Terramérica – Canal interoceânico
ameaça a natureza da Nicarágua.
por José
Adán Silva*
Executivos da empresa chinesa HKDN-Group e
integrantes da Comissão Nicaraguense do Grande Canal Interoceânico, atrás de
uma grande faixa, no dia 22 de dezembro de 2014, na localidade de Brito Rivas,
na costa do Oceano Pacífico, no ato de início formal da gigantesca obra que
dividirá o país em dois. Foto: Mario Moncada/IPS.
Manágua, Nicarágua, 30 de março de 2015
(Terramérica).- A comunidade científica da Nicarágua se debate entre boas e más
notícias em torno da construção de um novo canal interoceânico: a descoberta de
novas espécies ou vestígios arqueológicos e o melhor conhecimento dos
ecossistemas, contra a grande ameaça ao ambiente do país. Tanto o já conhecido
quanto as novas descobertas estão em perigo pela gigantesca obra que partirá em
dois o território nicaraguense.
Informes preliminares da empresa britânica
Environmental Resources Management (ERM) revelaram a existência de novas
espécies no traçado do canal, até agora desconhecidas. A investigação foi pedida
pela concessionária da via, a firma chinesa Hong Kong Nicaragua Canal
Development (HKND-Group).
Seu estudo Grande Canal da Nicarágua,
apresentado em Manágua no dia 20 de novembro por Alberto Vega, seu
representante no país, indicou, entre outras descobertas, duas novas espécies
de anfíbios na bacia do rio Punta Gorda, na costa sul do Mar do Caribe
nicaraguense. As características de duas rãs estão sob investigação por se
carecer de amparo científico, explicou.
Vega também informou que houve outras descobertas,
como a existência de 213 sítios arqueológicos até agora desconhecidos, e foi
atualizado o estado ambiental do traçado escolhido para o canal. O objetivo do
estudo foi documentar as principais comunidades biológicas ao longo do traçado
e áreas adjacentes, assinalar as espécies e os habitats que exibem medidas
específicas de conservação, “para identificar as oportunidades para prevenir,
mitigar e/ou compensar os impactos que o projeto possa ter”.
As obras do canal foram iniciadas em dezembro de
2014 e seu objetivo é unir o Oceano Pacífico e o Mar do Caribe, com uma via
bidirecional de 278 quilômetros de comprimento, até 520 metros de largura e
profundidade de até 30 metros. Atravessará 105 quilômetros do lago Cocibolca e
estará pronta no final de 2019, a um custo superior a US$ 50 bilhões.
Três agricultores analisam o traçado do Grande
Canal Interoceânico sobre o mapa da Nicarágua, que a empresa chinesa HKND-Group
apresentou na cidade de Rivas, durante um dos encontros que o consórcio
organizou em todo o país com prejudicados pela gigantesca obra. Foto: José Adán
Silva/IPS.
O estudo de impacto ambiental será concluído no
final de abril, explicou ao Terramérica o porta-voz da presidencial Comissão
Nicaraguense do Grande Canal Interoceânico, Telémaco Talavera. “Os estudos são
feitos com a mais alta tecnologia e a responsabilidade da ERM, uma empresa
internacional líder nestes temas, e uma equipe de especialistas de todas as
partes do mundo contratados para fornecer um informe exaustivo sobre o impacto
ambiental e as medidas de mitigação”, destacou.
Víctor Campos, subdiretor do não governamental
Centro Humboldt, disse ao Terramérica que os documentos preliminares da HKND
revelam que o canal causará graves danos ao ambiente do país e ameaça de
maneira particular o lago Cocibolca. Com 8.624 quilômetros quadrados, esse lago
é a segunda maior fonte de água doce da América Latina, atrás do venezuelano
lago de Maracaibo.
Campos recordou que até mesmo a HKND reconhece que
o traçado escolhido para o canal afetará reservas naturais sob proteção
internacional, onde subsistem 40 espécies em perigo de extinção, entre aves,
mamíferos e répteis.
Essa rota afetaria parte da Reserva Natural de
Cerro Silva, e a reserva biológica Indio Maíz, ambas parte do Corredor
Biológico Mesoamericano (CBM), onde habitam araras vermelhas e verdes, águias
reais, antas, tigres-jaguar, macacos-aranha, micos, ursos formigueiro e
lagartos negros, entre outras espécies. Junto às reservas de Bosawas e
Wawashan, as de Indio Maíz e Cerro Silva abrigam 13% da biodiversidade mundial
e aproximadamente 90% da flora e fauna do país.
A Nicarágua, com 6,1 milhões de habitantes, é um
país tropical localizado no meio do istmo centro-americano, com costas no
Pacífico e no Caribe, e 130 mil quilômetros quadrados de superfície de terras
baixas, planícies e lagos interpostos, onde em várias ocasiões se tentou usar o
Cocibolca para abrir uma rota interoceânica.
O Grupo Cocibolca, uma plataforma de mais de dez
organizações ambientais da Nicarágua, detecta danos potenciais por escavações
em terras indígenas, situadas no CBM, na costa caribenha do sudeste
nicaraguense. Os impactos incluiriam Booby Cay, um abrigo natural de aves
reconhecido pela Birdlife International, que é habitat para aves marinhas,
tartarugas, peixes e corais.
Estudos desse grupo indicam que a dragagem com
maquinário pesado, a construção de portos, a remoção de milhares de toneladas
de sedimentos do fundo do lago e uso de explosivos para vencer solos rochosos
afetariam o habitat das tartarugas marinhas que fazem ninho nas costas do Pacífico
do sudoeste do país.
O traçado escolhido para o canal, o de número
quatro de seis analisados, terá sua desembocadura no Pacífico em Brito, 130
quilômetros a oeste de Manágua. No local, haverá um porto de águas profundas,
onde agora existe uma praia de desova de tartarugas.
Talavera rechaçou as “teorias apocalípticas” sobre
o possível dano ambiental pela obra, mas reconheceu que haverá um impacto “que
será focado e nos servirá para reverter os danos possíveis e os já confirmados
por desmatamento e contaminação na rota do canal”.
A rota corta reservas naturais, mangues incluídos
na lista de proteção da Convenção de Ramsar, reservas da biosfera reconhecidas
pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco) e bacias hidrográficas. Segundo Talavera, a HKND também consultou,
além das autoridades ambientais nacionais, órgãos como a própria Convenção
Ramsar, Unesco, União Internacional para a Conservação da Natureza ou Birdlife
“sobre a viabilidade de mitigar e compensar os impactos possíveis”.
A obra foi rechaçada por grupos ambientalistas e
comunidades afetadas, inclusive perante a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH). Em uma audiência nesta instância, no dia 16 deste mês, a
ativista Mónica López, do Grupo Cocibolca, denunciou que a Nicarágua concedeu à
HKND o domínio do lago e suas periferias, nas quais convergem mais de 16 bacias
hidrográficas e quase 15 áreas protegidas, e onde se concentram 25% das
florestas úmidas do país.
López explicou ao Terramérica que o canal também
causaria “um deslocamento forçado de mais de cem mil pessoas”, e criticou a
“entrega aos empresários chineses do controle absoluto de recursos naturais
alheios à rota, mas que a critério da HKND sirvam para o projeto, sem importar
as considerações dos direitos dos nicaraguenses.
Mapa da Nicarágua com os seis traçados que foram
projetadas para a rota do bidirecional canal interoceânico. O selecionado, na
cor verde, foi o quatro. Foto: ERM.
O Acordo Marco de Concessão e Implantação e a Lei
do Grande Canal Interoceânico, aprovados em 2013, estabelecem a obrigação do
Estado em garantir ao concessionário o “acesso ao direito de navegação em rios,
lagos, oceanos e outros corpos dentro da Nicarágua e em suas águas, e o direito
de estender, expandir, dragar, desviar ou reduzir tais corpos de água”. Além
disso, o Estado também renuncia a processar os investidores em tribunais
nacionais e internacionais por qualquer dano causado ao ambiente durante o
estudo, construção e operação do projeto.
Na audiência da CIDH, em Washington, os
representantes do governo, incluído Talavera, rechaçaram as denúncias dos
ambientalistas, que atribuíram a “diretrizes políticas”, e argumentaram que o
projeto “é amigável com o ambiente”. Também insistiram em seu grande argumento
para a enorme obra, que esta permitirá um grande crescimento econômico, que
dará recursos para que a Nicarágua deixe de ser o segundo país com mais pobreza
da América, depois do Haiti, com 42% de sua população nessa condição.
Fonte: ENVOLVERDE
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