Conheça soluções para a crise da
água em 6 cidades do mundo.
A crise da água no Sudeste brasileiro, que afeta
milhões de pessoas, desperta discussões sobre mudanças climáticas, consumo,
investimentos e alternativas de abastecimento.
Diversas cidades do mundo também enfrentam ou
enfrentaram desafios semelhantes, envolvendo seca, desperdício e excesso de
consumo. A experiência delas pode servir de lição para São Paulo e as demais
cidades brasileiras que sofrem com a falta d’água?
A BBC Brasil identificou seis cidades que tentam
solucionar suas crises de abastecimento e perguntou ao Instituto Socioambiental
(ISA) até que ponto as medidas se aplicariam à realidade paulista:
PEQUIM – TRANSPOSIÇÃO DE ÁGUA
A China está entre os 13 países listados pela ONU
com grave falta d’água: com 21% da população mundial, o país tem apenas 6% da
água potável do planeta.
Cerca de 400 cidades do país enfrentam obstáculos
de abastecimento, e Pequim é uma delas: com uma população crescente, a capital
já consome mais água do que tem disponível em seus reservatórios.
Além disso, diversos rios chineses secaram
recentemente em decorrência de secas prolongadas, crescimento populacional,
poluição e expansão industrial.
Para enfrentar a questão, a companhia de água de
Pequim está apostando em um projeto multibilionário para redirecionar rios, o
Projeto de Desvio de Água Sul-Norte, cuja primeira etapa deve ser concluída
neste ano.
China realiza transposição de água do sul
para abastecer Pequim
O objetivo é mover bilhões de metros cúbicos de
água do sul ao norte (mais árido) anualmente ao longo de uma distância superior
à que separa o Oiapoque do Chuí (extremos do Brasil), a um custo que deve
superar os US$ 60 bilhões. Seria necessária a construção de 2,5 mil km de
canais.
-É VIÁVEL EM SP? O governador paulista, Geraldo Alckmin, propôs uma
obra de transposição para interligar o Sistema Cantareira à bacia do rio
Paraíba do Sul – proposta polêmica, já que este último é a principal fonte de
abastecimento do Estado do Rio de Janeiro, mas vista como “viável” pela Agência
Nacional de Águas (ANA). O custo estimado é de R$ 500 milhões.
No entanto, para Marussia Whately, consultora em
recurso hídricos do ISA (Instituto Socioambiental), São Paulo estaria avançando
sobre outras fontes de água sem cuidar da água que tem disponível atualmente.
“Vamos investir em grandes obras antes de pensar na
gestão das perdas de água, no consumo e na degradação das fontes de água
atuais?”, questiona.
PERTH (AUSTRÁLIA) –
DESSALINIZAÇÃO
Perth é a “cidade mais seca” entre as metrópoles da
Austrália. Segundo a presidente da Western Australia Water Corporation, Sue
Murphy, as mudanças climáticas ocorreram mais rápido e antes do que era
esperado no oeste do país. “Nos últimos 15 anos, a água de nossos reservatórios
foi reduzida para um sexto do que havia antes”, disse à BBC em junho.
A cidade construiu duas grandes estações para
remover o sal da água coletada no Oceano Índico e torná-la potável.
Hoje, Perth obtém metade de sua água potável a
partir do mar. Mas os ambientalistas criticam o processo por ser caro e
demandar muita energia. Os moradores sentiram o impacto em suas contas de água,
que dobraram de valor nos últimos anos.
Grande parte do suprimento de água de
Perth vem de plantas de dessalinização
A cidade também está fazendo experimentos com o sistema
Gnangara, sua maior fonte hídrica subterrânea. Por uma década, Perth injetou
nos aquíferos subterrâneos a água que foi usada pela população, já tratada.
A
água é filtrada naturalmente pelo solo arenoso e depois extraída para ser
consumida pela população ou usada na irrigação agrícola. O teste foi
considerado bem-sucedido, e um programa oficial foi estabelecido – sua meta é
obter desta forma 7 bilhões de litros por ano.
“Com um clima mais seco, precisamos ser menos
dependentes de chuva, por isso apoiamos estes projetos”, disse Mia Davies,
ministra de Água e Florestas do Leste da Austrália. Ao mesmo tempo, houve uma
campanha pelo uso racional da água, o que fez com que a demanda por água hoje
seja 8% menor do que em 2003, apesar de a população ter crescido mais de 30%.
-É VIÁVEL EM SP? A dessalinização não seria uma opção coerente, diz
Whately, do ISA, já que São Paulo não é cidade costeira e o Brasil tem um
enorme patrimônio de água doce. Ao mesmo tempo, já se fala em recorrer ao uso
emergencial de água usada: o governo paulista anunciou nesta semana planos de
construir uma Estação de Produção de Água de Reúso na zona sul de São Paulo.
NOVA YORK – PROTEÇÃO DE
MANANCIAIS
Uma das maiores cidades do mundo, Nova York iniciou
nos anos 1990 um amplo programa de proteção aos mananciais de água, para
prevenir a poluição nessas nascentes e, assim, evitar gastos volumosos com
tratamento ou busca de novas fontes de abastecimento.
O projeto incluiu aquisição de terras pelo governo
nas nascentes de água, com o objetivo de proteger sua vegetação e garantir que
os lençóis freáticos continuassem a ser alimentados; assistência financeira a
comunidades rurais nessa região em troca de cuidados com o meio ambiente; e
mitigação da poluição nos mananciais. Com isso, a cidade conseguiu ampliar em
décadas a vida útil de seus mananciais.
O programa também envolveu campanhas pela redução
do consumo. Dados oficiais apontam que o consumo per capita da cidade era de
204,1 galões de água por dia em 1991 e caiu para 125,8 galões/dia em 2009.
- É VIÁVEL EM SP? Para Whately, trata-se da opção
mais adequada para a realidade paulista: “A ideia (em Nova York) foi pensar o
recurso que eles tinham disponíveis e cuidar deles, em vez de investir em
obras”, diz.
ZARAGOZA (ESPANHA) –
CONSCIENTIZAÇÃO E METAS
Secas severas nos anos 1990 deixaram milhões de
espanhóis temporariamente sem água. Mas um relatório da Comissão Europeia
aponta que o maior problema no país não costuma ser a falta de chuvas, e sim
“uma cultura de desperdício de água”.
A cidade de Zaragoza, no norte, encarou o problema
com uma ampla campanha de conscientização em escolas, espaços públicos e imprensa
pelo uso eficiente da água e o estabelecimento de metas de redução de consumo.
Dos cerca de 700 mil habitantes, 30 mil se comprometeram formalmente a gastar
menos água.
A estratégia incluiu incentivos para a compra de
aparelhos domésticos econômicos (chuveiros, vasos sanitários, torneiras e
máquinas de lavar louça eficientes, cujas vendas aumentaram em 15%); melhoria
no uso da água em edifícios e espaços públicos, como parques e jardins; e
cuidados para evitar vazamentos no sistema.
A meta estabelecida em 1997, de cortar o consumo
doméstico de água em mais de 1 bilhão de litros água em um ano, foi atingida.
Antes da campanha, diz a Comissão Europeia, apenas um terço das casas de
Zaragoza praticava medidas de economia de água; ao final da campanha, eram dois
terços. O consumo total caiu mesmo com o aumento no número de habitantes.
“O projeto mostrou que é possível lidar com a falta
d’água em um ambiente urbano usando uma abordagem economicamente eficiente,
rápida e ecológica”, diz o 2030 Water Resources Group, consórcio que reúne
ONGs, governos, ONU e empresas em busca de soluções ao uso da água no mundo.
-É VIÁVEL EM SP? Não apenas viável como necessário, diz Whaterly, do
ISA. “Se houvesse, por exemplo, um amplo programa de incentivos à aquisição de
hidrômetros individuais (em vez de coletivos) nos edifícios de São Paulo,
haveria uma economia brutal de água”, opina. “Também são necessários incentivos
à construção de cisternas e sistemas individuais de reúso da água.”
Whately opina também que, ante a urgência da
situação, a cidade precisa fixar metas e incentivos à redução do consumo mais
duras do que as promovidas atualmente pela Sabesp – por exemplo, forçando
consumidores maiores a cortar mais seu gasto de água e debatendo a imposição de
multas a quem aumentou o consumo em plena estiagem.
CIDADE DO MÉXICO – NOVOS
AQUÍFEROS
Em junho, o presidente mexicano Enrique Peña Nieto
afirmou que 35 milhões de habitantes do país têm pouca disponibilidade de água,
tanto em qualidade como em quantidade.
Essa escassez é grave na própria capital, a Cidade
do México, onde uma combinação de fatores – como grande concentração
populacional, esgotamento de rios e tratamento insuficiente da água devolvida
ao solo – causa extrema preocupação.
Em 2009, partes da cidade foram submetidas a
racionamento de água após uma forte seca; e autoridades ouvidas pela imprensa
local afirmam que, no ritmo atual, a cidade pode não ter água o suficiente em
2030.
Uma aposta da Cidade do México são aquíferos
identificados no ano passado, cuja viabilidade está sendo estudada. Estão sendo
perfurados poços para não apenas confirmar a existência das fontes subterrâneas
de água, mas também avaliar sua qualidade para consumo humano.
Até 2016, as autoridades dizem que será possível
saber se os aquíferos serão ou não uma alternativa de abastecimento para a
megalópole. O problema, dizem, é que a perfuração, a 2 km de profundidade, deve
sair muito mais cara do que perfurações de fontes mais próximas à superfície.
Para David Barkin, professor da Universidade
Autônoma Metropolitana na Cidade do México e estudioso da questão da água, o
plano mexicano pode não ser concretizado por causa dos altos custos envolvidos
na exploração do aquífero.
Além disso, diz ele, a forma como as autoridades
tratam a água disponível atualmente é “obscena” – citando desperdícios,
construções residenciais em áreas que deveriam servir para armanezagem de água
natural e problemas de planejamento.
-É VIÁVEL EM SP? Para Whately, o uso de água subterrânea já é uma
realidade para diversas cidades brasileiras, mas, por serem importantes
reservas de água para o futuro, seu uso deve ser racional. “Ainda temos pouco
conhecimento a respeito de nossos aquíferos. Eles precisam ser melhor estudados
e mais bem cuidados – por exemplo, há locais em que o uso de agrotóxicos (no
solo) pode prejudicá-los.”
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Bairro próximo à Cidade do Cabo fez enorme
economia de água ao reformar encanamento
CIDADE DO CABO (ÁFRICA DO SUL) –
GUERRA AO DESPERDÍCIO
Khayelitsha, a 20 km da Cidade do Cabo, é uma das
maiores “townships” (como são chamadas as comunidades carentes sul-africanas)
do país, com 450 mil habitantes. No início dos anos 2000, uma investigação
descobriu que cerca de uma piscina olímpica era perdida por hora por causa de
vazamentos em sua rede de água.
A principal fonte de desperdício eram os
encanamentos domésticos, muitos dos quais deficientes e incapazes de resistir
alta à pressão de bombeamento da água.
Com isso, aumentavam o consumo de água e também a
inadimplência, já que muitas pessoas não conseguiam pagar as contas mais caras.
Além disso, a Cidade do Cabo vive sob constante ameaça de falta d’água.
Um projeto-piloto de US$ 700 mil, iniciado em 2001,
funcionou em duas frentes: a reforma de encanamentos ruins e a redução da
pressão da água fornecida ao bairro, para evitar os vazamentos.
Segundo um relatório do governo da Cidade do Cabo,
o projeto custou menos de US$ 1 milhão e o investimento foi recuperado em menos
de seis meses.
Com a iniciativa, aliada a uma campanha de
conscientização para evitar desperdícios, Khayelitsha conseguiu economizar 9
milhões de metros cúbicos de água por ano, equivalente a US$ 5 milhões, segundo
o consórcio 2030 Water Resources.
- É VIÁVEL EM SP? Para Whately, as perdas de água também são um
“problema enorme” em São Paulo. “Quase um terço da água é perdida (no caminho
ao consumidor), o que equivale a todo o volume do Guarapiranga e Alto Tietê
juntos”, diz. “Em alguns casos, encanamentos antigos podem contribuir para isso.
Seria necessário mapear, com a ajuda das prefeituras, áreas onde há grandes
perdas de água e identificar os motivos.”
Água preciosa
·
Segundo a
ONU, até 2025, dois terços da população mundial enfrentarão dificuldades com a
falta d’água.
·
Mais de 1
bilhão de pessoas que moram em cidades poderão viver com menos de 100 litros
por dia – limite da ONU para uma vida saudável – e mais de 3 bilhões terão
falta d’água por um mês a cada ano, de acordo com um estudo na Nature
Conservancy.
Fonte: BBC Brasil
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