Crise energética: governo federal
segue amarrado aos velhos modelos de geração de energia.
por Ricardo Machado e João
Vitor Santos, do IHU On-Line
“O mundo já saiu na frente, buscando as
alternativas para a questão da diversificação de fontes genuinamente limpas
para gerar energia elétrica. E o Brasil? Não saiu do lugar”, diz a especialista
Telma Monteiro.
Na mesma proporção que cresce o risco de um
apagão no Brasil, o governo federal se agarra a velha política energética: se
há risco de faltar energia, constrói-se mais hidrelétrica. Na prática, não se
percebe um aumento substancial de energia nos sistema para atender a demanda
que cresce a cada ano. E os impactos das novas hidrelétricas é negativo, velho
e conhecido, pago apenas pelas comunidades vizinhas aos empreendimentos – e que
ainda assim também são assombrados pelo fantasma do apagão.
É a ponta de um modelo em que privilegia apenas grandes consumidores, com o engodo de estar mantendo a economia acesa, como destaca Telma Monteiro.
“Essa energia, acrescentada e ainda a acrescentar
com os projetos em fase de estudos e licenciamento, não parece direcionada para
suprir os rincões miseráveis isolados do país, ou para diminuir a desigualdade,
ou fortalecer comunidades. Na verdade, vai abastecer os grandes consumidores de
energia que têm prioridade e privilégios concedidos pelo governo que nada mais
quer a não ser bancar um crescimento”, destaca em entrevista concedida por
e-mail à IHU On-Line.
Telma ainda lembra que o governo tem recursos que
poderiam ser mais bem aplicado em desenvolvimento de projetos de geração de
energia através de fontes alternativas. Assim, romperia com um velho sistema.
“Grande parte dos encargos cobrados nas contas de luz vão para pesquisas.
Portanto, teoricamente, o problema do não incentivo às fontes alternativas não
pode ser técnico. A Conta de Desenvolvimento Energético – CDE, o Programa de
Incentivo às Fontes Alternativas – PROINFA e o P&D Pesquisa e
Desenvolvimento e Eficiência Energética são três encargos que incidem na conta
de luz. As alternativas como a energia eólica e solar fotovoltaica nunca foram
parte consistente do planejamento sempre ruim do Ministério de Minas e Energia
– MME”, completa.
E se falta clareza na verdadeira política
energética do governo federal, seguem os apagões sem uma explicação definitiva.
“Motivo? Será apurado, mas já adianto que divulgarão uma mentira e os
relatórios que apontarão as falhas não serão públicos ou se forem não terá
transparência. Eles sempre fazem isso: distorcem a realidade. Não faltou
energia, a falha foi no sistema de transmissão que opera no limite de sua
capacidade, que não tem a necessária manutenção, que está obsoleta e
sucateada”, pontua Telma. Enquanto isso, o ministro de Minas e Energia, Eduardo
Braga, dá uma demonstração de seu planejamento e diz que é Deus quem deve
resolver a crise energética mandando chuva para o Brasil. “Estamos à beira de
um colapso. As autoridades ainda vão atribuir ao calor e falta de chuvas os
problemas de abastecimento de energia. Não duvido nem um pouco se começarem a
dizer que o atraso das obras das hidrelétricas em construção na Amazônia”.
Telma Monteiro é especialista em análise de
processos de licenciamento ambiental.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – As insuficiências na
proposição de alternativas à questão energética por parte do Ministério de
Minas e Energia decorrem de uma deficiência técnica da pasta ou se trata de uma
decisão política?
Telma Monteiro - O mundo já saiu
na frente, buscando as alternativas para a questão da diversificação de fontes
genuinamente limpas para gerar energia elétrica. E o Brasil? Não saiu do lugar,
não foi buscar e as perspectivas de incentivos para eólica e solar fotovoltaica
são praticamente nulas.
Comecemos pelas usinas no rio Madeira que foram
impostas à sociedade com o argumento de que estaríamos à beira do apagão se
elas não fossem construídas. O mesmo argumento foi usado para justificar Belo
Monte. O mesmo está sendo usado para também justificar as usinas no rio Tapajós
e as do rio Teles Pires. No entanto, esse “a beira do apagão” não fez com que
investimentos substanciais se direcionassem para as alternativas. Até agora foi
um pálido movimento do governo nessa direção. Não há deficiência técnica no que
tange às eólicas e solar fotovoltaica.
Basta dar um giro pela Europa e constatamos a
geração a partir dessas fontes e, o que é melhor, de forma descentralizada.
Nada de longos sistemas de transmissão como temos no Brasil, onde uma linha
como a que liga as usinas do Madeira tem 2.450 quilômetros para chegar em São
Paulo. Se houvesse geração descentralizada com as fontes alternativas nós não
precisaríamos desse linhão.
Grande parte dos encargos cobrados nas contas de
luz vão para pesquisas. Portanto, teoricamente, o problema do não incentivo às
fontes alternativas não pode ser técnico. A Conta de Desenvolvimento Energético
– CDE, o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas – PROINFA e o P&D
Pesquisa e Desenvolvimento e Eficiência Energética são três encargos que
incidem na conta de luz. Isso já deveria ter nos poupado de ficarmos refém de uma
única fonte, a hídrica, que nos custa a saúde dos rios amazônicos, a vida de
centenas de milhares de desalojados compulsórios, a paz dos indígenas em suas
terras imemoriais e o desequilíbrio do clima regional em decorrência dos
impactos ambientais. Veja os problemas e prejuízos causados pelas usinas Santo
Antônio e Jirau que agravaram as cheias do rio Madeira.
No entanto, as mega obras que satisfazem políticos corruptos e empreiteiras sequiosas por empreendimentos que consomem muito concreto e aço e que precisam remover milhares de metros cúbicos de rochas é que determinaram a escolha da energia gerada por hidrelétricas. Desde 2002, 2003 e 2014, período de implantação das primeiras hidrelétricas da era Lula e Dilma, Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, não houve a mínima preocupação do governo em incentivar programas de eficiência energética, conservação e economia de energia elétrica. População, indústria e comércio continuaram num festival de consumo, já que o risco de um apagão estaria afastado com as usinas do Madeira.
As alternativas como a energia eólica e solar
fotovoltaica nunca foram parte consistente do planejamento sempre ruim do
Ministério de Minas e Energia – MME. Agora, com o sistema à beira de um
colapso, é necessário que se crie uma nova consciência na população brasileira
sobre para quem realmente vai a energia produzida pelas hidrelétricas e para
que ela está sendo utilizada na verdade.
Fica claro que houve uma decisão política do
governo ao optar continuar explorando uma única fonte em que os beneficiados
são grandes empreiteiras e fabricantes de equipamentos para as hidrelétricas.
Não esqueçamos que as empreiteiras são também as maiores doadoras das campanhas
eleitorais.
IHU On-Line – Para quem realmente está
servindo a energia produzida pelas hidrelétricas construídas nesta última
década e meia no Brasil? Qual o destino da energia produzida?
Telma Monteiro - Na verdade, na
última década, pouca energia hidrelétrica tem sido acrescentada ao Sistema
Interligado Nacional – SIN. No período Lula/Dilma estão em construção as usinas
do rio Madeira, Santo Antônio e Jirau, que estão operando parcialmente, Belo
Monte, no rio Xingu, ainda em construção e que ainda não está operando, UHE
Teles Pires que está começando a operar um terço de sua capacidade, UHE
Estreito, no rio Tocantins, que foi inaugurada por Dilma Rousseff, UHE
Dardanelos, no rio Aripuanã, também em operação, UHE Santo Antônio do Jari, no
rio Jari, em operação. Essas são as principais. Mas o que nos chama a atenção,
realmente, é a retomada, a partir de 2003, do planejamento do governo no
sentido de explorar todo o potencial hidrelétrico dos principais rios
amazônicos.
No entanto, essa energia, acrescentada e ainda a acrescentar com os projetos em fase de estudos e licenciamento, não parece direcionada para suprir os rincões miseráveis isolados do país, ou para diminuir a desigualdade, ou fortalecer comunidades. Na verdade, vai abastecer os grandes consumidores de energia que têm prioridade e privilégios concedidos pelo governo que nada mais quer a não ser bancar um crescimento, insustentável para os brasileiros, apenas para ter competitividade na globalização. Para tanto, optou pelo oportunismo da política de produção de energia estagnada no modelo hidrelétrico: insustentável, cara e suja.
Exemplos desse oportunismo não faltam. A grande
parte da energia gerada pelas hidrelétricas vai para as indústrias
eletrointensivas. São aquelas que beneficiam a bauxita, por exemplo, ou as
indústrias de cimento. Há ainda os autoprodutores[2] que produzem e consomem
energia elétrica como insumo principal e que vendem o excedente no mercado
livre, a preços exorbitantes. Parte dessa energia a ser disponibilizada no
ambiente livre, com altos preços do megawatt/hora, virá das hidrelétricas da
Amazônia (alguns dos consórcios que ganharam os leilões têm na composição
societária autoprodutores) que recebem incentivos durante a construção. Os
consórcios se beneficiam de financiamentos de bancos públicos com juros abaixo
do preço de mercado, isenção de PIS/COFINS durante as obras (Reidi), carência
no recolhimento de Imposto de Renda – IR, se valem de sobrepreços e de aditivos
em contratos de concessão. Pode não ser ilegal, mas é um “negócio” imoral. O
setor industrial, que congrega as indústrias eletrointensivas (alumínio –
inclusive alumina e bauxita, siderurgia – aço bruto, ferroligas, pelotização,
cobre, celulose e papel, soda-cloro, petroquímica e cimento), é responsável por
utilizar 40% do consumo industrial de energia elétrica.
Na verdade, as perspectivas de demanda de energia
elétrica, feitas no passado, não se concretizaram. O planejamento incluiu uma
demanda criada artificialmente. O Plano Decenal de Expansão de Energia – PDEE
está distorcendo a previsão, desde 2012, quando atrela o consumo de energia
elétrica a um crescimento de 5% do PIB. Não chegamos a 1% em 2014. Mesmo assim,
há uma política que continua incentivando, induzindo ou estimulando demanda e,
ao mesmo tempo, disponibilizando oferta ao planejar e construir grandes
hidrelétricas na Amazônia. Ora, como criar e fazer prosperar programas de
eficiência energética, consumo consciente, energias alternativas
descentralizadas quando na verdade a sociedade está sendo induzida a acreditar
que há “tanta” energia disponível? O argumento tem sido o do “apagão nunca
mais”, que insiste em tomar 2001 como exemplo. Então, diante dessa lógica, a
sociedade entende que pode consumir sem freios.
Pois bem, a realidade está falando mais alto. Em
19 de janeiro passado, início deste já fatídico 2015, enquanto eu escrevia uma
parte das respostas desta entrevista à IHU On-Line, o caos aconteceu. Faltou
energia elétrica em 11 estados brasileiros do sul e sudeste e no Distrito
Federal. O Operador Nacional do Sistema – ONS deu a ordem para redução da
carga. Motivo? Será apurado, mas já adianto que divulgarão uma mentira e os
relatórios que apontarão as falhas não serão públicos ou se forem não terá
transparência. Eles sempre fazem isso: distorcem a realidade. Não faltou
energia, a falha foi no sistema de transmissão que opera no limite de sua
capacidade, que não tem a necessária manutenção, que está obsoleta e sucateada.
Basta ler o relatório feito sobre o apagão de 2009. Está tudo lá. Na época
escrevi a matéria que mostrou os problemas apontados no relatório. Aliás, nesta
semana eu atualizei e postei novamente.
Neste momento, estamos à beira de um colapso. As
autoridades ainda vão atribuir ao calor e falta de chuvas os problemas de
abastecimento de energia. Não duvido nem um pouco se começarem a dizer que o
atraso das obras das hidrelétricas em construção na Amazônia, como Belo Monte,
no rio Xingu, é responsável pela falta de energia. Essa desculpa pode até ser o
gatilho para forçar a concessão mais rápida das licenças das usinas planejadas
no rio Tapajós.
Seja qual for a constatação, a verdade é que a
“indústria” de hidrelétricas continua a todo vapor sem considerar que só os
programas de conservação e eficiência energética podem possibilitar uma
economia no consumo de 10%, no mínimo. O governo federal insistirá na
exploração de todo o potencial amazônico de produção de energia hidrelétrica.
Acrescentemos que a falta de investimentos e o sucateamento das redes de
transmissão, distribuição e das subestações são ralos por onde escoam as perdas
de boa parte da energia gerada. E o dinheiro do cidadão que paga seus impostos,
que não tem hospital decente, que não tem segurança, nem transporte de
qualidade.
IHU On-Line – Quais são as diferenças
entre as mega hidrelétricas de Itaipu e Belo Monte? Do ponto de vista
tecnológico e operacional, como se diferenciam?
Tela Monteiro - Tudo é mega nos
dois empreendimentos: as obras, os investimentos, os impactos e a violação dos
direitos humanos. Ambas são consideradas usinas à fio d’água, ou seja, têm
reservatório pequeno em extensão. A diferença é que Itaipu foi construída num
canyon do rio Paraná, logo em seguida à cachoeira de Sete Quedas que foi
destruída pelo empreendimento, e tem uma barragem equivalente a um prédio de
seis andares. Já Belo Monte está sendo construída num rio de planície e embora
se diga que o reservatório é pequeno se comparado a Tucuruí ou Balbina, ele
ocupa todo o leito do Xingu, em Altamira, no Pará, e tornará permanentes as
áreas inundáveis que seriam sazonais.
Podemos comparar alguns números entre as duas
hidrelétricas. O investimento na UHE Belo Monte está atingindo R$ 30 bilhões ou
11,5 bilhões de dólares. Atualizada, Itaipu custou 16 bilhões de dólares. As
escavações de Belo Monte se equiparam às do Canal do Panamá, e o ferro e aço
utilizados em Itaipu poderiam ser usados para construir 380 Torres Eiffel. Mas
há uma diferença. Belo Monte está sendo construída com capacidade de 11 mil
megawatts, mas embora tenha um custo similar à Itaipu, só entregará 4.300
megawatts médios devido à sazonalidade do rio Xingu. Itaipu tem capacidade de
14 mil megawatts e tem entregue 9 mil megawatts médios.
IHU On-Line – Qual impacto ambiental em
cada uma?
Telma Monteiro - No meu entender
os impactos se equiparam. Nenhum projeto hidrelétrico, seja Itaipu ou Belo
Monte, pode ser considerado viável do ponto de vista social e ambiental. Tanto
uma como a outra, levando em conta as épocas em que foram concebidas, Itaipu na
década de 1970 e Belo Monte na década de 1980, são oriundas de um plano pensado
para um futuro exclusivamente calcado sob o ponto de vista econômico.
O desvio das águas do rio Xingu para construir
Belo Monte está impondo uma destruição do ecossistema da região. A Volta Grande
do Xingu, uma joia conhecida pela biodiversidade dos seus pedrais, vai secar.
Com o desvio de 80% da vazão do rio para alimentar a casa de força principal de
Belo Monte, ela permanecerá praticamente seca o ano inteiro. Belo Monte vai
ficar para a história tanto quanto a construção de Itaipu que deixou um rastro
de destruição. O reservatório de Itaipu engoliu 1.500 quilômetros quadrados de
floresta e terras férteis e submergiu uma riqueza natural chamada cachoeira de
Sete Quedas.
O projeto de Belo Monte foi proposto para operar
à custa da redução da vazão de um trecho de aproximadamente 130 quilômetros
chamado de Volta Grande do Xingu. Lá estão localizadas as Terras Indígenas
Paquiçamba, Arara da Volta Grande e Trincheira Bacajá. Cinco municípios estão
sendo diretamente afetados: Vitória do Xingu, Altamira, Senador José Porfírio,
Anapu e Brasil Novo. Os indígenas da TI Paquiçamba e da TI Arara da Volta
Grande são as maiores vítimas dos impactos diretos, pois estão justamente no
trecho da vazão reduzida. O governo ignorou a consulta prévia e a necessidade
de estudos etnoecológicos dos indígenas. Apesar das ações civis públicas
ajuizadas pelo Ministério Público Federal, as terras indígenas continuam sendo
consideradas fora da área de impacto direto de Belo Monte.
Com Itaipu, construída no rio Paraná, se deu fato
semelhante. Os indígenas Guarani do Oeste do Paraná foram simplesmente
ignorados nas décadas de 1970 e 1980, durante a construção de Itaipu. O
resultado foi uma grande mudança na vida desses indígenas. Assim como em Belo
Monte e a população indígena da Volta Grande, nos estudos que precederam as
obras de Itaipu, os Guarani foram omitidos. Somente em 1981, sob pressão, a
Fundação Nacional do índio – Funai contratou um antropólogo para fazer um laudo
que foi totalmente favorável ao governo da época. Identificou apenas cinco
famílias autênticas Guarani. Mobilizados, os Guarani foram em busca de seus
direitos e exigiram terras que compensassem aquelas que Itaipu expropriara. Em
1982, receberam 250 hectares. Esta terra não era suficiente para a sua
sobrevivência. Em 1986, os Guarani denunciaram ao Banco Mundial a expulsão e
expropriação de suas terras. No ano 2000, finalmente, foram adquiridos mais
1.500 hectares, porém longe das terras tradicionais, para reserva dos indígenas
expulsos de Itaipu.
Mais uma vez Belo Monte, no rio Xingu, guarda uma
triste semelhança à Itaipu, pois, tanto numa como na outra, a Funai foi omissa.
Aprovou os estudos falhos, deu seu aval para a construção das hidrelétricas e
desconsiderou completamente os impactos nas populações indígenas. Outro impacto
que aproxima as duas usinas é o que se refere ao desalojamento compulsório de
trabalhadores do campo. Em Itaipu 42.444 pessoas foram compulsoriamente
desalojadas das margens do rio Paraná. Em Belo Monte o número de pessoas pode
chegar a 40.000.
IHU On-Line – Entretanto, como se
aproximam? De que forma correspondem a um modelo desenvolvimentista baseado em
obras de grande impacto ambiental?
Telma Monteiro - Em 1970, uma
ditadura e a ambição governamental por uma economia que levasse o Brasil a ser
uma potência mundial foram os principais indutores para que Itaipu fosse
erguida. Não importava, naquela época, embora estejamos vivendo quase a mesma
situação em relação aos projetos hidrelétricos na Amazônia, que as famílias
fossem compulsoriamente removidas de suas terras e perdessem sua história. Ou que
as terras indígenas sofram impactos que alterarão para sempre sua cultura e sua
sobrevivência.
A fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai
foi a região escolhida para erguer Itaipu. Ali, além de indígenas Guarani,
famílias que sobreviviam de pequenas terras agriculturáveis a cachoeira de Sete
Quedas era um símbolo do poder de um grande rio. Nada faria os órgãos
governamentais envolvidos desistirem de submergi-las. Pensada para custar um
mínimo, ignorando todos os direitos inerentes aos atingidos, o objetivo era o
desenvolvimento baseado em grandes obras. Itaipu foi um marco de outra ditadura
assim como é Belo Monte hoje, imposta pela ditadura da sanha
neodesenvolvimentista da era Lula e Dilma.
IHU On-Line – Que tipo de racionalidade
está por trás deste modelo neodesenvolvimentista?
Telma Monteiro - Entenda. Um
Plano Decenal de Expansão de Energia – PDEE prevê, usando indicadores, o
aumento da demanda de energia. Atualmente, os prognósticos apostam num
crescimento do PIB em mais de 4% ao ano nos próximos 10 anos, contrariando
todos os prognósticos dos economistas. Mas, esse plano decenal é elaborado por
empresas, instituições, associações e autoridades do governo do setor elétrico,
portanto não é de espantar que as projeções que nele constam sejam pródigas em
pontificar a necessidade de projetos hidrelétricos para bancar o crescimento da
economia. Há todo um lobby da cadeia industrial de beneficiamento de
commodities minerais que tem a energia elétrica como seu principal insumo.
O Plano Decenal de Expansão de Energia – PDEE, no
que concerne à energia elétrica, é uma peça de ficção do planejamento do
governo brasileiro projetado para os próximos 10 anos. Ele é elaborado pelo
Ministério de Minas e Energia – MME e a Empresa de Pesquisa Energética – EPE,
com a colaboração de empresas e agentes do setor energético. No final do texto,
podem-se encontrar os agradecimentos aos membros da “Nomenklatura” ou casta
dirigente do setor que manda no Brasil. Cerca de 150 empresas nacionais,
transnacionais, entre elas Vale, Petrobras, Odebrecht, Brasken, Eletrobras,
Eletronorte, Furnas e associações do setor como Associação Brasileira de
Grandes Consumidores, Industria de Energia e de Consumidores Livres – ABRACE,
Associação Brasileira dos Produtores Independente de Energia Elétrica – APINE,
Associação Brasileira de Celulose e papel – BRACELPA e instituições
governamentais, participam do planejamento energético do país.
Você pode procurar na lista do último plano
decenal nomes de organizações da sociedade civil, pesquisadores e
ambientalistas, especialistas da academia e representantes daqueles que sofrem
na carne os impactos das políticas do Ministério de Minas e Energia – MME
calcadas em premissas mirabolantes de crescimento econômico desacompanhado de
sustentabilidade. Tente achar alguma referência aos problemas conjunturais
relacionados à escassez de água no planeta, ao aquecimento global, às mudanças
climáticas ou aos eventos extremos que não poderiam estar descolados de um
planejamento para os próximos dez anos.
Eu já escrevi que fazendo uma menção à Rio + 20 e
“O futuro que queremos” eu só consigo vislumbrar o futuro que essa elite
dirigente quer. Os planos decenais continuam pregando otimismo para tentar
justificar o aumento da oferta de energia elétrica no próximo decênio. A
equação, aumento da população ativa versus aumento do consumo em ritmo maior,
não prevê campanhas de uso consciente de energia. No entanto, a presidente
Dilma Rousseff acenou com descontos na conta de luz, a melhor forma de
contribuir ainda mais com o aumento do consumo.
Com uma previsão de aumento de domicílios
particulares de R$ 62 milhões para R$ 77 milhões em 2021, está implícito nos
planos que os grandes vilões do consumo são a população que utiliza
equipamentos eletrodomésticos e o “sucesso” do Programa Luz para Todos. Apesar
disso, programas de substituição dos chuveiros elétricos e incentivo ao uso de
energia solar em novos empreendimentos de moradia social não estão previstos no
horizonte de planejamento.
Fonte: IHU
On-Line
Nenhum comentário:
Postar um comentário