Lei de acesso à biodiversidade
corre risco de sofrer revés na Câmara.
por Jaime Gesisky, do WWF
Brasil
O Senado deverá votar nesta semana o Projeto de
Lei (PLC) nº 2/2015 – que trata sobre os recursos genéticos e conhecimentos
tradicionais associados à biodiversidade e à agrobiodiversidade. Na opinião de
ONGs, representantes de povos indígenas, comunidades tradicionais e cientistas
reunidos em um seminário em Brasília na última quarta-feira, o projeto avançou
em relação ao que veio da Câmara dos Deputados (PL 7.735/2014), em fevereiro
deste ano, pois incorporou pleitos das entidades civis. Espera-se que os
senadores mantenham os avanços obtidos até agora. O temor é que essas melhorias
retrocedam quando o projeto for a votação final pelos deputados, que podem
rejeitar as mudanças.
Cientistas e comunitários denunciaram que texto
que chegou para os senadores tem, desde sua origem, na Casa Civil da
Presidência da República, forte influência da indústria de fármacos e
cosméticos e baixa participação dos demais setores diretamente envolvidos no
tema.
Além disso, ao mandar o projeto de lei para a
Câmara, em 2014, o governo determinou que ele tivesse o caráter de “urgência”,
de modo a tramitar rapidamente pelo Congresso Nacional. A estratégia governista
não favoreceu em nada a realização de consultas mais amplas.
A sociedade civil publicou críticas e manifestos
considerando que o governo estava rompendo direitos de parte da sociedade.
Somente ao tramitar no Senado é que cientistas e comunidades tradicionais
começaram a ser ouvidos e alguns de seus pontos de vista considerados na
formulação da futura lei.
“Não é o texto que sonhamos, no entanto, o
projeto do Senado assegura direitos aos povos e comunidades tradicionais que
estavam ameaçados pelo texto original”, comentou Rubens Gomes, presidente do
Grupo de Trabalho Amazônico – GTA. A rede reúne cerca de 600 entidades
representativas de extrativistas, indígenas e outras comunidades diretamente
interessadas na discussão.
Segundo Gomes, os senadores criaram um ambiente
favorável ao debate. “Embora o cenário político na Câmara dos Deputados seja
desfavorável aos interesses dos povos indígenas e populações tradicionais, os
deputados precisam respeitar esse processo democrático”, advertiu.
Engenharia
Para a presidente da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência – SBPC, Helena Nader, a Câmara precisa voltar a dialogar.
“A lei de acesso ao patrimônio genético deve ser encarada como um projeto para
o Brasil, discutido e acordado com a sociedade civil e não com apenas com as
indústrias”, disse.
“Creio que é possível manter o equilíbrio que
conseguimos no Senado e garantir direitos e obrigações reivindicados pela
comunidade científica e pelos povos e comunidades tradicionais”, argumentou a
presidente da SBPC.
Segundo ela, a versão da lei que irá para a
apreciação dos deputados deverá trazer avanços como, por exemplo, a alteração
do conceito de “elemento de agregação de valor ao produto”. Na prática,
significa que não importa em que proporção determinado produto traz elementos
de biodiversidade nativa ou seja resultado do conhecimento de algum povo ou
comunidade tradicional. Tem de haver repartição de benefícios. Da maneira como
foi escrito pelos deputados, o texto limitava esse direito.
A nova redação também manteve a expressão “povo
indígena” para se referir a esses grupos com território, fala e língua
próprios. Assim também é na nomenclatura da Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho – OIT, da qual o Brasil é signatário. O texto
anterior falava em “populações indígenas”, um ranço ainda do governo militar,
que considerava esses povos incapazes de gerir seus próprios interesses.
O texto determinou ainda que Terras Indígenas,
Territórios Quilombolas e Unidades de Conservação recebam benefícios não monetários
em casos de repartição de benefícios.
Os senadores também incluíram a exigência da
paridade na participação de institutos de pesquisa brasileiros em projetos de
pesquisa envolvendo instituições estrangeiras. “Na China, essa paridade é de
50% para a participação de pesquisadores de outros países com o objetivo de
transferência tecnológica”, explicou Nader.
Outro conceito mantido foi o de agricultor
tradicional – em detrimento de “agricultor familiar”, como queriam os deputados
da bancada ruralista. “Isso desvirtuaria a ideia da lei de acesso e repartição
de benefícios”, comentou Maurício Guetta, do Instituto Socioambiental.
Ele destacou que os senadores melhoraram o artigo
da lei que trata do controle e fiscalização das atividades envolvidas no acesso
ao patrimônio genético. Pelo texto do Senado, o controle deve se dar antes do
início das atividades, por um ato administrativo, garantida a anuência das
comunidades envolvidas.
O relator do projeto na Comissão de Meio Ambiente
do Senado, senador Jorge Viana (PT/AC), disse tudo depende agora de uma
“engenharia política” para assegurar o novo texto. Viana, porém, acredita que a
Câmara receberá uma redação mais arrojada. “O momento é de maturidade com o
futuro do país. Conseguimos dialogar com todos os segmentos. Não é um projeto
ideal. Mas o projeto possível”, sinalizou.
“Nosso papel será influir para que a lei favoreça
a toda a sociedade, que respeite os direitos dos detentores de saberes
ancestrais e garanta a soberania sobre o patrimônio genético nacional”, afirmou
Aldem Bourscheit, especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil.
Em discussão
Essencialmente, o que está em jogo no projeto de
lei é o acesso ao patrimônio genético nacional para fins de pesquisa e
desenvolvimento de produtos e a repartição de benefícios com aqueles que detêm
conhecimentos tradicionais relacionados ao uso de plantas e outros organismos
vivos.
Esses segredos que indígenas, quilombolas e
outros povos da floresta guardam na memória são atalhos científicos que muito
interessam à indústria. Tratados internacionais de que o Brasil faz parte
preveem que esses saberes tradicionais devem ser valorizados e recompensados
quando repartidos com cientistas e empresas.
Entre esses tratados está a Convenção da
Diversidade Biológica das Nações Unidas – CDB. O Brasil também é país membro da
Organização Internacional do Trabalho – OIT, cuja convenção 169 garante aos
povos e às comunidades tradicionais o direito de participar de decisões que
afetam suas gentes e suas culturas, tais como obras de infraestrutura ou mesmo
uma pesquisa científica em seus territórios.
“Esses acordos internacionais foram pactuados
pelo governo e tiveram a anuência do Congresso Nacional. Eles precisam estar
refletidos na nova legislação”, lembrou Jean François Timmers, Superintendente
de Políticas Públicas do WWF-Brasil. (WWF-Brasil/ #Envolverde).
Fonte: WWF
Brasil
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