Alteração comportamental de
animais sinaliza, dias antes, a ocorrência de terremotos.
por José
Tadeu Arantes, da Agência Fapesp
Estudo realizado no Parque Nacional Yanachaga, no
Peru, correlacionou mudanças de comportamento de aves e pequenos mamíferos com
a ionização da atmosfera causada pelo atrito subterrâneo das rochas (roedor
paca [Cuniculus paca] filmado por uma camera tipo ‘motion-triggered’. Foto TEAM
Network; teamnetwork.org.
O dado de
que alterações no comportamento dos animais sinalizam, com horas ou dias de
antecedência, eventos como os terremotos já era conhecido.
Especialmente noticiada foi a disparada dos elefantes asiáticos para terras
altas por ocasião do terremoto seguido de tsunami de 26 de dezembro de 2004.
Muitas vidas humanas foram salvas graças a isso. Mas tais eventos ainda não
haviam sido documentados de maneira rigorosa e conclusiva. Nem fora
estabelecida uma correlação de causa e efeito entre essa modificação do
comportamento animal e fenômenos físicos mensuráveis.
Isso ocorreu agora em pesquisa realizada por Rachel
Grant, da Anglia Ruskin University (Reino Unido), Friedemann Freund, da agência
espacial Nasa (Estados Unidos), e Jean-Pierre Raulin, do Centro de
Radioastronomia e Astrofísica Mackenzie (Brasil). Artigo
relatando o estudo, “Changes in Animal Activity Prior to a Major (M=7)
Earthquake in the Peruvian Andes”, foi publicado na revista Physics and
Chemistry of the Earth.
O físico Jean-Pierre Raulin, professor da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, participou do estudo no contexto do
projeto de pesquisa “Monitoramento da atividade solar e da Anomalia Magnética
do Atlântico Sul (AMAS) utilizando uma rede de receptores de ondas de muita
baixa frequência (VLF) – SAVNET – South América VLF network”, apoiado pela
Fapesp.
“Nosso estudo correlacionou alterações no
comportamento de aves e pequenos mamíferos do Parque Nacional Yanachaga, no
Peru, com distúrbios na ionosfera terrestre, ambos os fenômenos verificados
vários dias antes do terremoto Contamana, de 7,0 graus de magnitude na escala Richter,
que ocorreu nos Andes peruanos em 2011”, disse Raulin à Agência Fapesp.
Os animais foram monitorados por um conjunto de
câmeras. “Para não interferir em seu comportamento, essas câmeras eram
acionadas de forma automática no momento em que o animal passava na sua frente,
registrando a passagem por meio de flash de luz infravermelha”, detalhou o
pesquisador. Em um dia comum, cada animal era avistado de cinco a 15 vezes.
Porém, no intervalo de 23 dias que antecedeu o terremoto, o número de avistamentos
por animal caiu para cinco ou menos. E, em cinco dos sete dias imediatamente
anteriores ao evento sísmico, nenhum movimento de animal foi registrado.
Nessa mesma época, por meio do monitoramento das
propriedades de propagação de ondas de rádio de muito baixa frequência (VLF),
os pesquisadores detectaram, duas semanas antes do terremoto, perturbações na
ionosfera sobre a área ao redor do epicentro. Um distúrbio especialmente grande
da ionosfera foi registrado oito dias antes do terremoto, coincidindo com o
segundo decréscimo no avistamento dos animais.
Os pesquisadores propuseram uma explicação capaz de
correlacionar os dois fenômenos. Segundo eles, a formação maciça de íons
positivos, devido à fricção subterrânea das rochas durante o período anterior
ao terremoto, teria provocado tanto as perturbações medidas na ionosfera quanto
a alteração comportamental dos animais. A fricção é resultado da subducção ou
deslizamento da placa tectônica de Nazca sob a placa tectônica continental.
É sabido que a maior concentração de íons positivos
na atmosfera provoca, seja em animais, seja em humanos, um aumento dos níveis
de serotonina na corrente sanguínea. Isso leva à chamada “síndrome da
serotonina”, caracterizada por maior agitação, hiperatividade e confusão. O
fenômeno é semelhante à inquietação, facilmente perceptível em humanos, que
ocorre antes das tempestades, quando a concentração de elétrons nas bases das
nuvens também provoca um acúmulo de íons positivos na camada da atmosfera
próxima ao solo, gerando um intenso campo elétrico no espaço intermediário.
“No caso dos terremotos, cargas positivas formadas
no subsolo devido ao estresse das rochas migram rapidamente para a superfície,
resultando na ionização maciça de moléculas do ar. Em algumas horas, os íons
positivos assim formados alcançam a base da ionosfera, localizada cerca de 70
quilômetros acima do solo. Esse aporte maciço de íons teria provocado as
flutuações da densidade eletrônica na baixa ionosfera que detectamos. Por outro
lado, durante o trânsito subterrâneo das cargas positivas, devido a uma espécie
de ‘efeito de ponta’, a ionização tende a se acumular perto das elevações
topográficas locais – exatamente onde estavam localizadas as câmeras. Nossa
hipótese foi que, para se livrar dos sintomas indesejáveis da síndrome da
serotonina, os animais fugiram para áreas mais baixas, onde a ionização não é
tão expressiva”, explicou Raulin.
“Acreditamos que ambas as anomalias surgiram a
partir de uma única causa: a atividade sísmica causando estresse na crosta
terrestre e levando, entre outras coisas, à enorme ionização na interface
solo-ar. Esperamos que nosso trabalho possa estimular ainda mais a investigação
na área, que tem o potencial de auxiliar as previsões de curto prazo de riscos
sísmicos”, declarou Rachel Grant, principal autora do artigo.
Independentemente da observação do comportamento
animal, os resultados obtidos mostram que a previsão de terremotos poderia ser
feita também mediante a detecção da ionização do ar, com o monitoramento do
campo elétrico atmosférico. “Já temos detectores instalados no Brasil, no Peru
e na Argentina. E pretendemos, em breve, instalar sensores de campo elétrico
atmosférico nos lugares propícios a atividades sísmicas importantes. Isso daria
uma previsibilidade da ordem de duas semanas ou até mais. Por ocasião do
terremoto do Haiti, em janeiro de 2010, a rede SAVNET já tinha detectado
flutuações na ionosfera com 12 dias de antecedência, com resultados publicados
na revista NHESS – Natural Hazards and Earth System Sciences”, afirmou Raulin. (Agência
Fapesp/ #Envolverde).
Fonte: Agência Fapesp
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