América Latina sela nova era com
os Estados Unidos.
por Ivet
González, da IPS
Foto geral com os participantes da VII Cúpula das
Américas, feita no dia 11, na Cidade do Panamá, na jornada de encerramento do
encontro de dois dias, que pela primeira vez reuniu os 35 países do continente.
Foto: VII Cúpula das Américas.
Cidade do Panamá, Panamá, 14/4/2015 – A América
Latina mostrou receitas próprias para seu desenvolvimento na nova era de
relações continentais consagrada na VII Cúpula das Américas, onde Cuba estreou neste
fórum e os Estados Unidos asseguraram ter encerrado o capítulo de “imiscuir-se
impunemente” em seus vizinhos do sul.
“Devemos entender que as Américas ao norte e ao sul
do rio Bravo são diferentes. E devemos conversar como blocos”, afirmou no dia
11 o presidente do Equador, Rafael Correa, na jornada de encerramento da
cúpula, na qual pela primeira vez estiveram presentes os 35 países do
hemisfério.
Com lembranças históricas, berços
anti-imperialistas, propostas de soluções e metas de desenvolvimento, os
governantes expressaram na Cidade do Panamá sua diversidade de posições
políticas e de prioridades, sob o tema oficial do encontro, Prosperidade Com
Igualdade: Os Desafios da Cooperação nas Américas.
A reunião de dois dias foi histórica pela presença
de Cuba, suspensa entre 1962 e 2009 da Organização de Estados Americanos. O
presidente cubano, Raúl Castro, iniciou seu discurso na sessão plenária da
cúpula afirmando: “já era hora de eu falar aqui em nome de Cuba”. Sua presença
foi precedida por outro fato histórico: o restabelecimento de relações
diplomáticas anunciado no dia 17 de dezembro por Castro e seu colega dos
Estados Unidos, Barack Obama.
Sem exceção, os chefes de Estado e de governo que
falaram na sessão plenária, no Centro de Convenções Atlapa, celebraram a
participação da ilha de governo socialista no coro americano. Segundo muitos
deles, representa o fim da Guerra Fria e enterra um período de confrontações
ideológicas entre a esquerda e a direita.
Na cúpula, Obama e Castro aprofundaram o degelo de
56 anos de ácida diferença, com um aperto de mãos na abertura, pontos em comum
em seus respectivos discursos, troca de elogios e uma reunião bilateral, onde
confirmaram sua decisão de avançar para a normalização bilateral, sem
renunciarem às suas diferenças.
A região “já não permite as políticas unilaterais e
de isolamento”, afirmou em seu discurso a presidente Dilma Rousseff. “Hoje
estamos reunidos em um contexto diferente”, ressaltou.
A plena inserção de Cuba e o avançado diálogo que
mantêm desde 2012 o governo colombiano e a guerrilha para acabar com o último
conflito armado na região, de mais de meio século, permite que o continente
possa se declarar uma região de paz, como perseguem os 33 países da Comunidade
de Estados Latino-Americanos e Caribenhos.
Alcibíades Vásquez, ministro de Desenvolvimento Social
do Panamá, é entrevistado, rodeado por alguns líderes indígenas que lhe
entregaram, no dia 11, a declaração Defendendo Nossas Nações, em nome de 300
dirigentes de povos originários que participaram da V Cúpula dos Povos
Indígenas de Abya Yala (América), fórum paralelo à VII Cúpula das Américas.
Foto: Ivet González/IPS.
Para Dilma Rousseff, “a consolidação da democracia
e os novos paradigmas políticos em cada um de nossos países inverteram a lógica
de ação do Estado, dando prioridade ao desenvolvimento sustentável com justiça
social”.
Com uma história de luta sindical e contra a
ditadura (1964-1985), Dilma Rousseff avaliou que a “América Latina tem
atualmente menos pobreza, fome, analfabetismo e mortalidade infantil e materna,
do que em décadas precedentes”, embora continue sendo a região mais desigual do
mundo.
A presidente Dilma defendeu o crescimento econômico
sustentado, guiado por metas únicas de desenvolvimento e redução de
vulnerabilidades em matéria de segurança, educação, migrações, mudança climática,
garantias dos direitos, cooperação, trabalho decente e prevenção de desastres,
com a pior seca em 80 anos que assola o sudeste do Brasil.
Após enfrentar algumas reclamações em matéria de
direitos humanos e respeito à soberania por parte de Correa, Obama disse que
“os Estados Unidos não serão prisioneiros do passado”. Afirmou ter cumprido seu
compromisso de “construir uma nova era de cooperação como aliados em plena
igualdade com base em interesses de respeito mútuo”.
Obama também afirmou que “a relação entre Estados
Unidos e América Latina é a melhor em muitas décadas”. E falou de “áreas nas
quais podemos adiantar ainda mais”, como o respeito às liberdades universais,
reavivar o crescimento econômico, bom governo, transparência, políticas de
juventudes, tráfico de armas e de drogas, e energia limpa, entre outras.
Aplaudido ao chegar e sair, Raúl Castro se estendeu
em um longo percurso histórico pelas relações entre seu país e os Estados
Unidos. Agradeceu a Obama por sua intenção de acabar com o bloqueio econômico
imposto à ilha desde 1962, que “afeta os interesses de todos os Estados” por
seu caráter extraterritorial.
Castro exortou o hemisfério a fortalecer a
cooperação para enfrentar a mudança climática, e melhorar a educação e a saúde.
Deu como exemplo o trabalho em comum acordo entre as duas Américas diante da
epidemia de ebola na África Ocidental, que até agora matou mais de dez mil
pessoas.
O presidente cubano acrescentou que atualmente 65
mil cooperantes cubanos trabalham em 89 países nas áreas de educação e saúde.
Além disso, afirmou que o hemisfério, com vontade, pode fazer muito porque a
ilha, “com recursos muito limitados”, apoiou a formação de 68 mil profissionais
e técnicos de 157 países.
A presidente da Argentina, Cristina Fernández,
convidou a se investir mais nos países latino-americanos para evitar as
migrações para o Norte industrial do continente, Canadá e, sobretudo, Estados
Unidos.
Por sua vez, o mandatário peruano, Ollanta Humala,
reiterou a necessidade de que a região diversifique sua matriz produtiva,
baseada nas matérias-primas, e fale sobre transferência tecnológica.
O grande ponto de atrito na cúpula foi a ordem
executiva assinada por Obama no dia 9 de março, que qualifica a Venezuela com
uma “ameaça” à segurança dos Estados Unidos. “Dos 35 países reunidos aqui, 33
disseram que esse decreto deve ser retirado”, afirmou Kamla Persad-Bissessar, a
primeira-ministra de Trinidad e Tobago.
Ainda sem confirmação oficial, esse tema teria sido
a principal causa para que, pela terceira vez desde que começaram essas
cúpulas, em 1994, o encontro interamericano de máximo nível tenha terminado sem
a prevista declaração final, que se chamaria Mandatos para a Ação.
Por outro lado, os participantes da V Cúpula dos
Povos Indígenas de Abya Yala (América) acordaram em uma declaração final,
intitulada Defendendo Nossas Nações, que cerca de 300 líderes originários
levaram até à sede da cúpula dos mandatários, enfeitados com seus trajes, penas
e outros adornos cerimoniais.
“Se todas as vozes não estiverem representadas não
poderá haver prosperidade com igualdade”, disse à IPS a líder Hokabeq Solano,
da etnia kuna do Panamá. “A representação de nossas comunidades na cúpula e nos
fóruns paralelos foi muito pequena”, queixou-se um dos representantes de 55
milhões de indígenas do hemisfério.
A cúpula indígena foi autônoma da V Cúpula dos
Povos, da qual participaram mais de três mil integrantes de movimentos sociais
e que desde 2005 funciona com um fórum alternativo à reunião oficial.
Os indígenas de Abya Yala pedem em sua declaração
reformas constitucionais que incluam as comunidades originárias, proteção aos
locais sagrados, rejeição dos projetos de desenvolvimento que impliquem
deslocamento forçado e um mapa do caminho para unificar esses povos, entre
outras.
Além disso, cerca de 800 participantes do Fórum da
Sociedade Civil e Atores Sociais, que trabalhou em paralelo à VII Cúpula,
entregaram aos presidentes propostas sobre saúde, educação, segurança, energia,
ambiente, participação da cidadania e governabilidade democrática.
Fonte: ENVOLVERDE
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