quarta-feira, 22 de abril de 2015

América Latina sela nova era com os Estados Unidos.
por Ivet González, da IPS
Foto geral com os participantes da VII Cúpula das Américas, feita no dia 11, na Cidade do Panamá, na jornada de encerramento do encontro de dois dias, que pela primeira vez reuniu os 35 países do continente. Foto: VII Cúpula das Américas.

Cidade do Panamá, Panamá, 14/4/2015 – A América Latina mostrou receitas próprias para seu desenvolvimento na nova era de relações continentais consagrada na VII Cúpula das Américas, onde Cuba estreou neste fórum e os Estados Unidos asseguraram ter encerrado o capítulo de “imiscuir-se impunemente” em seus vizinhos do sul.

“Devemos entender que as Américas ao norte e ao sul do rio Bravo são diferentes. E devemos conversar como blocos”, afirmou no dia 11 o presidente do Equador, Rafael Correa, na jornada de encerramento da cúpula, na qual pela primeira vez estiveram presentes os 35 países do hemisfério.

Com lembranças históricas, berços anti-imperialistas, propostas de soluções e metas de desenvolvimento, os governantes expressaram na Cidade do Panamá sua diversidade de posições políticas e de prioridades, sob o tema oficial do encontro, Prosperidade Com Igualdade: Os Desafios da Cooperação nas Américas.

A reunião de dois dias foi histórica pela presença de Cuba, suspensa entre 1962 e 2009 da Organização de Estados Americanos. O presidente cubano, Raúl Castro, iniciou seu discurso na sessão plenária da cúpula afirmando: “já era hora de eu falar aqui em nome de Cuba”. Sua presença foi precedida por outro fato histórico: o restabelecimento de relações diplomáticas anunciado no dia 17 de dezembro por Castro e seu colega dos Estados Unidos, Barack Obama.

Sem exceção, os chefes de Estado e de governo que falaram na sessão plenária, no Centro de Convenções Atlapa, celebraram a participação da ilha de governo socialista no coro americano. Segundo muitos deles, representa o fim da Guerra Fria e enterra um período de confrontações ideológicas entre a esquerda e a direita.

Na cúpula, Obama e Castro aprofundaram o degelo de 56 anos de ácida diferença, com um aperto de mãos na abertura, pontos em comum em seus respectivos discursos, troca de elogios e uma reunião bilateral, onde confirmaram sua decisão de avançar para a normalização bilateral, sem renunciarem às suas diferenças.

A região “já não permite as políticas unilaterais e de isolamento”, afirmou em seu discurso a presidente Dilma Rousseff. “Hoje estamos reunidos em um contexto diferente”, ressaltou.

A plena inserção de Cuba e o avançado diálogo que mantêm desde 2012 o governo colombiano e a guerrilha para acabar com o último conflito armado na região, de mais de meio século, permite que o continente possa se declarar uma região de paz, como perseguem os 33 países da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos.
Alcibíades Vásquez, ministro de Desenvolvimento Social do Panamá, é entrevistado, rodeado por alguns líderes indígenas que lhe entregaram, no dia 11, a declaração Defendendo Nossas Nações, em nome de 300 dirigentes de povos originários que participaram da V Cúpula dos Povos Indígenas de Abya Yala (América), fórum paralelo à VII Cúpula das Américas. Foto: Ivet González/IPS.

Para Dilma Rousseff, “a consolidação da democracia e os novos paradigmas políticos em cada um de nossos países inverteram a lógica de ação do Estado, dando prioridade ao desenvolvimento sustentável com justiça social”.

Com uma história de luta sindical e contra a ditadura (1964-1985), Dilma Rousseff avaliou que a “América Latina tem atualmente menos pobreza, fome, analfabetismo e mortalidade infantil e materna, do que em décadas precedentes”, embora continue sendo a região mais desigual do mundo.

A presidente Dilma defendeu o crescimento econômico sustentado, guiado por metas únicas de desenvolvimento e redução de vulnerabilidades em matéria de segurança, educação, migrações, mudança climática, garantias dos direitos, cooperação, trabalho decente e prevenção de desastres, com a pior seca em 80 anos que assola o sudeste do Brasil.

Após enfrentar algumas reclamações em matéria de direitos humanos e respeito à soberania por parte de Correa, Obama disse que “os Estados Unidos não serão prisioneiros do passado”. Afirmou ter cumprido seu compromisso de “construir uma nova era de cooperação como aliados em plena igualdade com base em interesses de respeito mútuo”.

Obama também afirmou que “a relação entre Estados Unidos e América Latina é a melhor em muitas décadas”. E falou de “áreas nas quais podemos adiantar ainda mais”, como o respeito às liberdades universais, reavivar o crescimento econômico, bom governo, transparência, políticas de juventudes, tráfico de armas e de drogas, e energia limpa, entre outras.

Aplaudido ao chegar e sair, Raúl Castro se estendeu em um longo percurso histórico pelas relações entre seu país e os Estados Unidos. Agradeceu a Obama por sua intenção de acabar com o bloqueio econômico imposto à ilha desde 1962, que “afeta os interesses de todos os Estados” por seu caráter extraterritorial.

Castro exortou o hemisfério a fortalecer a cooperação para enfrentar a mudança climática, e melhorar a educação e a saúde. Deu como exemplo o trabalho em comum acordo entre as duas Américas diante da epidemia de ebola na África Ocidental, que até agora matou mais de dez mil pessoas.

O presidente cubano acrescentou que atualmente 65 mil cooperantes cubanos trabalham em 89 países nas áreas de educação e saúde. Além disso, afirmou que o hemisfério, com vontade, pode fazer muito porque a ilha, “com recursos muito limitados”, apoiou a formação de 68 mil profissionais e técnicos de 157 países.

A presidente da Argentina, Cristina Fernández, convidou a se investir mais nos países latino-americanos para evitar as migrações para o Norte industrial do continente, Canadá e, sobretudo, Estados Unidos.

Por sua vez, o mandatário peruano, Ollanta Humala, reiterou a necessidade de que a região diversifique sua matriz produtiva, baseada nas matérias-primas, e fale sobre transferência tecnológica.

O grande ponto de atrito na cúpula foi a ordem executiva assinada por Obama no dia 9 de março, que qualifica a Venezuela com uma “ameaça” à segurança dos Estados Unidos. “Dos 35 países reunidos aqui, 33 disseram que esse decreto deve ser retirado”, afirmou Kamla Persad-Bissessar, a primeira-ministra de Trinidad e Tobago.

Ainda sem confirmação oficial, esse tema teria sido a principal causa para que, pela terceira vez desde que começaram essas cúpulas, em 1994, o encontro interamericano de máximo nível tenha terminado sem a prevista declaração final, que se chamaria Mandatos para a Ação.

Por outro lado, os participantes da V Cúpula dos Povos Indígenas de Abya Yala (América) acordaram em uma declaração final, intitulada Defendendo Nossas Nações, que cerca de 300 líderes originários levaram até à sede da cúpula dos mandatários, enfeitados com seus trajes, penas e outros adornos cerimoniais.

“Se todas as vozes não estiverem representadas não poderá haver prosperidade com igualdade”, disse à IPS a líder Hokabeq Solano, da etnia kuna do Panamá. “A representação de nossas comunidades na cúpula e nos fóruns paralelos foi muito pequena”, queixou-se um dos representantes de 55 milhões de indígenas do hemisfério.

A cúpula indígena foi autônoma da V Cúpula dos Povos, da qual participaram mais de três mil integrantes de movimentos sociais e que desde 2005 funciona com um fórum alternativo à reunião oficial.

Os indígenas de Abya Yala pedem em sua declaração reformas constitucionais que incluam as comunidades originárias, proteção aos locais sagrados, rejeição dos projetos de desenvolvimento que impliquem deslocamento forçado e um mapa do caminho para unificar esses povos, entre outras.

Além disso, cerca de 800 participantes do Fórum da Sociedade Civil e Atores Sociais, que trabalhou em paralelo à VII Cúpula, entregaram aos presidentes propostas sobre saúde, educação, segurança, energia, ambiente, participação da cidadania e governabilidade democrática.


Fonte: ENVOLVERDE

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