Preconceito e burocracia impedem
pesquisa científica e uso da maconha medicinal.
Dois pais que decidiram tratar seus filhos com
medicamentos à base de uma substância derivada da maconha – o canabidiol, que
não causa efeitos alucinógenos ou psicóticos – cobram mais agilidade do Estado
na liberação da importação dos remédios. Convidados pelo Conselho Nacional de
Políticas Sobre Drogas, eles participaram ontem (12), em Brasília, de reunião
na qual foi discutido o uso terapêutico do canabidiol e seu enquadramento na
legislação brasileira. Segundo eles, o preconceito em torno das substâncias
psicotrópicas e a burocracia estatal têm impedido que milhares de pessoas
recebam tratamentos que poderiam amenizar o sofrimento e, eventualmente, salvar
vidas.
“Obter da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância
Sanitária] a autorização para importar o canabidiol é muito complicado, mas não
é a única dificuldade que enfrentamos”, disse o médico mastologista, Leandro
Ramirez da Silva. Seu filho Benício, de 6 anos, é portador da Síndrome de
Dravet, uma forma grave de epilepsia. Convencido de que “a medicina tradicional
jamais deu uma chance de recuperação ao meu filho”, o médico decidiu começar a
importar a pasta do canabidiol que, misturada a óleo de gergelim e a iogurte,
dá ao filho.
“Como tem um autismo severo, meu filho não
falava, não ouvia, nem subia uma escada. Hoje, ele faz essas coisas, com
limitações. Ele ainda apresenta um significativo atraso no desenvolvimento, mas
agora há grandes perspectivas [de melhoras]”, comentou o médico, antes de
voltar a reclamar da burocracia e dos altos custos impostos a quem se dispõe a
importar o canabidiol.
“Falta a Anvisa e a Receita Federal se
entenderem. Muitos aeroportos brasileiros não têm postos da Receita Federal,
caso do de Belo Horizonte, onde vivemos. Quando é entregue em um desses locais,
o produto fica retido, e é necessário que a pessoa vá pessoalmente ao aeroporto
retirá-lo, e pague a taxa de custódia”, disse Silva. Segundo ele, uma única
ampola de 10 gramas pode custar entre US$ 350 e US$ 500, dependendo do teor de
canabidiol presente na pasta – o que também influi na durabilidade da ampola,
que é de dois meses e meio, em média. Sobre o valor cobrado é acrescido 60% de
impostos federais e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS), que varia conforme a unidade da Federação.
“Essa burocracia é cúmplice da morte de crianças,
que morrem aguardando a autorização. O risco de morte para nossos filhos é
iminente, e a missão do Estado, dos governos, é facilitar nossa vida, nos
garantindo o acesso”, acrescentou o médico. Silva ainda destacou que, como o
canabidiol consta da lista de substâncias de uso proibido, é muito difícil
obter a receita médica que a Anvisa exige para autorizar a importação da
substância.
“Só em Minas Gerais há cerca de 50 mil médicos.
Eu sei de apenas quatro que prescrevem esses medicamentos”, comentou Silva,
defendendo que o canabidiol seja classificado como substância de controle
especial. “Temos um senso de urgência que precisa ser atendido. Mas o aspecto
moral tem balisado a burocracia estatal, no caso da liberação do canabinóide
para pacientes de doenças graves que não responderam aos tratamentos
convencionais. Por isso, tenho orgulho de dizer que meu filho, de 6 anos, é
maconheiro medicinal. Por entender que a mudança [de paradigmas] deve vir da
sociedade”.
O bancário Norberto Fischer lembrou que
exatamente na terça-feira (11), completou um ano que sua filha Anny, também de
6 anos, tomou a primeira dose de canabidiol. “Até então, eu tinha como que uma
boneca incapaz de fazer qualquer coisa. Ela só comia se colocássemos o alimento
em sua boca e a ajudássemos a engolir. Foi uma mudança milagrosa. Ela está
quase voltando a andar e há oito meses não sofre crise convulsiva. Ela, antes,
chegou a ter entre dez e 12 crises diárias fortíssimas”.
Para Fischer, o receio das autoridades quanto a
eventuais efeitos colaterais futuros não é justificativa para negar melhor
qualidade de vida a pacientes que não responderam aos tratamentos
convencionais. “Há pesquisas que apontam que o canabidiol não tem efeitos
colaterais a médio e longo prazo. Mesmo que houvesse, eu preferiria minha filha
com algum problema no futuro do que morta hoje”, enfatizou.
Fonte: Agência Brasil
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