Transposição do rio Paraíba é uma
política pública míope.
por
Redação do IHU On-Line
Barra do Piraí- RJ, Brasil- Estiagem afeta o rio
Paraíba do Sul . Foto: Tomaz Silva/ Agência Brasil.
“Não é porque São Paulo está precisando de água que
tem de se tomar a decisão de tirar água de outro rio”, frisa o oceanólogo David
Zee.
“Minimizar os prejuízos gerados em relação ao
desperdício de água” durante a produção e distribuição é uma das alternativas a
ser considerada diante da crise hídrica que afeta o estado de São Paulo, diz
David Zee à IHU On-Line, ao comentar a possível transposição do Rio Paraíba do
Sul, que banha os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais para o
sistema Cantareira.
Segundo ele, o desperdício de água no Brasil já alcança uma
média de 40%, sendo que somente em São Paulo perde-se 32% da água, e no Rio de
Janeiro, 38%.
Contrário à transposição como medida imediata a ser
adotada, Zee reitera que “antes de retirar água dos mananciais esgotados,
porque os rios já estão sobrecarregados, é preciso reduzir as perdas e aumentar
a eficiência. Se conseguirmos melhorar em 50% a eficiência, isso significa 20%
de água a mais e talvez seja desnecessária a transposição do Paraíba do Sul”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, o
oceanólogo explica que a transposição está sendo cogitada pela questão da
“facilidade” que o rio Paraíba oferece em termos de localização. Contudo,
adverte, “por ser próximo dos centros consumidores, ele também é extremamente
exigido pela agricultura, pela produção de energia e outros usos. E, se a
transposição for feita, daqui a pouco se corre o risco de faltar água para a
produção de energia elétrica. Se isso acontecer, as termoelétricas terão de
funcionar e o custo da energia aumentará ainda mais”.
Lembrando o caso da transposição do rio São Francisco,
que se estende desde 2007, Zee alerta para o fato de que “muitas vezes se pensa
em fazer uma transposição e se faz um canal artificial ligando um lado a outro
do rio, mas só a extensão do canal precisa de um volume de água enorme para
manter esse canal funcionando. Ocorre que às vezes essa questão não é vista, e
se perde muita água por evaporação”. E acrescenta: “Essa questão precisa ser
discutida, porque antes de uma decisão política é preciso ter um estudo técnico
para mostrar as alternativas, o qual vai contribuir para ajudar a tomar uma
decisão”.
Foto: www.greenmeeting.org
David Zee é graduado em Engenharia Civil pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestre em Oceanografia pela Universidade
da Flórida e doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ.
Confira a entrevista
IHU On-Line – Como avalia a possibilidade de
transposição do rio Paraíba do Sul para Cantareira?
David Zee – Avalio essa situação como uma das últimas
alternativas. Precisamos encontrar alternativas que são de melhor solução antes
de ir diretamente para a transposição. Quais seriam essas alternativas?
Primeiro, as empresas de produção/distribuição de água dos estados deveriam
fazer a lição de casa, ou seja, minimizar os prejuízos em relação ao
desperdício de água — a média no Brasil é de 40% de perda da água produzida.
Em São Paulo, perde-se 32% da água, e no Rio de
Janeiro, 38%, seja por meio da distribuição ou dos “gatos”. Então, antes de
retirar água dos mananciais esgotados, porque os rios já estão sobrecarregados,
é preciso reduzir as perdas e aumentar a eficiência. Se conseguirmos melhorar
em 50% a eficiência, isso significa 20% de água a mais e talvez seja
desnecessária a transposição do Paraíba do Sul. Antes de retirar da natureza,
temos de pensar o que é possível fazer.
IHU On-Line – Pode explicar as características da
Bacia do rio Paraíba e por quais razões se cogita a transposição dessa bacia?
David Zee – Pela simples localização geográfica,
próxima ao centro consumidor, próxima dos equipamentos que eventualmente as
empresas produtoras de água têm. Então, a escolha do Paraíba é uma questão de
facilidade que o rio fornece em termos de localização. Mas, ao mesmo tempo, por
ser próximo dos centros consumidores, ele também é extremamente exigido pela
agricultura, pela produção de energia e outros usos. E se a transposição for
feita, daqui a pouco se corre o risco faltar água para a produção de energia
elétrica. Se isso acontecer, as termoelétricas terão de funcionar e o custo da
energia aumentará ainda mais. Então, mais do que nunca percebemos o valor da
água não somente em termos de necessidade humana, mas seu valor econômico.
Portanto, é preciso que o homem não desperdice a água e a utilize
planejadamente.
IHU On-Line – A transposição pode solucionar em
parte os problemas de São Paulo, mas gerar problemas de abastecimento em outros
estados, como para o Rio de Janeiro posteriormente?
David Zee – Sem dúvida alguma. A questão não está restrita
somente à cidade do Rio de Janeiro. O rio Paraíba passa por vários municípios
fluminenses e mineiros, e ambos os lados precisam de água para movimentar suas
indústrias, suprir as necessidades da agricultura, sem falar na questão da água
para as cidades ribeirinhas. Então, mesmo que ocorra a transposição, como São
Paulo concentra um número muito grande de pessoas, cada vez vai se pedir mais
água. Ou seja, as políticas públicas são feitas de uma maneira míope, somente
olham para as necessidades sem lembrar que o rio atravessa três estados e que
outras pessoas também precisam de água.
Por isso se faz necessário desenvolver políticas
públicas mais integradas e, em segundo plano, ter uma participação maior da
sociedade consumidora. Um bom exemplo dessa comunicação integrada entre setores
é o Comitê de Bacias. O problema é que o Comitê de Bacias fica a desejar em
relação à demora entre a tomada da decisão e a realização do que foi decidido.
É preciso mais agilidade nesse aspecto e é preciso pensar algo intermediário em
relação à crise hídrica: nada tão pulverizado em termos de opiniões, mas também
não tão centralizado. Deve haver um meio termo. A natureza está se esvaindo e
um dos fatores que temos de levar em consideração é o tempo para executar o que
foi decidido.
IHU On-Line – Que estudos técnicos deveriam ser
feitos antes de fazer a transposição?
David Zee – Não somente aqueles ligados aos aspectos
climáticos, geográficos e culturais, mas aos aspectos sociais e de política de
desenvolvimento, que devem ser pensados porque não haverá recursos suficientes
para todas as demandas que estão se colocando. Essas demandas estão se
colocando de uma forma independente, sem analisar o conjunto, ou seja, quais
seriam as medidas mais benéficas e economicamente viáveis? A resposta está
ligada à sustentabilidade. O princípio da sustentabilidade está num tripé, em
que se mantém o meio ambiente junto com a questão das demandas das necessidades
humanas e a viabilidade econômica, a qual passa por questões de equipamentos,
de técnicas, de recursos e de políticas públicas que estão carecendo de uma
visão integrada.
IHU On-Line – Quais as implicações ambientais da
transposição, tendo em vista o exemplo da transposição do rio São Francisco,
que se estende por anos? Diante da crise hídrica, há tempo para realizar uma
obra dessa magnitude?
David Zee – Há várias questões a serem consideradas e uma delas
é a questão técnica. Muitas vezes se pensa em fazer uma transposição e se faz
um canal artificial ligando um lado a outro do rio, mas só a extensão do canal
precisa de um volume de água enorme para manter o canal funcionando. Ocorre que
às vezes essa questão não é vista, e se perde muita água por evaporação. Além
disso, existe uma questão financeira: o Brasil tem muitas ideias e pouco
dinheiro para colocá-las em prática. A terceira questão é a do tempo:
eventualmente agora há essa necessidade, mas talvez com o tempo se perca essa
necessidade.
Então, são vários problemas que devem ser
efetivamente vistos e considerados. Não é porque São Paulo está precisando de
água que tem de se tomar a decisão de tirar água de outro rio. Essa questão
precisa ser discutida, porque antes de uma decisão política é preciso ter um
estudo técnico para mostrar as alternativas.
IHU On-Line – Além dos problemas de gestão e
administração que o senhor mencionou, a crise hídrica tem alguma relação com as
mudanças climáticas?
David Zee – A falta de água começa pelo uso antrópico, ou
seja, o uso do homem. Como a população é muito grande e há uma demanda alta em
regiões do Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais), não tem água
para toda a população. Esse é o primeiro problema. O segundo problema é
agravado pelas mudanças climáticas, mas elas podem variar ao longo do tempo.
Por essa razão, as mudanças climáticas contribuem para a crise hídrica, mas num
segundo plano. A demanda e a necessidade fazem com que se tomem decisões intempestivas
e nem sempre as mais adequadas.
Fonte: IHU On-Line
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