Ondas de igualdade de gênero se
propagam por Bangladesh.
por
Naimul Haq, da IPS
Cada vez mais mulheres em Bangladesh se voltam para
as rádios comunitárias como forma de conscientizar sobre assuntos de interesse
da população feminina. Foto: Naimul Haq/IPS.
Daca, Bangladesh, 13/4/2015 – Se as manchetes dos
meios de comunicação de Bangladesh refletem algo, é que as mulheres não têm um
papel significativo nos assuntos que afetam o país, nem nos que lhes dizem
respeito particularmente. Uma pesquisa da organização não governamental
Bangladesh Nari Progati Sangha (BNPS) estudou a presença feminina em 3.361
notícias no período de dois meses, e constatou que “apenas 16% das matérias
diárias, 14% do noticiário da televisão e 20% dos informativos de rádio
consideraram as mulheres com sujeitos ou as entrevistaram”.
Menos de 8% das notícias tiveram as mulheres como
protagonistas. Das poucas profissionais que apareceram na televisão, 97% liam
as notícias, enquanto os restantes 3% entraram na categoria de “jornalistas”.
Apenas 0,03% dos artigos de opinião tiveram uma assinatura feminina, segundo a
pesquisa. O estudo revelou que, embora as fotografias mostrassem mais mulheres
do que homens, elas eram citadas menos vezes, demonstrando a veracidade do
velho provérbio bengalês de que as mulheres “são vistas, nas não são ouvidas”.
Entretanto, as mulheres que não estão dispostas a
ficar de braços cruzados diante desta situação refletida nas estatísticas
decidiram utilizar o rádio como ferramenta para dar voz às suas congêneres e
destacar assuntos relativos ao meio rural. As mulheres representam 49% dos 157
milhões de habitantes de Bangladesh. A maioria se concentra em áreas rurais,
onde vivem 111,2 milhões de pessoas, 72% da população. A distância entre as
mulheres e os centros urbanos, onde são tomadas as decisões, é coberta por um
duplo manto de invisibilidade.
Segundo o estudo do BNPS, apenas 12% dos artigos
diários, 7% dos noticiários de televisão e 5% dos informativos de rádio são
dedicados às zonas rurais, apesar de as cidades ocuparem apenas 8% do
território nacional e só concentrarem 28% da população.
A ausência de mulheres e de temas vinculados a elas
na mídia é uma tendência perigosa em um país que está na posição 142 entre 187
Estados no último Índice de Desigualdade de Gênero, do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o que deixa Bangladesh entre as piores
colocações na região Ásia-Pacífico.
O estudo da BNPS também revela que menos de 1% das
notícias estudadas menciona a desigualdade de gênero e apenas 11 artigos
questionaram os estereótipos de gênero.
Devido ao alto analfabetismo no país – somente 59%
da população sabe ler e escrever, bem abaixo da média mundial de 84,3%, segundo
a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)
–, não se pode subestimar a importância do rádio. Mesmo em um país onde 24% da
população é pobre, o rádio está generalizado, pois é um meio relativamente
barato de se conectar com o mundo e é extremamente popular entre milhões de
famílias rurais.
Momena Ferdousi, estudante de 24 anos, é a
produtora da Rádio Mahananda, emissora comunitária criada em 2011 que chega a
milhares de famílias camponesas no distrito de Chapai Nawabganj. A jovem
promessa profissional do rádio contou à IPS que não estaria onde está se não
fosse pala organização Bangladesh NGOs Network for Radio and Communication
(BNNRC). O trabalho dessa organização permitiu a formação e capacitação de
mulheres para diversos papéis como produtoras, apresentadoras, jornalistas e
diretoras de rádios em 14 emissoras comunitárias regionais em todo o país.
A vários quilômetros dali, a voz de Sharmin
Sultana, na Rádio Pollikontho, que transmite no distrito de Moulvibazar, chega
a cerca de 400 mil pessoas espalhadas em um raio de 17 quilômetros. Com cinco
horas diárias de programas, concentrados em temas referentes às mulheres
rurais, a emissora preencheu um grande vazio na comunidade.
“É uma sensação incrível conduzir um programa ao
vivo com convidadas e responder às solicitações de nossa audiência para tratar
de temas como saúde, direitos das mulheres, injustiça social, educação e
agricultura”, contou Sultana. Ela explicou que “a maioria de nossa audiência é
pobre. Não tem televisão nem pode ler jornais, então a rádio FM, que está
disponível até no celular mais barato, é muito popular e a demanda por
programas interativos aumenta dia a dia”.
Em Bangladesh, apenas 16,8 milhões de mulheres têm
um emprego no setor formal, das quais a vasta maioria realiza trabalhos
domésticas não remunerados, além de suas obrigações na propriedade familiar ou
em outros trabalhos no campo. A dependência econômica as deixa vulneráveis à
violência doméstica.
Um estudo do Escritório de Estatísticas de
Bangladesh concluiu que 87% das mulheres casadas consultadas haviam sofrido
agressões físicas por parte de seus maridos, enquanto 98% foram violadas em
algum momento por seus maridos. O estudo também revela que uma em cada três
mulheres casadas consultadas havia sofrido “abuso econômico”, a retenção dos
bens econômicos do casal a fim de perpetrar a dependência econômica.
Outros problemas, como o casamento infantil, também
fazem parte dos informativos nas rádios comunitárias destinadas à população
feminina. Segundo dados das Nações Unidas, cerca de 66% das meninas de
Bangladesh se casa antes dos 18 anos.
A diretora-executiva de BNNRC, Bazlur Rahm,
pioneira na radiodifusão rural em Bangladesh, disse à IPS que “temas como
atribuição de fundos, falta de saneamento, violência contra as mulheres, luta
contra a corrupção e educação de meninas costumam ficar fora da atenção das
autoridades. Mas, se podemos lhes dar voz, os problemas desaparecem
gradualmente”.
Cada vez que a voz de uma mulher é transmitida pela
rádio, significa que outra está ouvindo sua história, aprendendo seus direitos
e aproximando-se da igualdade. Resta saber quais êxitos concretos são
conquistados para a população feminina de Bangladesh.
Fonte: ENVOLVERDE
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