TTIP, tirem as mãos da comida!
artigo de Esther Vivas.
Uma ameaça paira sobre as políticas agroalimentares
na Europa. Trata-se do Tratado de Livre Comércio entre os Estados Unidos e a
União Europeia, mais conhecido como TTIP, a sua sigla em inglês, a longa sombra
do agronegócio que se estende do campo ao prato. Como vampiros em busca de
sangue, as multinacionais do setor esperam lucrar, e muito, com estas novas
medidas de liberalização comercial.
Mas o que é o TTIP? Trata-se de um tratado
negociado em segredo durante meses, escondido do público, pendente de aprovação
pelo Parlamento Europeu, com uma campanha de marketing em marcha, e que tem
como objetivo final igualar em baixa as legislações de ambos os lados do
Atlântico em benefício único das grandes empresas. As suas consequências: mais
desemprego, mais privatizações, menos direitos sociais e ambientais. Em resumo,
servir numa bandeja os nossos direitos ao capital.
E, em matéria agrícola e alimentar? As empresas do
setor, desde as companhias de sementes passando pela indústria biotecnológica,
de bebidas, pecuária, alimentar, de rações… são as que mais têm pressionado a
seu favor, à frente inclusive do lóbi farmacêutico, automobilístico e
financeiro. Está muito em jogo para multinacionais como Nestlé, Monsanto, Kraft
Foods, Coca Cola, Unilever, Bacardi-Martine, Cargill, entre outras. Dos 560
encontros consultivos da Comissão Europeia para a aprovação deste Tratado, 92%
realizaram-se com grupos empresariais, 26% com instituições de interesse
público. Como indica um relatório do Corporate European Observatory: “Por cada
reunião com um sindicato ou um grupo de consumidores, houve 20 com empresas e
federações industriais”.
Se o Tratado de Livre Comércio entre os Estados
Unidos e a União Europeia for aprovado, que impacto terá na nossa mesa?
Mais transgênicos
A entrada massiva de transgênicos na Europa será
uma realidade. Apesar de hoje já importarmos um número considerável de
alimentos transgênicos, em particular rações para o gado e muitos produtos
transformados que contêm derivados de soja e milho transgênico, como lecitina,
óleo e farinha de soja, xarope e farinha de milho, a aprovação do TTIP
significará um aumento dessas importações, especialmente das primeiras, e
inclusive a entrada de transgênicos que na atualidade não são autorizados pela
União.
Há que ter em conta que a legislação
norte-americana é muito mais permissiva que a europeia tanto no cultivo como na
comercialização de Organismos Geneticamente Modificados. Nos Estados Unidos,
por exemplo, a rotulagem que identifica um alimento como transgênico é
inexistente, ao contrário da Europa, onde apesar das limitações, as leis
obrigam teoricamente a essa identificação.
Além disso, na União apenas se
cultiva um único alimento transgênico com fins comerciais: o milho MON 810 da
Monsanto, apesar do impacto negativo no meio ambiente que este tem com a
contaminação de outros campos de milho, tanto convencional como ecológico.
Ainda que 80% de sua produção seja levada a cabo em Aragão e na Catalunha, a
maior parte dos países europeus vetam-no. Nos Estados Unidos, pelo contrário, o
número de culturas é muito mais alto. De aqui que a Europa seja um pedaço
apetecido para multinacionais como Monsanto, Syngenta, Bayer, Dupont… e o TTIP
pode tornar isso numa realidade.
Porco, vaca e leite com hormônios
O veto à carne e aos produtos derivados de animais
tratados com hormônios e promotores de crescimento, até ao momento
proibidos na Europa, será levantado, assim como o uso aqui dessas substâncias,
com o consequente impacto na nossa saúde.
Nos Estados Unidos, os porcos e o gado bovino podem
ser medicados com ratopamina, um fármaco usado como aditivo alimentar para
conseguir uma maior engorda do animal, e maior lucro econômico para a indústria
pecuária. Na União, a utilização deste produto e a importação de animais
tratados com o mesmo está proibida, tal como em outros 156 países como China,
Rússia, Índia, Turquia, Egito, ao se considerar que não há dados suficientes
que permitam descartar riscos para a saúde humana. Noutros 26 países, como
Estados Unidos, Austrália, Brasil, Canadá, Indonésia, México, Filipinas, pelo
contrário ele é utilizado.
O mesmo vai acontecer com o uso do hormônio
somatotropina bovina empregada, principalmente, em vacas leiteiras para
aumentar a sua produtividade, e conseguir entre 10% e 20% mais leite. No
entanto, vários são os efeitos secundários associados à sua utilização em
animais (esterilidade, inflamação dos úberes, aumento do hormônio do
crescimento…) e o seu impacto nos humanos (alguns estudos ligam-no a um
incremento do risco de cancro da mama ou da próstata e ao crescimento das
células cancerosas). Por isso, a União Europeia, o Canadá e outros países
proibiram o seu uso e a importação de alimentos de animais tratados com ela.
Mesmo assim, outros países, principalmente os Estados Unidos, utilizam-na. O
que é certo é que a empresa norte-americana Monsanto, a número um das sementes transgênicas,
é a única do mercado que comercializa esse hormônio, com o nome comercial de
Posilac. Que coincidência.
Frangos clorados
A carne de frango “desinfetada” com cloro chegará
também à nossa mesa. Se na Europa se utiliza um método de controlo de doenças
das aves, desde a cria passando pelo seu desenvolvimento e sacrifício até à sua
comercialização, com caráter preventivo, nos Estados Unidos optaram por
otimizar custos baixando os padrões de segurança alimentar. Deste modo, as aves
criadas e sacrificadas são desinfetadas unicamente no final da cadeia,
submergindo-as numa solução química antimicrobiana geralmente à base de cloro
ou, o que é o mesmo, dando-lhes simplesmente “um banho de cloro”. Assim os
frangos ficam “limpos”, sem bactérias, bem branqueados, e o seu tratamento sai
muito mais barato. Uma vez mais, tudo pelo dinheiro.
Mas que consequências pode ter isto para a nossa
saúde? Na União, desde 1997, proíbe-se a entrada de carne de aves de capoeira
dos Estados Unidos, devido a esses tratamentos e aos resíduos de cloro ou
outras substâncias químicas empregadas para a sua desinfecção que podem
persistir na carne que depois consumimos. Além disso, a indústria pecuária
norte-americana afirma que estes tratamentos permitem eliminar os microrganismos
patogênicos, no entanto as infecções não diminuem significativamente e
inclusive o uso continuado de desinfetantes pode acabar por provocar
resistências.
Dizem-nos que os padrões de segurança alimentar
norte-americanos são dos mais seguros. Não apontam na mesma direção alguns
relatórios que constatam que uma em cada quatro pessoas, 76 milhões, por ano
nos Estados Unidos adoecem com doenças provocadas pelo consumo de alimentos.
Destas, 325 mil são hospitalizadas e 5 mil morrem. Os peritos assinalam que a maioria
dos casos poderia ser evitado com melhorias no sistema de controlo alimentar.
Tirem as vossas conclusões.
Já vai sendo hora de dizermos ao TTIP: tirem as
vossas mãos sujas da comida!
*Artigo publicado em Publico.es, 31/12/2014.
Tradução de Carlos Santos para Esquerda.net.
**Esther Vivas, Colaboradora Internacional do
Portal EcoDebate, é ativista e pesquisadora em movimentos sociais e políticas
agrícolas e alimentares, autora de vários livros, entre os quais “Planeta
Indignado”. Esther Vivas é licenciada em jornalismo e mestre em Sociologia.
Seus principais campos de pesquisa passam por analisar as alternativas
apresentadas por movimentos sociais (globalização, fóruns sociais, revolta), os
impactos da agricultura industrial e as alternativas que surgem a partir da
soberania alimentar e do consumo crítico.
Para
citar este artigo: "TTIP, tirem as mãos da comida! artigo de Esther
Vivas," in Portal EcoDebate, 15/01/2015, http://www.ecodebate.com.br/2015/01/15/ttip-tirem-as-maos-da-comida-artigo-de-esther-vivas/.
Fonte: EcoDebate
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