no entorno da fábrica.

Em 2013, o CSE colaborou com especialistas de vários países para criar um plano de ação de cinco anos para recuperar o solo, eliminar o lixo tóxico da fábrica e descontaminar a água subterrânea na área afetada.

Chama a atenção que, embora o desastre industrial continue motivando livros, filmes e debates sobre a responsabilidade corporativa e a falta de regulamentação em matéria de segurança industrial, a capacidade da Índia para evitar uma tragédia semelhante continua sendo muito questionável.

“Mesmo não tendo visto outra tragédia humana horrenda como a daquela noite de 3 de dezembro de 1984, o país continua tendo pequenos Bhopal, acidentes industriais que deixam mortos e vertem uma enorme quantidade de dejetos perigosos”, alertou Sunita Narain, diretora-geral do CSE, na apresentação do livro.

O problema se agrava devido a um ambiente normativo frouxo e à arraigada corrupção. Por isso, segundo numerosos economistas, o crescimento exponencial na terceira economia da Ásia, onde vivem 1,2 bilhão de pessoas, continuará tendo um significativo custo para o ambiente e a segurança humana.

É irônico, pois a Índia tem complexas e vastas leis em matéria de segurança industrial, segundo especialistas. Por exemplo, atualmente é obrigatório que as fábricas tenham auditorias de segurança quando manejam uma determinada quantidade de substâncias químicas perigosas.

A Lei de Fábricas designa comitês de avaliação no local para assessorar sobre a localização das unidades que usam processos perigosos e sugere planos de emergência para controle de desastres que permitam proteger os trabalhadores e os residentes locais. As Normas de Acidentes Químicos, de 1996, promoveram melhores padrões de segurança, enquanto a Lei de Fábricas foi reformada para designar um “ocupante”, pertencente à gerência, que será responsável por qualquer percalço, segundo o consultor B. Karthikeyan.

“Mas a disposição mais significativa aprovada depois de Bhopal foi a Lei de Proteção Ambiental, de 1986, que dá poderes ao governo central para emitir decretos no sentido de fechar, proibir ou regular toda violação industrial”, explicou Gita Sareen, advogada corporativa em Mumbai. “Essa lei também implementa o mandato da Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente Humano para proteger e melhorar o entorno e evitar desastres prejudiciais para os seres humanos  outros seres vivos”, acrescentou à IPS.

Mas a distância entre as promessas e a prática é enorme. Os centros de saúde nas fábricas ainda não atendem os requisitos e os infratores raramente são punidos. Segundo dados do CSE, mais de mil pessoas perderam a vida em 2011 em acidentes nas fabricas de todo o país e vários milhares ficaram feridos.

A contaminação da água e do solo também é um problema crescente. Em 2010 o Ministério de Ambiente e Florestas identificou dez locais tóxicos com milhares de toneladas de dejetos perigosos.

“A pior parte é que, apesar dos anúncios bombásticos, ainda não foram eliminados os lixos tóxicos da fábrica da Union Carbide em Bhopal. Vários atores debatem sobre a melhor forma de fazê-lo, o que fazer com os dejetos e quem deve pagar por isso. Enquanto isso, a contaminação continua fazendo estragos e afundando mais”, advertiu à IPS o subdiretor do CSE, Chandra Bhushan.

A consciência sobre a segurança e o cumprimento melhorou, de certa forma, no setor mais formal, no qual estão as grandes corporações, devido, em grande parte, à sua imagem, mas o setor informal ainda é caótico.

Segundo o professor do departamento de geologia da Universidade de Nova Délhi, Shashank Shekhar, a indústria continua contaminando e seus enormes vazamentos continuam sendo a maior causa da contaminação hídrica e do mau estado de saúde de milhões de pessoas na Índia. “Metais pesados em pequenas quantidades dissolvidas na água são muito tóxicos para o corpo humano e podem causar um dano irreparável. Mas o problema persiste”, lamentou.

Outro problema, segundo especialistas, é que na Índia os processos de avaliação de impacto ambiental não são bem feitos. “O país precisa de uma exaustiva revisão desses processos para garantir a objetividade e a devida diligência no exercício. Atualmente, a indústria contrata assessores independentes para realizar a avaliação ambiental e paga de seu próprio bolso”, pontuou Shekhar, acrescentando que, “naturalmente, o supervisor que recebe salário da companhia tenderá a favorecer seu empregador e não a ser imparcial”.

Em lugar de agregar mais leis, seria mais efetivo ter maior rigidez na hora de colocá-las em prática, afirmam os especialistas.


Fonte: ENVOLVERDE

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