Fantasmas de Bhopal ainda rondam
a segurança industrial na Índia.
por Neeta
Lal, da IPS
Meninos e meninas com doenças
congênitas relacionadas ao gás tóxico emitido pela Union Carbide em Bhopal, na
Índia, realizam uma vigília à luz de vela. Foto: Chingari Trust.
Nova Délhi, Índia, 16/1/2015 – Três décadas depois
que 40 toneladas do mortal gás de isocianato de metilo vazaram de uma fábrica
da Union Carbide India Limited, na cidade indiana de Bhopal, o pior desastre
industrial do mundo continua sendo uma recordação da importância e da
necessidade de se contar com mais e melhores normas de segurança na terceira
economia da Ásia.
O episódio, ocorrido em 3 de dezembro de 1984,
causou a morte imediata de quase quatro mil pessoas e deixou centenas de
milhares mutiladas e cegas. Além disso, ainda nascem bebês com más formações e
outras sequelas psíquicas e físicas derivadas da exposição de seus pais ao gás.
Com os anos, os vapores nocivos liberados em
Bhopal, capital do Estado de Madhya Pradesh, e que inundaram regiões vizinhas,
também penetraram no solo e chegaram às águas subterrâneas e ainda causam
vítimas entre a população mais pobre que não pode mudar para outro lugar.
“Não há registros consolidados para mostrar quantas
pessoas continuam sofrendo. Mesmo depois que o governo pagou indenizações a
mais de meio milhão de vítimas, aparecem novas reclamações”, afirma o Centro
para a Ciência e o Ambiente (CSE), com sede em Nova Délhi, em um livro
publicado em dezembro.
Segundo a organização Anistia Internacional, com
sede em Londres, cerca de 350 mil quilos de lixo tóxico permanecem onde ficava
a unidade da Union Carbide. Em 2009, 25 anos depois da tragédia, o CSE realizou
uma avaliação independente e encontrou um alto grau de contaminação no solo e
na água subterrânea no entorno da fábrica.
Em 2013, o CSE colaborou com especialistas de
vários países para criar um plano de ação de cinco anos para recuperar o solo,
eliminar o lixo tóxico da fábrica e descontaminar a água subterrânea na área
afetada.
Chama a atenção que, embora o desastre industrial
continue motivando livros, filmes e debates sobre a responsabilidade
corporativa e a falta de regulamentação em matéria de segurança industrial, a
capacidade da Índia para evitar uma tragédia semelhante continua sendo muito
questionável.
“Mesmo não tendo visto outra tragédia humana
horrenda como a daquela noite de 3 de dezembro de 1984, o país continua tendo
pequenos Bhopal, acidentes industriais que deixam mortos e vertem uma enorme
quantidade de dejetos perigosos”, alertou Sunita Narain, diretora-geral do CSE,
na apresentação do livro.
O problema se agrava devido a um ambiente normativo
frouxo e à arraigada corrupção. Por isso, segundo numerosos economistas, o
crescimento exponencial na terceira economia da Ásia, onde vivem 1,2 bilhão de
pessoas, continuará tendo um significativo custo para o ambiente e a segurança
humana.
É irônico, pois a Índia tem complexas e vastas leis
em matéria de segurança industrial, segundo especialistas. Por exemplo,
atualmente é obrigatório que as fábricas tenham auditorias de segurança quando
manejam uma determinada quantidade de substâncias químicas perigosas.
A Lei de Fábricas designa comitês de avaliação no
local para assessorar sobre a localização das unidades que usam processos
perigosos e sugere planos de emergência para controle de desastres que permitam
proteger os trabalhadores e os residentes locais. As Normas de Acidentes
Químicos, de 1996, promoveram melhores padrões de segurança, enquanto a Lei de
Fábricas foi reformada para designar um “ocupante”, pertencente à gerência, que
será responsável por qualquer percalço, segundo o consultor B. Karthikeyan.
“Mas a disposição mais significativa aprovada
depois de Bhopal foi a Lei de Proteção Ambiental, de 1986, que dá poderes ao
governo central para emitir decretos no sentido de fechar, proibir ou regular
toda violação industrial”, explicou Gita Sareen, advogada corporativa em
Mumbai. “Essa lei também implementa o mandato da Conferência das Nações Unidas
sobre Ambiente Humano para proteger e melhorar o entorno e evitar desastres
prejudiciais para os seres humanos outros seres vivos”, acrescentou à
IPS.
Mas a distância entre as promessas e a prática é
enorme. Os centros de saúde nas fábricas ainda não atendem os requisitos e os
infratores raramente são punidos. Segundo dados do CSE, mais de mil pessoas
perderam a vida em 2011 em acidentes nas fabricas de todo o país e vários
milhares ficaram feridos.
A contaminação da água e do solo também é um
problema crescente. Em 2010 o Ministério de Ambiente e Florestas identificou
dez locais tóxicos com milhares de toneladas de dejetos perigosos.
“A pior parte é que, apesar dos anúncios
bombásticos, ainda não foram eliminados os lixos tóxicos da fábrica da Union
Carbide em Bhopal. Vários atores debatem sobre a melhor forma de fazê-lo, o que
fazer com os dejetos e quem deve pagar por isso. Enquanto isso, a contaminação
continua fazendo estragos e afundando mais”, advertiu à IPS o subdiretor do
CSE, Chandra Bhushan.
A consciência sobre a segurança e o cumprimento
melhorou, de certa forma, no setor mais formal, no qual estão as grandes
corporações, devido, em grande parte, à sua imagem, mas o setor informal ainda
é caótico.
Segundo o professor do departamento de geologia da
Universidade de Nova Délhi, Shashank Shekhar, a indústria continua contaminando
e seus enormes vazamentos continuam sendo a maior causa da contaminação hídrica
e do mau estado de saúde de milhões de pessoas na Índia. “Metais pesados em
pequenas quantidades dissolvidas na água são muito tóxicos para o corpo humano
e podem causar um dano irreparável. Mas o problema persiste”, lamentou.
Outro problema, segundo especialistas, é que na
Índia os processos de avaliação de impacto ambiental não são bem feitos. “O
país precisa de uma exaustiva revisão desses processos para garantir a
objetividade e a devida diligência no exercício. Atualmente, a indústria
contrata assessores independentes para realizar a avaliação ambiental e paga de
seu próprio bolso”, pontuou Shekhar, acrescentando que, “naturalmente, o
supervisor que recebe salário da companhia tenderá a favorecer seu empregador e
não a ser imparcial”.
Em lugar de agregar mais leis, seria mais efetivo
ter maior rigidez na hora de colocá-las em prática, afirmam os especialistas.
Fonte: ENVOLVERDE
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