Exploração sexual infantil, a
face oculta do Uruguai.
por Diana
Cariboni, da IPS
Um dos cartazes da campanha em massa Não Há
Desculpas, realizada por Conapees, Instituto da Criança e do Adolescente do
Uruguai e Unicef. Foto: Cortesia do Conapees.
Montevidéu, Uruguai, 6/1/2015 – Karina Núñez
Rodríguez tinha apenas 12 anos quando se viu empurrada para a prostituição.
Agora, com meio século de vida e seis filhos, é uma das vozes mais eloquentes
contra a exploração sexual de meninas e adolescentes no Uruguai, país que
insiste em não reconhecer essa crescente chaga.
Seu sobrenome materno, Rodríguez, “tem tudo a ver
com o que faço e com o que sou”, disse à IPS esta mulher ao explicar porque
deseja usar ambos. Apesar de suas múltiplas contribuições, ela não tem outra
renda que não a procedente do trabalho sexual.
Tal como sua avó, sua mãe também foi uma menina
explorada. Agora ela se orgulha de ter quebrado este círculo familiar de
servidão e marca uma data simbólica: quando sua filha mais nova completou 12
anos sendo uma menina alegre e pronta para entrar no ensino secundário.
No Uruguai, uma grande quantidade de menores, a
grande maioria de meninas, é arrancada de sua infância e oferecida como
mercadoria em troca de pagamentos variáveis: um maço de cigarros, uma dose de
droga, um cartão de telefone celular, comida, roupa, abrigo ou dinheiro. São
explorados por membros de suas famílias, vizinhos ou redes criminosas, pequenas
ou mais organizadas.
A dona de um negócio alimentar organiza bailes em
sua loja nos dias de pagamento dos peões rurais do lugar e convida meninas de
12 anos da vizinhança. Estas passam suas noites bebendo, dançando e mantendo
relações sexuais nas instalações externas de uma capela próxima.
O proprietário, de 74 anos, de um hotel em uma zona
turística paga a viagem de uma jovem de 15 anos, que vive a centenas de
quilômetros, para ter sexo com ela. Depois, envia dinheiro aos seus
exploradores, mas evita ser processado alegando ignorar que a adolescente era
menor de 18 anos.
Um alto funcionário de uma província organiza uma
festa com adolescentes, álcool e cocaína em um prédio governamental e é pego em
flagrante quando, já bêbado, se vai em seu automóvel com uma das jovens.
Uma rede formada por caminhoneiros e os pais de
duas das vítimas, obriga várias meninas a manterem relações sexuais com
motoristas de caminhões em três povoados diferentes.
Casos com esses são notícia a cada semana no
Uruguai. Em 2010, o governo declarou 7 de dezembro como dia nacional contra a
exploração sexual de meninos, meninas e adolescentes. Mas ainda não pode medir
o alcance do crime, punido com até 12 anos de prisão por uma lei de 2004. A
prostituição adulta é legal no país e regulada pelo Estado.
Pelo menos 1,8 milhão de menores são explorados na
prostituição ou pornografia no mundo, segundo a Ecpat, uma rede mundial de
organizações dedicadas a combater esses crimes. Quase 80% do tráfico de pessoas
é para exploração sexual, e mais de 20% das vítimas são meninos e meninas. De
2010 a setembro do ano passado, a justiça processou 79 casos envolvendo 127
acusados. Apenas 43 deles foram condenados, segundo um informe divulgado pelo
Poder Judiciário.
Mas as denúncias policiais aumentam. Em 2007 foram
20, em 2011 chegaram a 40, em 2013 a 70, e nos dez primeiros meses de 2014
passaram de 80. “Cada caso afeta não só uma menina ou um menino. Pode implicar
quatro ou cinco”, disse à IPS o presidente do Comitê Nacional para a Erradicação
da Exploração Sexual Comercial e Não Comercial de Meninas, Meninos e
Adolescentes (Conapees), Luis Purtscher. Além disso, os violadores superam em
número as vítimas. “Em uma só noite, uma menina pode manter dez relações”,
acrescentou.
Nos últimos cinco anos, o Conapees treinou 1.500
funcionários públicos, incluindo educadores, trabalhadores sociais, agentes
policiais e fiscais. “Temos três mil olhos e ouvidos a mais, com algum grau de
treinamento para detectar e denunciar”, afirmou Purtscher, como outro motivo
para o aumento das denúncias.
A violência de gênero também tem um papel
relevante. Na lista de 12 países latino-americanos, mais Espanha e Portugal, o
Uruguai tem a mais alta taxa de mulheres assassinadas por seus parceiros,
atuais ou passados, para cada cem mil habitantes, segundo informe divulgado
pelo Observatório de Igualdade de Gênero da América Latina e do Caribe.
Dentro da campanha de sensibilização, o Conapees
publicou um aviso em jornais e revistas dizendo “Meninas, muito meninas”,
seguido de um número de telefone que recebeu cem chamadas no primeiro dia e 500
no primeiro final de semana.
Núñez Rodríguez se converteu em ativista após
presenciar o sofrimento de jovens submetidas ao “processo de amaciar” nas
“whiskerias” (prostíbulos e locais de venda de bebida alcoólica): “torturas,
penetrações forçadas e coletivas, golpes”, destinadas a criar “tal laço de
temor entre a vítima e o explorador que a menina possa ficar toda a noite
parada em uma esquina em qualquer parte sem nem mesmo pensar em ir à polícia”,
descreveu.
Ela contou como conseguiu apresentar 27 denúncias
às autoridades. Desses casos, “participei em nove processos e tenho a honra de
as pessoas confiarem em mim e me apresentarem mais e mais provas concretas”,
detalhou. Revisa pessoalmente os dados e se apoia em uma rede de oito amigas e
colegas em diferentes cidades do país. “Graças a Deus, temos WhatsApp”,
afirmou, sorrindo.
Em 2007, junto com outras companheiras, criou o
Grupo Visão Noturna, para promover uma postura independente das autoridades em
questões de saúde vinculadas à prostituição e para exigir respeito com as
trabalhadoras sexuais.
Em 2009, pouco depois de denunciar na delegacia de
uma pequena cidade do interior que duas adolescentes seriam traficadas, um
suposto cliente a convidou para seu carro. Viajaram 20 quilômetros até a
periferia. “Nove homens me deram uma surra. Fiquei 11 dias sob cuidados
intensivos e três meses sem poder caminhar”, contou. Depois da recuperação,
“voltei a denunciar o mesmo crime”, destacou. Ela sofre ameaças de morte e
disse que alguma pode se concretizar.
Na zona oeste de Montevidéu, terminais de ônibus,
parques, autopistas, cantinas e até casas particulares são os locais onde se
comete crimes sexuais contra meninas e meninos, diz o informe Um Segredo Em
Voz Alta, escrito por Purtscher e outros sete especialistas que
entrevistaram mais de 50 pessoas.
A área está atraindo grandes investidores e mão de
obra masculina, o que pode agravar a situação, mas carece de mecanismos para
ajudar as vítimas, segundo várias fontes. Tampouco o país os possui. Um
programa governamental de assistência criado em 2013 com esse fim está sem
financiamento e conta com apenas duas equipes próprias. Essa lenta resposta
oficial exaspera Núñez Rodríguez. “Quando uma criança é explorada, não se pode
esperar”, afirmou.
Por todos os lados
Denunciar é perigoso, mas esses crimes e suas
vítimas não estão ocultos. A fotógrafa belga Susette Kok registrou muitos
locais públicos em uma exibição e um livro em que retrata 27 pessoas que foram
vítimas infantis de exploração sexual e agora, invariavelmente, são
trabalhadoras sexuais.
“Foi muito fácil encontrar a exploração. Está por todos
os lados”, disse à IPS.
A “casinha do amor”, um conjunto de muros em
pedaços, com o chão coberto por camisinhas usadas, aparece ao lado de uma
igreja em Fray Bentos, no sudoeste uruguaio. Um enferrujado “contêiner de
paixões” emerge em uma instalação esportiva e, outra vez, ao lado de uma
igreja, à entrada de Young, no ocidente do país.
Dezenas de lugares semelhantes se espalham pelo
país: um banco em um campo de futebol da vizinhança, uma grossa árvore junto a
uma ponte, que a ironia batizou de “sexo ecológico”, cabanas, clubes e “bares
de camareiras”.
Fonte: ENVOLVERDE
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