quarta-feira, 15 de abril de 2015

Lei de acesso à biodiversidade corre risco de sofrer revés na Câmara.
por Jaime Gesisky, do WWF Brasil
Lei da biodiversidade pode ser votado nesta terça. Foto: Agência Senado.

O Senado deverá votar nesta semana o Projeto de Lei (PLC) nº 2/2015 – que trata sobre os recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade e à agrobiodiversidade. Na opinião de ONGs, representantes de povos indígenas, comunidades tradicionais e cientistas reunidos em um seminário em Brasília na última quarta-feira, o projeto avançou em relação ao que veio da Câmara dos Deputados (PL 7.735/2014), em fevereiro deste ano, pois incorporou pleitos das entidades civis. Espera-se que os senadores mantenham os avanços obtidos até agora. O temor é que essas melhorias retrocedam quando o projeto for a votação final pelos deputados, que podem rejeitar as mudanças.

Cientistas e comunitários denunciaram que texto que chegou para os senadores tem, desde sua origem, na Casa Civil da Presidência da República, forte influência da indústria de fármacos e cosméticos e baixa participação dos demais setores diretamente envolvidos no tema.

Além disso, ao mandar o projeto de lei para a Câmara, em 2014, o governo determinou que ele tivesse o caráter de “urgência”, de modo a tramitar rapidamente pelo Congresso Nacional. A estratégia governista não favoreceu em nada a realização de consultas mais amplas.

A sociedade civil publicou críticas e manifestos considerando que o governo estava rompendo direitos de parte da sociedade. Somente ao tramitar no Senado é que cientistas e comunidades tradicionais começaram a ser ouvidos e alguns de seus pontos de vista considerados na formulação da futura lei.

“Não é o texto que sonhamos, no entanto, o projeto do Senado assegura direitos aos povos e comunidades tradicionais que estavam ameaçados pelo texto original”, comentou Rubens Gomes, presidente do Grupo de Trabalho Amazônico – GTA. A rede reúne cerca de 600 entidades representativas de extrativistas, indígenas e outras comunidades diretamente interessadas na discussão.

Segundo Gomes, os senadores criaram um ambiente favorável ao debate. “Embora o cenário político na Câmara dos Deputados seja desfavorável aos interesses dos povos indígenas e populações tradicionais, os deputados precisam respeitar esse processo democrático”, advertiu.

Engenharia

Para a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, Helena Nader, a Câmara precisa voltar a dialogar. “A lei de acesso ao patrimônio genético deve ser encarada como um projeto para o Brasil, discutido e acordado com a sociedade civil e não com apenas com as indústrias”, disse.

“Creio que é possível manter o equilíbrio que conseguimos no Senado e garantir direitos e obrigações reivindicados pela comunidade científica e pelos povos e comunidades tradicionais”, argumentou a presidente da SBPC.

Segundo ela, a versão da lei que irá para a apreciação dos deputados deverá trazer avanços como, por exemplo, a alteração do conceito de “elemento de agregação de valor ao produto”. Na prática, significa que não importa em que proporção determinado produto traz elementos de biodiversidade nativa ou seja resultado do conhecimento de algum povo ou comunidade tradicional. Tem de haver repartição de benefícios. Da maneira como foi escrito pelos deputados, o texto limitava esse direito.

A nova redação também manteve a expressão “povo indígena” para se referir a esses grupos com território, fala e língua próprios. Assim também é na nomenclatura da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, da qual o Brasil é signatário. O texto anterior falava em “populações indígenas”, um ranço ainda do governo militar, que considerava esses povos incapazes de gerir seus próprios interesses.

O texto determinou ainda que Terras Indígenas, Territórios Quilombolas e Unidades de Conservação recebam benefícios não monetários em casos de repartição de benefícios.

Os senadores também incluíram a exigência da paridade na participação de institutos de pesquisa brasileiros em projetos de pesquisa envolvendo instituições estrangeiras. “Na China, essa paridade é de 50% para a participação de pesquisadores de outros países com o objetivo de transferência tecnológica”, explicou Nader.

Outro conceito mantido foi o de agricultor tradicional – em detrimento de “agricultor familiar”, como queriam os deputados da bancada ruralista. “Isso desvirtuaria a ideia da lei de acesso e repartição de benefícios”, comentou Maurício Guetta, do Instituto Socioambiental.

Ele destacou que os senadores melhoraram o artigo da lei que trata do controle e fiscalização das atividades envolvidas no acesso ao patrimônio genético. Pelo texto do Senado, o controle deve se dar antes do início das atividades, por um ato administrativo, garantida a anuência das comunidades envolvidas.

O relator do projeto na Comissão de Meio Ambiente do Senado, senador Jorge Viana (PT/AC), disse tudo depende agora de uma “engenharia política” para assegurar o novo texto. Viana, porém, acredita que a Câmara receberá uma redação mais arrojada. “O momento é de maturidade com o futuro do país. Conseguimos dialogar com todos os segmentos. Não é um projeto ideal. Mas o projeto possível”, sinalizou.

“Nosso papel será influir para que a lei favoreça a toda a sociedade, que respeite os direitos dos detentores de saberes ancestrais e garanta a soberania sobre o patrimônio genético nacional”, afirmou Aldem Bourscheit, especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil.

Em discussão

Essencialmente, o que está em jogo no projeto de lei é o acesso ao patrimônio genético nacional para fins de pesquisa e desenvolvimento de produtos e a repartição de benefícios com aqueles que detêm conhecimentos tradicionais relacionados ao uso de plantas e outros organismos vivos.

Esses segredos que indígenas, quilombolas e outros povos da floresta guardam na memória são atalhos científicos que muito interessam à indústria. Tratados internacionais de que o Brasil faz parte preveem que esses saberes tradicionais devem ser valorizados e recompensados quando repartidos com cientistas e empresas.

Entre esses tratados está a Convenção da Diversidade Biológica das Nações Unidas – CDB. O Brasil também é país membro da Organização Internacional do Trabalho – OIT, cuja convenção 169 garante aos povos e às comunidades tradicionais o direito de participar de decisões que afetam suas gentes e suas culturas, tais como obras de infraestrutura ou mesmo uma pesquisa científica em seus territórios.

“Esses acordos internacionais foram pactuados pelo governo e tiveram a anuência do Congresso Nacional. Eles precisam estar refletidos na nova legislação”, lembrou Jean François Timmers, Superintendente de Políticas Públicas do WWF-Brasil. (WWF-Brasil/ #Envolverde).


Fonte: WWF Brasil

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