O futuro das grandes cidades,
mantido o rumo atual, não tem nada de otimista.
por Pedro
Ribeiro Nogueira, do Portal Aprendiz
Quando discutimos a cidade, “é da vida, do tempo
perdido, mas também da morte, literalmente, que estamos tratando”, critica
Ermínia Maricato, professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo (FAU-USP). Foto: shutterstock.
“É a questão urbana, estúpido!”, foi o título do
artigo que Ermínia Maricato, professora titular da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), entregou para a compilação de
artigos “Cidades Rebeldes”, publicada na ressaca de junho de 2013 pela Boitempo
Editorial. A escolha do título, uma paródia da frase do publicitário político
americano James Carville, revela o tom adotado por Maricato para se fazer
escutar: crítica, certeira e bem-humorada.
Durante sua fala no Simpósio Urbanismo Ecológico,
organizado pela Harvard School of Design, no Centro Cultural Vergueiro, no dia
último dia 14, a urbanista criticou a gestão das cidades e seus recursos nos
últimos anos e apontou cenários nada animadores.
Indignada com a falta de água em São Paulo e com a
divisão entre a “a cidade que não importa” e a “cidade especulativa e
rentista”, Maricato voltou a sua tese de que uma Reforma Política ampla é
essencial para pensarmos um novo modelo de cidade. Afinal, entre os maiores
financiadores de campanha estão as empreiteiras e construtoras, que depois
“irão cobrar favores”.
A proeminência da questão urbana, jogada em segundo
plano nas eleições é, para ela, algo lamentável. Quando discutimos a cidade, “é
da vida, do tempo perdido, mas também da morte, literalmente, que estamos
tratando”. Após sua palestra, o Portal Aprendiz conversou com a urbanista.
Portal Aprendiz: Você fez uma fala bem pessimista…
Ermínia Maricato: Sim, mas no final eu fui até otimista.
Portal Aprendiz: É verdade, mas qual é a sua visão
a respeito do futuro das grandes cidades brasileiras?
Ermínia: O futuro das cidades brasileiras, especialmente
das metrópoles, mantido o atual rumo não tem nada para alimentar o otimismo. O
que nós tivemos foram mais de duas décadas sem investimentos – por conta da
ideologia neoliberal e pela crise fiscal no Brasil. Quando o investimento vem,
como na primeira década desse século, ele chegou na habitação, saneamento e
transporte, mas tivemos um assalto dos capitais sobre a cidade.
Mas que assalto é esse? Em primeiro lugar, o setor
imobiliário e de construção de infraestrutura, que estão muito ligados ao
financiamento de campanhas eleitorais. E isso não só na esfera federal, mas
também no plano municipal. Nós sabemos que a bancada do setor imobiliário é
muito forte no Congresso Nacional, uma das maiores. Em segundo lugar, crescer
as taxas de emprego infelizmente significa apoiar a indústria automobilística.
No mundo inteiro, com exceção da Dinamarca, é assim. E no Brasil isso
significou uma tragédia para as cidades.
Nós somamos e acumulamos obras inadequadas,
rodoviaristas, desnecessárias e superfaturadas. O resultado? Hoje temos o dobro
da quantidade de automóveis nas ruas que tínhamos há dez anos. E tudo isso sem
a reforma fundiária que está prevista na legislação brasileira. O mais incrível
é que o Estatuto da Cidade, a Constituição de 1988 e toda legislação federal
que conquistamos recentemente são desconhecidas pelo judiciário.
Não fosse junho de 2013 eu estaria muito pessimista
com o futuro das cidades. E é preciso lembrar para quem culpa a Dilma por tudo
que a questão metropolitana é de responsabilidade estadual e a questão urbana –
uso do solo, transporte, saneamento – é municipal. É uma questão federativa e
estamos órfãos de pai e mãe.
Portal Aprendiz: E o Plano Diretor Estratégico
(PDE) de São Paulo mencionado por você. Ele pode ser considerado um ponto de
inflexão, uma garantia de regulação?
Ermínia: O PDE não garante nada, ele é uma ajuda, mas não é
suficiente. Lei nesse país não significa conquista definitiva. O que precisamos
é que ele seja implementado. Como esse foi conquistado com mobilização social –
e eu falo tranquilamente que temos em São Paulo um governo honesto e bem
intencionado -, temos alguma chance de fazer algo na cidade. Não é a única via,
mas temos uma chance de melhorar a vida de uma cidade muito, muito, muito
prejudicada.
Portal Aprendiz: E como São Paulo vai sobreviver à
questão da falta d’água?
Maricato: A nossa mídia está agindo contra o interesse
público – disso não resta a menor dúvida. Ela está desinformando a população e
isso pode virar uma tragédia de proporções inimagináveis. O que me assusta é
que a sociedade não está sendo informada sobre o que está acontecendo com os
recursos hídricos e só sente quando a água falta na torneira, o que acontece
sempre primeiro na periferia. Mas agora essa realidade está chegando no centro
e nos bairros ricos. A população é tratada como idiota e é totalmente
manipulada pela falta de informações. Ninguém sabe o que fazer.
Fonte: Portal Aprendiz
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