Entenda a COP 21 e as disputas em
jogo.
por Maureen Santos*
Em dezembro, em Paris, os 196 integrantes da
ONU vão tentar chegar a um consenso sobre como lidar com as mudanças climáticas.
A falta de vontade política dos países membros da
Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), em
especial os países desenvolvidos, para enfrentar seriamente os problemas
provocadores e provenientes da crise climática, fez com que depois de mais de
duas décadas de negociações pouco tenha sido feito. Em dezembro deste ano, nos
arredores de Paris, os 196 países membros irão se reunir na busca por um
consenso sobre qual será o rumo que a Convenção de clima irá tomar e buscarão
assinar um novo acordo global, que possa substituir o esvaziado e combalido
Protocolo de Kyoto, único instrumento legal da Convenção.
Para entender a próxima Conferência das Partes
(COP), elenquei 21 temas principais sobre o que está em jogo nas negociações
oficiais e na preparação das mobilizações da sociedade civil.
1 – Multilateralismo: A
reafirmação do multilateralismo ou não como espaço coletivo de tomada de
decisões sobre um tema que atravessa fronteiras físicas e atmosféricas é o pano
de fundo das negociações. Para alguns países como o Brasil, se a conferência
resultar em um acordo global mesmo que fraco, significa salvar o espaço
multilateral expresso pela UNFCCC.
2 – Plataforma de Durban (ADP):
É o trilho de negociação estabelecido em 2011 durante a COP 17, realizada em
Durban. Seu mandato é elaborar os elementos para a criação de um novo
instrumento jurídico vinculante, que poderá ser um novo protocolo ou não, que
sob a Convenção será aplicável a todas as partes. O mandato da ADP se completa
na COP 21.
3 – Workstreams 1 e 2: O
primeiro diz respeito ao conteúdo do novo acordo de clima, que entraria em
vigor a partir de 2020; e o segundo é relativo a ambição que o país membro tem
para implementar ações no período de 2015-2020, denominado pré-2020.
4 – Chamada de Lima para Ação Climática:
Documento final da COP 20 pouco ambicioso e vago, determina que as partes devem
descrever de forma clara suas INDCs, ver abaixo. Destaque para a reafirmação do
princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas, e de que os países
desenvolvidos devem ter obrigações em financiamento, capacitação e
transferência de tecnologias para os países em desenvolvimento.
5 – INDCs: São Contribuições
Intencionais Nacionalmente Determinadas (sigla em inglês), que definem quanto,
como e quando os países irão reduzir suas emissões. Muitos países estão
realizando processos de consultas nacionais sobre o tema, como foi o caso do
Brasil cujo resultado ainda não foi disponibilizado. É o esqueleto do novo
acordo.
6 – Rascunho Zero: Texto base de
negociação para o que será acordado em Paris, cuja última versão datada de
fevereiro, contém 109 páginas e 221 artigos que incorporam as diversas opções
sobre a mesa. O texto inclui os temas mitigação, adaptação, financiamento,
transferência de tecnologia, capacitação e transparência para ações e para o
apoio.
7 – Princípio das responsabilidades
comuns, porém diferenciadas e suas respectivas capacidades: Consta no
preâmbulo da Convenção Quadro e foi materializado pela divisão de compromissos
entre as partes do Protocolo de Kyoto, mas vem sendo ameaçado. Estabelece que
todos os países devem dividir entre si os custos das ações de redução de
emissões, cabendo aos países desenvolvidos assumirem as primeiras medidas, uma
vez que historicamente contribuíram mais para as emissões e apresentam maior
capacidade econômica para suportar tais custos e provir recursos financeiros
para o enfrentamento do problema pelos países em desenvolvimento.
8 – Diferenciação concêntrica:
proposta brasileira feita na COP 20 e que ganha espaço nas negociações, “na
qual os países se distribuiriam em bandas de compromisso, com possibilidade de
transição de uma zona para a outra dependendo do contexto e das capacidades
correntes de cada país”. Tende a atender tanto o princípio das
responsabilidades comuns, porém diferenciadas, quanto à demanda dos países
desenvolvidos para que os países emergentes também assumam compromissos.
9 – Mitigação e adaptação:
muitos países defendem que o acordo deve ter equilíbrio entre os dois temas e
não focar só na redução das emissões (mitigação), como vem acontecendo no
histórico de decisões das COPs.
10 – Sem perdas líquidas (No net loss):
Tema preocupante que implica a compensação das emissões (offseting),
significando que o mundo possa continuar emitindo gases de efeito estufa (GEE)
desde que exista uma forma de os “compensar”. Assim, ao invés de tomar medidas
concretas de redução das emissões, poderão continuar emitindo enormes
quantidades de CO2 e, ao mesmo tempo, alegar que estão combatendo as mudanças
climáticas por meio do “apoio” ao desenvolvimento da tecnologia CCS (captura e
estoque de carbono).
11 – Novos mecanismos de mercado:
Outro tema de grande preocupação, em especial, motivada pelas críticas em
relação a falta de efetividade destes tipos de mecanismos no enfrentamento da
crise climática, como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Estas
críticas também são relativas aos impactos que estes projetos geram nos
territórios, cuja inviabilização é latente por não serem consideradas na
avaliação da efetividade dos mesmos, que se concentram apenas no item redução
de GEE.
12 – Fundo Verde do Clima e
financiamento: Apesar de ter sido aprovado em 2010, na COP 16, em
Cancun, e estabelecer dois mecanismos de financiamento: um de curto prazo
chamado fast start (2011-2013) que nunca saiu do papel; e outro que tinha o
objetivo de atingir US$ 100 bilhões anuais de 2013 a 2020; o Fundo começou a
receber recursos somente no ano passado, quando arrecadou pouco mais de US$ 10
bilhões provenientes de 29 países, entre desenvolvidos e em desenvolvimento.
13 – REDD+: A discussão
principal é se entra ou não mecanismos de mercado para o financiamento da
Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD+). O Brasil vem sendo
categórico em suas afirmações contrárias ao mercado em REDD+, tendo apoio de
organizações e movimentos sociais como os reunidos no Grupo Carta de Belém, que
vem rebatendo a abordagem REDD+ por entender, entre outras críticas, que
incluir mercado de carbono no financiamento dos projetos é incluir a
compensação de emissões.
14 – Bioenergia e CCS: é o
garoto-propaganda da nova abordagem de no net loss. Denominado BECCS nas
negociações, envolve o plantio de uma enorme quantidade de grama e monocultivo
de árvores para queima de biomassa com fins de geração de eletricidade,
capturando o CO2 emitido e bombeando para reservatórios geológicos
subterrâneos.
15 – Uso da terra: tema forte na
negociação na qual vem se fortalecendo a abordagem em ‘escala de paisagem’
(landscape approach), que seria a integração entre florestas e produção
agropecuária. O uso da terra entra intensamente na agenda de mitigação, mas
também em adaptação. Ainda sobre este tema, existem os chamados co-benefícios,
que estão relacionados a questões sociais e também a proteção da
biodiversidade.
16 – Agricultura climaticamente inteligente
(CSA): agricultura que aumenta a produtividade com resiliência
(adaptação), ao mesmo tempo em que sequestra gases de GEE sem efetivamente
reduzi-los, já que os créditos de redução seriam vendidos para outros locais
poderem continuar emitindo. As formas de financiamento seriam por meio da
medição e mercantilização do carbono do solo. Existe pressão para que a CSA
entre no novo acordo, especialmente por parte da Organização das Nações Unidas
para Alimentação e Agricultura (FAO) e do Banco Mundial.
17 – Mecanismo de perdas e danos:
Criado na COP19, busca o enfrentamento dos eventos extremos e é visto com
bons olhos pela sociedade civil e pelos países em desenvolvimento por tratar
com mais importância um tema fundamental para adaptação. No entanto, não
discute ainda o tema financiamento, nem se incorpora diretamente ao tema
adaptação no rascunho proposto. Além disso, há preocupação que as agências de
avaliação de risco, que na verdade são grandes seguradoras, possam transformar
o mecanismo em mais uma falsa solução ao enfrentamento da crise climática,
trazendo mais dificuldades para que os países afetados possam acessar os
possíveis recursos.
18 – Cúpulas dos Povos: Como
espaço autônomo das organizações e movimentos sociais, ocupa um papel
importante na construção de processos e na busca de sínteses, ainda que estas
últimas possam ser melhor aproveitadas. A Cúpula de Lima foi importante para a
América Latina, no sentido de reaproximar em sua preparação grandes forças
sociais da região, ao formalizar um Grupo de Enlace regional, que pretende
continuar trabalhando junto rumo a Paris e além.
19 – Mobilizações da sociedade civil
global para a COP 21: organizações sociais reunidas na Coalizão
Francesa começaram desde o ano passado a se mobilizar para organizar atividades
durante o período da COP 21. Na semana passada, foi realizada reunião
internacional de preparação, na Tunísia, onde organizações de fora da Europa
puderam participar e entender melhor o processo. O grande desafio é construir
um caminho que possa ter cara própria e posicionamentos firmes, ao mesmo tempo
em que envolva uma gama diversa de organizações sociais que têm posições
políticas bastante distintas em relação às grandes questões ligadas às mudanças
climáticas, entre elas, o debate sobre soluções de mercado e se querem ou não
um novo acordo global sobre clima.
20 – Calendário internacional rumo a
Paris: 30 e 31 de Maio e 26 e 27 de setembro, mobilizações em toda
Europa; 28 e 29 de novembro, mobilizações de massa incluindo marchas e flash
mobs; de 06 a 11 de dezembro, espaço de debates da sociedade civil e
mobilizações descentralizadas; 12 de dezembro, mobilização e ações diretas em
Paris. Em relação ao calendário oficial das negociações, há três reuniões
previstas até a COP: 1 a 11 de junho, em Bonn (Alemanha); 31 agosto a 04 de
setembro, em Bonn; 19 a 23 de outubro, em Bonn.
21 – Construção de novas narrativas:
Parte da sociedade civil global que se aglutina nos últimos oito anos em torno
da bandeira da justiça climática está construindo novas narrativas que possam,
por um lado, ampliar o escopo de atuação para além do tema mudanças climáticas,
e por outro, caminhar para um processo de construção de plataformas e de
movimento frente à fragmentação que a sociedade civil atravessa. Resta saber se
novas formas de mobilização popular via redes sociais e atos coreografados,
muitas vezes esvaziados de conteúdo político, não vão atrapalhar mais do que
ajudar o processo. Há sempre risco.
Por fim, neste momento, talvez a UNFCCC e o
movimento por justiça climática tenham pelo menos uma coisa em comum: a
necessidade de sair da inércia. Se pelo lado oficial a COP 21 será importante
para salvar ou não o multilateralismo, por correr o risco do acordo não ser nada
mais que um sistema baseado em promessas longe de se comprometer com o limite
dos 2ºC; por parte das organizações e movimentos sociais talvez esta seja a
última COP de clima com grande mobilização nas ruas. Por isso a agenda
parisiense é tão relevante, para que possa trazer ânimo e força, criando
espaços de convergência e propostas concretas que deem continuidade às
sínteses, ao mesmo tempo em que pavimentem caminhos futuros. (Carta
Capital/ #Envolverde).
* Maureen Santos
é integrante do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GRRI,
coordenadora do Programa de Justiça Socioambiental da Fundação Heinrich Böll
Brasil e professora da graduação do Instituto de Relações Internacionais da
PUC-Rio.
Fonte: Carta
Capital
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