Trabalho infantil não cessa nas
plantações de tabaco dos Estados Unidos.
por
Valentina Ieri, da IPS
As meninas e os meninos que trabalham em plantações
de tabaco são vulneráveis ao envenenamento por nicotina, especialmente quando
manipulam as folhas de tabaco úmidas. Foto: MgAdDept / CC-BY-AS.
Nações Unidas, 9/4/2015 – Para muitos jovens dos
Estados Unidos, o verão é sinônimo de férias e tempo livre. Mas, para outros,
menos afortunados, significa ter de trabalhar em plantações de tabaco, em
condições de insalubridade, para ajudar a pagar as contas da família. Uma
recente série de iniciativas que têm o objetivo de limitar o trabalho infantil
no multimilionário setor tabagista desse país indica um ponto de inflexão, mas
os ativistas recordam que a árdua batalha ainda não terminou.
Um informe da organização de direitos humanos Human
Rights Watch (HRW) denuncia as duras condições do trabalho infantil na Carolina
do Norte, Kentucky, Tennessee e Virginia, quatro dos principais Estados
produtores de tabaco dos Estados Unidos, que, em conjunto, respondem por 90% da
produção nacional do setor. Em 2012, o valor das folhas de tabaco produzidas
nesse país chegou a US$ 1,5 bilhão.
Segundo o informe, a maioria dessas crianças, às
vezes com apenas 12 anos, e de origem latino-americana, trabalha nas plantações
para ajudar suas famílias a pagar o aluguel e outras despesas, como comida e
material escolar. Muitos “optaram por esse trabalho difícil porque não há
outras oportunidades de emprego nas comunidades onde vivem”, afirmou Margaret
Wurth, uma das autoras do informe, divulgado em maio do ano passado.
Das 141 crianças entrevistadas pela HRW, dois
terços sofreram forte intoxicação, conhecida como doença do tabaco verde (GTS),
que ocorre quando os trabalhadores absorvem a nicotina pela pele enquanto
manipulam as plantas de tabaco, especialmente com as folhas molhadas. Dario, de
16 anos, trabalhou nas fazendas do Kentucky. “O cultivo mais difícil de todos
para trabalhar é o tabaco. Cansa, tira sua energia, deixa doente, mas é preciso
voltar novamente ao tabaco no dia seguinte”, contou na entrevista à HRW.
Os sintomas mais comuns são tonturas, vômitos,
náuseas e dores de cabeça. Algumas crianças também disseram que os empregadores
não lhes garantem cursos de formação nem equipamentos de segurança. Muitos
trabalham descalços e outros usam apenas meias nos campos barrentos, segundo a
investigação da HRW. “Eu usava sacos plásticos, porque a roupa molhava pela
manhã. Faziam buracos nos sacos para que pudéssemos enfiar as mãos. Então saía
o sol e o plástico nos sufocava. Você quer tirá-lo”, disse Fabiana, de 14 anos.
Os Centros para o Controle e a Prevenção de
Enfermidades informaram que, em 2012, os Estados Unidos produziram
aproximadamente 360 mil toneladas de tabaco. Esse país é o quarto produtor do
mundo, depois de China, Brasil e Índia, mas, ao contrário de seus competidores,
não regula a idade de seus empregados nas plantações, explicou Alfonso López,
legislador do governante Partido Democrata na Câmara de Delegados do Estado de
Virginia.
Recentemente, esse Estado teve a oportunidade de se
converter no primeiro do país a promulgar uma lei sobre trabalho infantil nas
plantações de tabaco, mas o projeto foi derrotado. “Meu projeto de lei proibia
a contratação de menores de 18 anos para trabalhar em contato direto com as folhas
de tabaco ou o tabaco seco, com a exceção daqueles que tivessem autorização de
seus pais para trabalhar na agricultura familiar”, disse López à IPS.
A pressão dos ativistas e estudos como o da HRW
provocam, lentamente, respostas, já que duas grandes coalizões de produtores, a
Associação de Cultivadores de Tabaco da Carolina do Norte (TGANC) e o Conselho
do Tabaco Burley do Kentucky, adotaram políticas que impedem a contratação de
meninos e meninas menores de 16 anos, e exigem o consentimento dos pais para os
adolescentes de 16 e 17 anos.
Duas empresas do ramo do tabaco, o Altria Group,
matriz da Philip Morris Estados Unidos, com sede em Virginia, e a R. J.
Reynolds Tobacco Company, adotaram políticas similares para melhorar a
segurança das crianças que trabalham na indústria, afirmou Wurth. Em 2014, a
Philip Morris USA, a Reynolds American Inc. e Lorillard acumulavam 85% das
vendas de cigarros nesse país.
Um porta-voz do Altria Group, Jeff Caldwell,
declarou à IPS que a empresa assinou em 2014 uma promessa de compromisso
internacional para erradicar toda forma de trabalho infantil na cadeia de
produção do tabaco, promovida pela Fundação pela Eliminação do Trabalho
Infantil nas Plantações de Tabaco. No ano passado, o Altria Group começou a
comprar tabaco diretamente dos produtores, em lugar de adquirir de
intermediários, a fim de assegurar que não empregassem menores de 18 anos,
acrescentou.
“Também temos um programa muito sólido para
capacitar nossos produtores e comunicar a todos as boas práticas agrícolas padronizadas
do tabaco norte-americano, para garantir que todos esses produtores as
conheçam, estejam capacitados e cumpram as políticas e leis que regem o cultivo
do tabaco com a finalidade de proteger as crianças”, acrescentou o porta-voz.
Entretanto, essas medidas só se aplicam às
plantações que fazem parte das grandes cadeias de produção, disse López. “A
maioria dos principais compradores de tabaco cultivado nos Estados Unidos
adotou normas de trabalho infantil que dão mais proteção do que a lei norte-americana.
Mas creio que, sem um marco regulatório mais forte, muitas crianças ficarão
inevitavelmente de fora”, destacou.
No final de março, o Departamento de Trabalho dos
Estado Unidos divulgou um boletim de práticas recomendadas, em conjunto com a
Administração de Segurança e Saúde Ocupacional e o Instituto Nacional de
Segurança e Saúde Ocupacional. Um porta-voz do Departamento de Trabalho
informou à IPS que as recomendações têm o objetivo de educar as empresas do
setor de tabaco, os agricultores e os trabalhadores na prevenção dos efeitos da
doença do tabaco verde, mediante formação e equipamentos de trabalho adequados.
O boletim recomenda o uso de luvas, camisas de
manga comprida, calça comprida e roupa resistente à água quando se manipula as
folhas de tabaco para evitar a exposição à nicotina. Também reconhece que as
crianças podem sofrer piores consequências do que os adultos se essas
disposições não forem cumpridas, acrescentou o porta-voz. Entretanto, o boletim
não menciona expressamente o trabalho infantil nem especifica as formas de
remediar o problema mediante uma regulamentação mais concreta.
Fonte: ENVOLVERDE
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