Maranhão: MP e MPF ingressam com
ação em defesa de comunidades afetadas por termelétricas.
A 38ª Promotoria de Justiça Especializada em
Conflitos Agrários e a Procuradoria da República no Estado do Maranhão
ingressaram, no último dia 23, com uma Ação Civil Pública contra o Estado do
Maranhão e a empresa Eneva S.A. A ação foi motivada pelos impactos trazidos
pelo Complexo Termelétrico Parnaíba, localizado no município de Santo Antônio
dos Lopes, a comunidades tradicionais da região.
Por conta da relação com a empresa, a Agência
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) foi considerada litisconsorte passiva na
ação. Isso ocorre pois, caso haja a suspensão de licença ambiental do complexo
termelétrico, os contratos firmados entre a agência e a empresa, para
fornecimento de energia elétrica, serão diretamente afetados.
O complexo termelétrico, de responsabilidade da
Eneva S.A. (anteriormente, a empresa se chamava MPX, até passar ao controle da
empresa alemã E.ON.) engloba quatro usinas, das quais três já estão em
operação. Em sua área de influência, estão várias comunidades tradicionais,
sendo as mais atingidas as de Demanda e Morada Nova.
De acordo com laudo antropológico produzido a
pedido do Ministério Público Federal, os impactos comprometem radicalmente o
modo de vida das comunidades, destacando-se os “ruídos, modificações na
qualidade do ar, escassez do babaçu, comprometimento dos recursos hídricos que
atendiam às famílias, com repercussão direta nas relações sociais lá
constituídas, na qualidade de vida das pessoas, na sua fonte de subsistência,
em detrimento, inclusive, da segurança alimentar dos impactados”.
As áreas das quais os moradores retiravam água e
exerciam a pesca foram comprometidas pela poluição. Áreas com palmeiras de
babaçu, nas quais as mulheres realizavam atividades extrativistas com a venda
das amêndoas, óleo e carvão produzido a partir da casca do coco, foram
suprimidas. Também foram prejudicadas atividades tipicamente masculinas como o
roçado, o plantio e a venda da força de trabalho em áreas próximas.
“A renda das famílias se viu completamente
deteriorada e a sua autonomia econômica totalmente estrangulada”, afirma a ação
assinada pelo promotor de justiça Haroldo Paiva de Brito e os procuradores da
República Alexandre Silva Soares, Talita de Oliveira e Flaubert Martins Alves.
A ação aponta que muitos dos problemas
encontrados eram condicionantes para a concessão de licenças às usinas
termelétricas. No entanto, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema),
apesar de apontar as desconformidades, não exigiu a adoção de medidas para solucioná-las.
O programa de reassentamento da comunidade, que também era condicionante das
licenças ambientais, não foi implementado.
Além disso, a fiscalização foi falha, conforme
mostram documentos da própria secretaria a respeito do controle de qualidade da
água, da poluição atmosférica e sonora na região.
“A despeito disso, o licenciamento ambiental teve
seguimento, com expedição das licenças prévia, de instalação e operação, em
prejuízo às comunidades tradicionais impactadas que não tiveram implementadas medidas
compensatórias e mitigatórias de forma adequada, notadamente o remanejamento
entendido pelo próprio empreendedor e pela Sema como necessário”, observa a
ação.
COMPENSAÇÃO
As medidas compensatórias adotadas não foram
suficientes, no entendimento do Ministério Público. A Eneva S.A. adotou a
compensação por repasse financeiro em valores incompatíveis às atividades antes
exercidas, excluindo indevidamente várias quebradeiras de coco e condicionando
o pagamento à frequência a cursos e treinamentos em assuntos que nada tinham a
ver com as atividades tradicionais dos trabalhadores. Chegou-se ao cúmulo de
uma mulher analfabeta se sujeitar a frequentar um curso de informática,
obviamente sem nenhum aproveitamento, condição obrigatória para receber a
“compensação”.
Deve-se ressaltar que a compensação é obrigação
legal para reparar os danos causados às famílias com a implantação das usinas
termelétricas. “A ação de compensação se transformou em uma espécie de
pagamento às mulheres – ou elas trabalham, da maneira que o empreendedor
entende que devem fazê-lo, seja fazendo artesanato ou curso de computação – ou
não recebem o que lhes é devido”, ressalta o laudo antropológico sobre a
realidade das comunidades.
A função fiscalizadora, que deveria ser exercida
pela Sema, também foi falha nesse aspecto, como deixa claro o laudo
antropológico: “sem compreender o funcionamento da economia familiar e o peso
do trabalho feminino para a composição da renda da família, o órgão licenciador
torna-se incapaz de monitorar as ações do empreendedor no tocante a este
aspecto dos impactos negativos causados a esta comunidade”.
Os autores da ação observam que: “O grande
sentimento dos impactados é de humilhação, ante o descaso com que são tratados
e ainda a frustração de expectativas, a impossibilidade de produzir, a ruptura
das relações sociais, a impossibilidade de planejamento, inclusive quanto a
casamentos e espera por filhos (vez que o empreendedor realizou um
‘congelamento’ dos cadastros das famílias, de modo que novas constituições
serão compreendidas momo mero desmembramento)”.
PEDIDOS
“As comunidades tradicionais, reconhecidamente,
estão expostas a ruídos, poluição do ar e da água, e há outros perigos, e foram
alijadas de suas principais fontes de renda e de alimentação, não havendo
condições de permanecer no local. Desse modo, faz-se urgente o remanejamento
das famílias que lá estão em prazo razoável, de maneira adequada e com as
medidas necessárias à garantia da dignidade das pessoas que a constituem”,
alerta o Ministério Público.
Diante dessa situação, foi solicitado que a
Justiça determine prazo de 30 dias para que a empresa promova a inclusão em
seus cadastros para os planos de reassentamento de todas as famílias
efetivamente impactadas, sem qualquer tipo de discriminação. Também foi
requerido que, no prazo improrrogável de 180 dias, seja feito o reassentamento
efetivo, em condições adequadas, de todas as famílias afetadas pelo Complexo
Termelétrico Parnaíba. O processo deve obedecer às condições estipuladas no
plano de reassentamento aprovado pela Sema, à licença ambiental e ao termo de
compromisso firmado com os prejudicados.
A Eneva S.A. também não deverá estabelecer
qualquer restrição ao modo de vida das famílias enquanto não for realizado o
reassentamento, assegurando-lhes a realização de benfeitorias necessárias em
suas moradias e áreas produtivas e o direito de realizar livremente as suas
atividades produtivas.
Ainda como medida liminar, foi pedido que o
Estado do Maranhão seja condenado a acompanhar a implementação do plano de
reassentamento, suspendendo as licenças ambientais (especialmente a de
operação) em caso de descumprimento, inclusive com a suspensão dos contratos
firmados com a ANEEL.
Foi pedido ainda que, ao final do processo, a
empresa seja condenada a indenizar os prejuízos causados às comunidades
impactadas, inclusive em danos morais coletivos; e a efetivar as providências
compensatórias e mitigatórias em favor das comunidades especificadas nas
licenças e programas apresentados durante o licenciamento ambiental.
Fonte: MPMA
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