Mulheres paquistanesas tiram
lições de sustentabilidade da seca.
por
Zoffen Ebrahim, da IPS
No Paquistão, as mulheres estão em pior situação do
que as dos países vizinhos em termos de resiliência à mudança climática. Foto:
Ali Mansoor/IPS.
Karachi, Paquistão, 24/3/2015 – Quando foi perguntado
a um grupo de mulheres da remota aldeia de Sadhuraks, no deserto de Thar, no
Paquistão, se em uma próxima vida voltariam a ser mulheres, todas responderam
com um sonoro não. “O trabalho de uma mulher nunca acaba”, disse uma delas ao
explicar a desigualdade entre homens e mulheres no deserto localizado a 800
quilômetros desta cidade portuária, fronteira natural entre Índia e Paquistão.
A desigualdade se sente especialmente em
Tharparkar, um dos 23 distritos da província de Sindh, listado pelo Programa
Mundial de Alimentos (PMA) como a zona mais insegura do país. Cerca de 500
meninas e meninos morreram em 2014, terceiro ano seguido de seca na região. A
má nutrição e a fome se generalizaram e milhares de famílias não conseguem
encontrar água.
Em seu estudo Estado da Segurança Alimentar,
de 2013, o Instituto de Políticas de Desenvolvimento Sustentável aponta
Tharparkar como a zona com o maior déficit calórico, devido a uma crise
alimentar qualificada de “crônica” e causada pela mudança climática. Entre o
1,5 milhão de pessoas distribuídas em 2.300 aldeias e povoados em uma área de
22 mil quilômetros quadrados, as mulheres sofrem a pior parte de um recorrente
e gradual desastre.
Tanveer Arif, diretora da Sociedade para a
Conservação e a Proteção Ambiental (Scope), disse à IPS que as mulheres devem
cuidar das crianças, mas também são obrigadas a trabalhar para cobrir a
ausência dos homens, que emigram para as cidades em busca de melhores
oportunidades.
Além disso, devem se ocupar dos animais, de buscar
água em fontes distantes quando seus poços secam, cuidar dos idosos e manter a
tradicional agricultura de subsistência, um trabalho quase impossível em uma
região seca, que segue no caminho de se converter na mais quente e árida do
país até 2030, segundo o Departamento de Meteorologia do Paquistão.
As mulheres são conscientes de que precisam
aprender a armazenar alimentos, identificar os cultivos resistentes à falta de
água e romper o cordão umbilical com a agricultura como único meio de
subsistência, o que vários estudos corroboram.
A resposta está no pequeno arbusto espinhoso
Balsamodendron mukul (Commiphora wightii), também conhecido como mirra
de mukul, que produz uma resina muito utilizada na produção de cosméticos e
medicamentos, que no Paquistão é conhecida como “guggal”. Até há pouco tempo
esse tipo de arbusto estava em perigo de extinção, o que motivou esforços de
conservação para manter viva a espécie e salvá-la da brutal extração – 40
quilos de resina geram entre US$ 196 e US$ 392.
Os esforços redobraram graças às estratégias de
adaptação e resiliência das mulheres de Tharparkar. Tudo começou em 2013,
quando a Scope lançou um projeto, apoiado pelo governo escocês, para envolver
as mulheres em atividades de conservação. Atualmente, duas mil já cultivam
guggal, o que lhes permite melhorar a renda e garantir a segurança alimentar de
todas as famílias.
As mulheres costumam suportar a pior carga dos
desastres naturais porque são responsáveis pelo cuidado do lar e do bem-estar
de suas famílias. Foto Zofeen Ebrahim/IPS.
“Pela primeira vez em muitos anos não tivemos que
emigrar para ganhar a vida”, contou à IPS por telefone, de Sadhuraks, Resham
Wirdho, uma mulher de 35 anos e sete filhos. A organização paga a cada família
cerca de cem rúpias para cada planta. Com 500 em seu terreno de 0,40 hectare,
ela ganha em torno de US$ 49 por mês. Somado ao salário de peão rural de seu
marido, de aproximadamente US$ 68 mensais, ela já não precisa se preocupar com
sua próxima refeição.
Com o excedente compram sementes para sua horta.
“Este ano, pela primeira vez, dei aos meus filhos verduras frescas, em lugar de
secas”, contou Wirdho entusiasmada. No ano passado, tampouco tiveram que
comprar a crédito na loja local e puderam mandar o filho mais velho à escola
secundária.
É um presente inesgotável, destacou Wirdho. Nos
próximos três anos, cada arbusto vai gerar pelo menos US$ 5, o que representa
ganho líquido de US$ 2,45 ao mês, uma quantia principesca para as famílias da
região, que costumam ganhar entre US$ 78 e US$ 98 por mês. Além disso, a
relação entre ela e seu marido também muda. “Ele me respeita mais, ajudar a
regar e cuidar das plantas, e também colabora nas tarefas domésticas, algo que
nunca havia feito”, contou.
As mulheres do distrito de Tharparkar, no
Paquistão, afetado pela seca, sofrem o pior da falta de chuva que causa
estragos em toda a zona. Foto Zofeen Ebrahim/IPS.
Com 2015 se apresentando como ano crucial, com
várias conferências internacionais previstas sobre mudança climática, muitos
especialistas acreditam que é o momento de reduzir a vulnerabilidade das
mulheres mediante sua inclusão no planejamento e nas políticas. Iniciativas
como essa são muito necessárias em toda a região da Ásia meridional, onde vivem
cerca de 1,6 bilhão de habitantes e as mulheres são a maioria dos 660 milhões
de pessoas que vivem com menos de US$ 1,25 por dia.
Também representam a maior parte da mão de obra
agrícola, por isso são suscetíveis à variabilidade climática e às mudanças nos
ecossistemas. A região também é propensa a sofrer desastres naturais e, com a
estimativa de que em 2050 haverá 2,2 bilhões de habitantes, os especialistas
temem as consequências que podem ser causadas por um incidente menor nos
setores mais vulneráveis, como as mulheres.
Um informe da Unidade de Inteligência da The
Economist, Índice de Resiliência das Mulheres na Ásia Meridional,
concluiu que “os países (dessa região) não conseguem considerar a inclusão dos
direitos das mulheres nos esforços de redução do risco de desastres nem na
construção de resiliência”. Usando a referência do Japão, com orçamento para
assistência 200 vezes maior do que o de Bangladesh, Índia ou Paquistão, o
Índice mede a vulnerabilidade das mulheres a calamidades naturais, mudanças
econômicas e conflitos.
Em uma crítica contundente de como são ignoradas as
vozes femininas, o informe coloca o Paquistão no último lugar do Índice, abaixo
de Bangladesh, Butão, Índia, Maldivas, Nepal e Sri Lanka. Nas quatro categorias
consideradas para medir a resiliência das mulheres – economia, infraestrutura,
institucional e social – o Paquistão figura em último lugar. Em indicadores
como orçamento para assistência e acesso das mulheres a emprego e recursos
econômicos, esse país fica abaixo de seus vizinhos.
O editor-responsável da Unidade de Inteligência da The
Economist, David Line, destacou que “os países da Ásia meridional devem se
dar conta da tremenda capacidade de liderança das mulheres no planejamento e na
resposta aos desastres. Se situam na frente de luta e têm um conhecimento
íntimo de suas comunidades. Um reconhecimento maior disto poderia ajudar muito
a reduzir o risco de desastres e melhorar a resiliência das comunidades”.
Fonte: ENVOLVERDE
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