Quantos somos? Onde? Para onde e
como iremos?
por Washington Novaes*
Com argumentos fortes de ambos os lados – a favor
e contra a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade -, a Câmara
dos Deputados aprovou esta semana a continuidade desse debate. Os propositores
da redução entendem que isso diminuirá a criminalidade no País; os opositores
acham que nada mudará, pode até piorar. Seja qual for o rumo, o panorama é
complicado: uma pessoa é assassinada a cada dez minutos no Brasil (Estado,
13/11/2014); a cada quatro minutos é cometido um estupro (12/11); a polícia
mata seis pessoas por dia (11/11); as violências sexuais contra mulheres
cresceram 20% em um ano (2/3/15); a cada três minutos um gay sofre violência no
País (21/11).
E é complicado, seja qual for o rumo para o qual
se volte a atenção. Também no Congresso Nacional, vários Estados,
principalmente os de mais altos índices econômicos, que se julgam prejudicados
pela “concorrência desleal”, se rebelam contra a decisão do Senado de pôr em
regime de urgência o projeto de lei complementar que “perdoa” incentivos
fiscais sobre o ICMS concedidos por unidades da Federação a empresas, sob o
argumento de atraí-las para seu território ou estimulá-las para que ali
permaneçam. Para que melhor se entenda, a regra tem sido conceder redução de
até 30% no recolhimento do ICMS; o comprador do produto paga o valor total com
o ICMS integral; mas a empresa beneficiada só recolhe 70%; e esses incentivos
significam centenas de bilhões de reais.
E tudo acontece no momento em que Estados e
municípios endividados tentam com o governo federal reduzir o indexador de suas
dívidas gigantescas, complicando a vida da administração federal, já em palpos
de aranha. Grande parte dos Estados, com a recessão econômica, já não tem receita
suficiente para pagar sua folha corriqueira – o que significa atraso para o
funcionalismo, impossibilidade de contratar mais professores, médicos,
policiais, etc. Como a lei exige aprovação do Conselho Nacional de Política
Fazendária – que em princípio se reuniria em abril – para a concessão dos
incentivos fiscais, os Estados que os concederam e concedem poderiam perder
esse caminho e até ser obrigados a pedir de volta o que concederam em
incentivos.
Nesta hora? Pois é, na hora em que o ranking do Instituto
Internacional de Finanças (IIF), mantido pelos maiores bancos do mundo, aponta
o Brasil como um dos mercados com “política econômica mais vulnerável” (Estado,
31/3). Em 2014 a queda dos investimentos no País foi de 4,4%, o crescimento do
PIB foi de apenas 0,1% e pode até cair em 2015 – enquanto a China, embora
arrefecendo um pouco, cresceu no ano passado 7%; os EUA, 2,2%; a Alemanha
1,6%.Por aqui, até a Região Nordeste está perdendo ritmo (Folha de S.Paulo,
29/3). Talvez isso tenha contribuído para os índices de “ruim e péssimo” do
governo federal haverem crescido para 55% ( eram de 11% em outubro de 2014).
E não é só na área econômica que as coisas se
complicam. O desemprego subiu para 5,9% em fevereiro – o maior patamar desde
2011 -, segundo o IBGE. E a renda real do trabalhador, descontada a inflação,
recuou 0,5%, comparada com a de um ano atrás. Só a indústria eliminou 259 mil
vagas em um ano; a construção, 105 mil; os “outros serviços”, 165 mil. Há
governadores, como o do Maranhão, propondo (Estado, 29/3) ao governo federal a
cobrança de imposto maior para “detentores de grandes fortunas”, de modo a
poderem aumentar o seguro-desemprego e dar outras vantagens a pessoas mais
pobres. Mexe em caixa de marimbondos, certamente, ainda mais quando o Banco
Central admite que a inflação “vai estourar o teto fixado na legislação” (FP,
27/3).
Onde encontrar, em momento tão delicado, consenso
para uma questão difícil como a dos apoios financeiros a campanhas eleitorais
dos partidos? Já há certa indignação – em hora de tantas dificuldades – com a
triplicação no Congresso dos recursos previstos no Orçamento-Geral da União de
2015 para o Fundo Partidário – de R$ 289,56 milhões para R$ 867,56 milhões
(Estado, 30/3). Quem achará, então, o formato para as contribuições de empresas
privadas para as campanhas eleitorais de partidos? Pode progredir a proposta de
implantar o recall – o poder de retirar o mandato concedido a um representante
eleito -, como lembrou neste jornal, em artigo (31/3), o jornalista Fernão Lara
Mesquita? Ou os governantes da hora vão simplesmente enfrentar a maioria
parlamentar, que não quer mexer nas fontes de financiamento de campanhas
eleitorais?
Seria possível seguir ainda por muitos caminhos
nos quais trafega a insatisfação da sociedade – na falta de saneamento básico
em 40% dos domicílios brasileiros; na educação precária, com uma taxa alarmante
de pessoas que permanecem analfabetas ou semialfabetizadas mesmo frequentando
escolas; num sistema de saúde trôpego ante os avanços de epidemias e números
recordes como os da dengue e da tuberculose; nas macrorreformas urbanas, que
nem ao papel chegam; na ausência de aterros sanitários adequados na maioria dos
municípios; na redução do valor proporcional da aposentadoria para quem recebe
mais de um salário mínimo (embora possa até ter contribuído pelo máximo durante
décadas); na permanência de mais de 40 milhões de pessoas no nível de pobreza
(apesar de 40 milhões receberem o Bolsa Família) ou na pobreza extrema.
Muito mais ainda poderia ser dito. Mas até a
discussão vai ser mais difícil, com a notícia de que o IBGE vai cancelar a
contagem da população prevista para 2016 (a de 2015 já fora adiada), pelo fato
de o ajuste do governo federal ter reduzido suas verbas (Estado, 26/3). Como
vamos saber quantos somos, onde, em que situação, quem está migrando, para
onde, e assim por diante? A última contagem foi em 2010. Como saberão os
municípios quanto receberão do Fundo de Participação se, ao que parece, só
haverá nova contagem em 2020?
Ainda haverá muito pano para mangas.
* Washington Novaes
é jornalista.
Fonte: O
Estado de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário