A defasagem ecológica das
universidades.
por André
Trigueiro*
Se a ciência nos revela concretamente o risco
crescente de um colapso em escala global, importa reconhecer em sala de aula os
eixos de sustentação da vida e ajustar a nossa cultura á resiliência do
planeta. Foto: http://www.shutterstock.com/
No post anterior, denunciei o
analfabetismo ambiental presente na formação da maioria dos jovens nas escolas
e universidades do Brasil, e o evidente despreparo das novas gerações para
enfrentar os gigantescos desafios diante da maior crise ambiental da História
da Humanidade. Compartilhei preocupações pontuais e sugestões para que que
fosse possível erradicar esse analfabetismo ambiental nas escolas.
Hoje falaremos da situação nas universidades.
É flagrante o desconhecimento de novos engenheiros,
economistas, advogados, jornalistas, agrônomos, professores e outros
profissionais recém-chegados ao mercado sobre o senso de urgência que todos
deveríamos ter para corrigir o rumo, reinventar protocolos em favor de um
modelo de civilização mais consciente e responsável. Além de eventuais ajustes
nos conteúdos pedagógicos dos respectivos cursos, é preciso estimular a mudança
de hábitos, comportamentos, estilos de vida e padrões de consumo – não seria
exagero dizer “mudar quase tudo” – para que evitemos, no mínimo, os piores
cenários que já se vislumbram pela frente.
Se causamos (ou agravamos) o aquecimento global, a
escassez de água doce e limpa, a desertificação do solo, a destruição da
biodiversidade, o consumismo desvairado, a produção monumental de lixo, dentre
outras tragédias em curso – conforme inúmeras evidências acachapantes para
nossa espécie, a única dotada de razão – não é possível admitir que se faça
mais do mesmo. Uma das áreas estratégicas para operar essa mudança em escala
global é justamente as universidades.
Manter as atuais grades curriculares (em boa parte
dos casos remanescentes do século passado com quase ou nenhum ajuste nos
conteúdos disponibilizados) significa perpetuar o atraso.
Vejamos o que acontece, por exemplo, no ensino de
economia, talvez a área do conhecimento mais refratária à esses ajustes, apesar
do belo trabalho realizado pelos professores José Eli da Veiga e Ricardo
Abramovay (Universidade de São Paulo), Ladislau Dowbor (Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, PUC-SP), Sérgio Besserman Vianna (PUC-RJ), Carlos
Eduardo Frickmann Young (Universidade Federal do Rio de Janeiro), entre outros
poucos.
Como é possível imaginar que na maioria das escolas
de economia do Brasil, segundo tenho apurado com gente da área, os estudantes
sejam privados do conhecimento de certos conceitos importantíssimos e
referenciais para a compreensão do nosso tempo, como os relacionados abaixo?
- Desenvolvimento Sustentável:
importantíssimo divisor de águas na História do pensamento econômico, que vem
inspirando uma ampla revisão das chamadas “externalidades”, em benefício das
pessoas, do ambiente onde elas estão inseridas, e da resiliência do próprio
negócio.
- Economia Verde: conceito que abrange de
forma objetiva outras variáveis do “Desenvolvimento Sustentável” e vem
norteando os debates internacionais da ONU sobre economia.
– TEEB (do inglês “The Economics of Ecosystems
and Biodiversity”, metodologia desenvolvida com a ajuda da equipe do
economista indiano Pavan Sukdev e adotada pelas Nações Unidas como modelo para
estabelecer valores monetários aos chamados “serviços ambientais” prestados
pelas florestas, manguezais, bacias hidrográficas etc.)
– Economia de Baixo Carbono: conjunto de
políticas e iniciativas que estimulam as fontes limpas e renováveis de energia
em detrimento dos combustíveis fósseis. Empresta sentido ao questionamento dos
subsídios que ainda irrigam generosamente a s indústrias do petróleo, do carvão
e do gás.
São alguns dentre tantos exemplos de inovação do
pensamento econômico solenemente ignorado por boa parte das universidades
brasileiras. Não é exclusividade das escolas de economia. Essa crítica construtiva
alcança indistintamente todas as áreas do conhecimento, que se movem
vagarosamente (quando se movem) na direção que importa, que é a da formação
responsável de novos profissionais mais qualificados para compreender a
dimensão da crise e enfrentá-la com propriedade.
Somos cúmplices de um sistema falido que não
enxerga – ou não quer enxergar – saídas, outras possibilidades, outras
profissões e especializações. Se não abrimos espaço para o novo com a agilidade
necessária – e o novo neste caso tem evidentemente um componente “subversivo”,
“ameaçador” para as velhas estruturas, inclusive dentro da Academia – como
desconstruir o atual modelo em favor de outro, mais justo e sustentável?
Se a ciência nos revela concretamente o risco
crescente de um colapso em escala global, importa reconhecer em sala de aula os
eixos de sustentação da vida e ajustar a nossa cultura á resiliência do
planeta. Isso só será possível onde sejam lançadas as sementes de uma nova
civilização. A universidade é uma sementeira por excelência. Reduzir a função
do ensino superior à mero provedor de mão de obra para as demandas do mercado,
tal qual uma olaria que despeja tijolos sob medida de acordo com as urgências
imediatistas da construção, é mediocrizar o ensino superior.
A universidade deve ser também o espaço da livre
formulação de ideias, do pensamento crítico, do questionamento dos modelos e
das convenções. Assim nascem os gênios, aliás, quanto maior a capacidade de
surpreender e inovar, maior a genialidade.
Para acelerar o passo na direção de uma nova
universidade mais sensível aos limites do planeta e à formação de novos
profissionais, é preciso redesenhar as rotinas acadêmicas. Sem afrontar a
autonomia de cada Departamento, a UNB e a PUC-RJ inovaram.
A Universidade de Brasília criou em 1995 o Centro
de Desenvolvimento Sustentável (CDS), um “espaço acadêmico cuja missão é
promover a ética da sustentabilidade, por meio do diálogo entre saberes, da
construção do conhecimento e da formação de competências”.
A PUC do RJ lançou em 1999 o Núcleo
Interdisciplinar de Meio Ambiente (Nima), que elegeu como missão tornar a
instituição “referência nacional e internacional em meio ambiente, contribuindo
através da ciência e da educação para o desenvolvimento sustentável, visando
estabelecer a interação entre a universidade e o meio, e entre sociedade e
natureza”.
Conheço as duas experiências. Sou professor da
PUC-RJ há 10 anos onde acompanho sempre que possível as atividades do Nima, e
já estive mais de uma vez participando de eventos do CDS da Universidade de
Brasília. São iniciativas muito interessantes que merecem visibilidade.
Uma ligeira visita aos sites desses núcleos
universitários revela a contundência com que ambos os projetos promovem outra
visão de mundo, outras ferramentas metodológicas para a compreensão da
realidade que nos cerca e, assim, posicionar a universidade no nível onde ela
precisa estar, especialmente em tempos de crise: a de farol que ilumina a
civilização na busca de respostas efetivas para problemas complexos.
A universidade não tem o poder de salvar o mundo.
Mas sem ela, tudo fica mais difícil.
* André Trigueiro é jornalista com
pós-graduação em Gestão Ambiental pela Coppe-UFRJ onde hoje leciona a
disciplina geopolítica ambiental, professor e criador do curso de Jornalismo
Ambiental da PUC-RJ, autor do livro Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia
para um Planeta em Transformação, coordenador editorial e um dos autores dos
livros Meio Ambiente no Século XXI, e Espiritismo e Ecologia, lançado na Bienal
Internacional do Livro, no Rio de Janeiro, pela Editora FEB, em 2009. É
apresentador do Jornal das Dez e editor chefe do programa Cidades e Soluções,
da Globo News. É também comentarista da Rádio CBN e colaborador voluntário da
Rádio Rio de Janeiro.
Fonte: Mundo Sustentável
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