Clamor na COP 20: “Os povos
indígenas somos a terra”.
por
Milagros Salazar, da IPS
Viúvas de dirigentes assassinados da comunidade
peruana asháninka de Alto Tamaya-Saweto e defensores dos direitos humanos dos
indígenas erguem sua voz em protesto e reclamam a titularidade de suas terras,
na COP 20, em Lima. Foto: Milagros Salazar/IPS.
Lima, Peru, 8/12/2014 – O clamor dos povos
indígenas pelo reconhecimento de suas terras ancestrais ecoou entre as reuniões
dos delegados de 195 países na 20ª Conferência das Partes (COP 20) da Convenção
Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática. “Quero meu território ali
vivo, ali como, ali estão meus santos avós”, gritou cheia de raiva a asháninka
Diana Ríos.
A jovem de 21 anos é filha de Jorge Ríos, um líder
indígena que foi assassinado em setembro por defender as florestas de sua
comunidade Alto Tamaya-Saweto, na região Ucayali da selva peruana.
Sua morte e
a de outros três dirigentes da região são atribuídas por seus familiares aos
cortadores ilegais de árvores. Por isso exigiram, no dia 5, nas instalações da
COP 20, a titulação de suas terras.
Como os asháninkas, a demanda indígena global na
conferência anual da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática
(CMNUCC) se centra no reconhecimento de seus territórios, e com isso na
proteção das florestas e no respeito aos conhecimentos ancestrais e direitos
coletivos dos povos indígenas.
Falta entregar títulos de posse de cerca de cem
milhões de hectares nos oito países da Amazônia sul-americana, segundo dados da
Coordenadoria de Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica). No Peru, de
onde clamam sua dor as viúvas da comunidade Alto Tamaya-Saweto, ainda há 663
comunidades nativas sem títulos de propriedade, de acordo com o não
governamental Instituto do Bem Comum.
A demanda pela titulação de terras está relacionada
com a implantação dos projetos e programas do mecanismo de Redução de Emissões
por Desmatamento e Degradação das Florestas (REDD) para países do Sul em
desenvolvimento. Nos acordos adotados na COP 16, realizada no balneário mexicano
de Cancún, em 2010, precisamente foram incluídas salvaguardas para evitar danos
sociais ou ambientais nos territórios indígenas onde se desenvolve a REDD.
Na COP 20, que acontece em Lima, no Peru, as
organizações indígenas exigem que os Estados parte incluam nos informes sobre
as salvaguardas, que devem apresentar perante a CMNUCC, indicadores sobre
biodiversidade, saúde dos povos, titulação de terras e conhecimentos
ancestrais, entre outros aspectos, destacou Grace Balawag, do povo kankanaey,
das Filipinas.
Esses e outros indicadores permitirão medir a
participação plena dos povos originários na mitigação do aquecimento global,
disse à IPS a Balawag, vice-presidente da Aliança Global dos Povos Indígenas
sobre a Mudança Climática e o Desenvolvimento Sustentável. Ela pediu, junto a
outros companheiros nativos, que os povos indígenas sejam incorporados nos
sistemas nacionais de monitoramento florestal, já que demonstraram ser capazes
de conservar suas terras graças aos seus conhecimentos ancestrais.
A Aliança participa desde 2009 das conferências
internacionais sobre o tema e inclui 17 organizações indígenas de 13 países da
África, América Latina e Ásia, que enfrentam diversas ameaças a seus
territórios.
Em alguns casos, as comunidades indígenas sofrem o
impacto das atividades extrativistas, como mineração ou petróleo, apontou à IPS
Tarcila Rivera porta-voz do Enlace Continental de Mulheres Indígenas das
Américas e também presidente do Centro de Culturas Indígenas do Peru
(Chirapaq). Os povos originários devem enfrentar atividades ilícitas que
colocam em risco a vida de suas populações, ressaltou à IPS.
Mais de 93% das atividades de mineração, petróleo,
gás, exploração florestal e agricultura estão em territórios habitados por
povos indígenas e comunidades locais em oito países com florestas tropicais, de
acordo com a pesquisa da consultoria Projeto Muden para a Iniciativa Direitos e
Recursos. Os países estudados foram Brasil, Camboja, Colômbia, Filipinas,
Indonésia, Libéria, Moçambique e Peru, segundo o estudo publicado em outubro.
Tais ameaças estão relacionadas com o número de
assassinatos no mundo de líderes indígenas, que lutaram pela proteção do
ambiente e da terra. Entre 2002 e 2013, houve 908 assassinatos de ativistas no
mundo, segundo o informe Deadly Environment (Ambiente Mortal). O Brasil é o
lugar mais perigoso, com 448 do total, seguido de Honduras com 109 e Filipinas
com 67.
Embora o reconhecimento dos territórios indígenas
seja uma demanda global, existem diversas modalidades e estratégias cobradas
por esses povos, pontuou Balawag. Em alguns países se pede a titulação de
terras, como no caso peruano, em outros a delimitação das áreas ancestralmente
reconhecidas, como nas Filipinas, e também há casos nos quais se exige o
cumprimento de acordos assinados com os Estados por disputas territoriais, como
acontece em Bangladesh.
“Se a terra não é titulada e se chega a implantar
um programa de REDD, como podemos receber os benefícios? Isso está relacionado
com os benefícios, mas também com nossa sobrevivência. Inclusive podemos ser
desalojados pelos governos e pelas corporações privadas”, afirmou Mrinal
Tripura, da organização Maleya Foundation, de Bangladesh. Ele disse à IPS que o
governo de seu país não reconhece o sistema tradicional dos indígenas, e que não
se sentem representados nas negociações da COP 20.
As reclamações também chegam da África. “Os povos
indígenas são a terra, mas o Estado não respeita a forma tradicional como a
manejamos. Por isso a titulação é a única estratégia que nos resta para que nossos
territórios sejam respeitados”, afirmou à IPS o maasai Stanley Kimaren Riamit,
diretor-executivo da organização Indegenous Livelihoods Enhancement Partners,
do Quênia.
“Os investidores do carbono estão interessados em
que, antes de investirem na REDD, haja clareza sobre a propriedade dos
territórios, porque as árvores crescem na terra e a terra pertence a alguém,
acrescentou Riamit. É um argumento que parece simples, mas que resulta ser uma
verdade incômoda para vários Estados nas negociações da COP 20, que acontece em
instalações removíveis levantadas em uma área militar do sul da capital
peruana.
Fonte: Envolverde
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