quarta-feira, 29 de abril de 2015

Casamento é apenas para ele e ela na Nicarágua.
por José Adán Silva, da IPS
Uma das inúmeras mobilizações realizadas em 2014 por organizações defensoras da diversidade sexual na Nicarágua pelo direito ao matrimônio e à adoção de pessoas lésbicas, gays, bissexuais e trans, o que finalmente não foi reconhecido no novo Código de Família. Foto: Cortesia da Rede de Desenvolvimento Sustentável da Nicarágua

Manágua, Nicarágua, 24/4/2015 – A Nicarágua estreou este mês um novo Código de Família que, no geral, melhora e atualiza os direitos da população, mas também apresenta uma grande lacuna: não reconhece o casamento entre pessoas do mesmo sexo e, em consequência, lhes fecha as portas para a adoção.

As organizações que defendem os direitos das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexuais (LGBTI) lutaram sem êxito até o final para que a nova ordem legal estabelecida pela Lei 870, a do novo Código, acolhesse suas demandas em favor do matrimônio igualitário e da adoção.

Marvin Mayorga, ativista do Projeto Ações Urgentes Contra a Discriminação por Orientação Sexual e Identidade de Gênero na Nicarágua, ressaltou à IPS “o caráter discriminatório da lei”. A falta de reconhecimento do casamento igualitário “nos obriga a permanecer sob o estado civil de solteiro e as pessoas solteiras não têm permissão para adotar neste país e constituir uma família”, explicou.

Além disso, segundo Mayorga, “fora da família há mais barreiras para se ter acesso a garantias mínimas e benefícios como trabalho digno, seguro social, educação, saúde e moradia”. Também destacou que “as famílias na Nicarágua são diversas, mas se quer impor um único modelo familiar”.

O novo Código entrou finalmente em vigor no dia 8 deste mês, após ser cumprida uma série de trâmites desde sua aprovação em 2014 pela legislativa Assembleia Nacional. Com esta ferramenta jurídica, o Estado busca proteger os direitos individuais de cada membro da família e dos coletivos deste núcleo social reconhecido com instituição sujeita a garantias e obrigações.

Conforme detalhou à IPS seu principal promotor, o deputado Carlos Emilio López, da governante Frente Sandinista de Libertação Nacional, o Código reúne e atualiza em 674 artigos o que até agora estava disperso em 47 leis diferentes. O novo contexto jurídico aborda temas como matrimônio, direitos patrimoniais, adoção e aposentadoria, direitos de mãe, pai e filhos, divórcios, demandas por alimentos, e responsabilidade materna e paterna.

Até agora, os assuntos de família eram baseados principalmente no vetusto Código Civil de 1904, que regulamentava o tema sob uma forte doutrina católica e conservadora, condicionando os direitos das mulheres e das crianças à figura masculina como principal suporte da família , apontou López.

Segundo o deputado, “foi analisado minuciosamente para que cada membro da sociedade, como indivíduo parte de uma família, tivesse bem claro seus direitos, deveres e suas obrigações conforme a Constituição Política e as leis do país, de modo que não houvesse discriminação de ninguém por nenhuma razão”.

López ressaltou que não existe discriminação para as pessoas LGBTI, porque a Constituição Política, que é a lei suprema do país e está acima do novo Código, protege o direito de cada nicaraguense sem nenhuma desigualdade.

Porém, Luis Torres, coordenador executivo da organização Alternativa Nicaraguense de Diversidade Sexual, afirmou à IPS que o novo Código discrimina as pessoas LGBTI ao negar-lhes o direito ao casamento legal e obrigar o Estado a transferir os benefícios sociais unicamente ao núcleo familiar reconhecido pela nova lei.

Torres assegurou que “é um retrocesso. Com o Código, o Estado deixa de fora em questões de amparo e assistência social os casais do mesmo sexo que vivem juntos. Não se reconhece o casamento nem a união de fato estável entre pessoas do mesmo sexo”. Isso se traduz em que “os casais LGBTI não têm acesso a direitos conexos como direito a crédito familiar, adoção, extensão por viuvez, morte e lesões em seguro social, entre outros direitos que beneficiam os casais heterossexuais”, afirmou o ativista.

Estimativas locais e internacionais indicam que 10% da população nicaraguense, de 6,1 milhões de pessoas, são sexualmente diversos. O Código tem entre seus avanços o reconhecimento pela primeira vez no país da união de fato estável em igualdade de direitos e obrigações com o casamento tradicional. Mas essa união só pode ser “entre um homem e uma mulher”.

Para o catedrático de direito penal e direitos humanos na Universidade Centro-Americana e na Universidade Americana, Ramón Rodríguez, “ao estabelecer que o matrimônio e a união de fato estável seja apenas entre homem e mulher, um setor importante da população, que faz parte da diversidade sexual, é vítima direta da violação do princípio universal de igualdade de não discriminação”.

Samira Montiel, procuradora especial da Diversidade Sexual, discorda das críticas dos defensores dos direitos humanos e das organizações LGBTI. “Eu também queria que a lei me permitisse casar e adotar, mas a Constituição não estabelece isso e o Código não pode estar acima da carta magna”, afirmou Montiel à IPS. Ela assegurou que embora “no momento” não se estabeleça o casamento entre pessoas do mesmo sexo, “os direitos individuais de cada membro da comunidade lésbico-gay está protegido em razão de serem irmãos, filhos, pais, parentes e cidadãos com igualdade de condições sociais”.

Montiel declarou à IPS que “nenhuma mulher lésbica ou homem gay que tenha um filho terá seu direito tirado, não lhe será negado beneficio. Até agora não recebi uma queixa formal sobre o Código, ninguém apelou, não existe uma só gestão de adoção de crianças por parte de um casal gay, não se nega atenção médica a uma lésbica ou a um bissexual”.

Entre as novidades positivas do Código também estão a aceleração dos processos por pensão alimentícia de mães ou pais, com limite máximo de 150 dias, quando antes podia demorar até cinco anos. Entre outras coisas. Também fixa o valor da manutenção dos filhos menores de 18 anos em até metade da renda do pai ou da mãe em questão, bem como sanção econômica e patrimonial pelo não cumprimento.

Ao mesmo tempo, incorpora a demanda de pais por abandono, direitos dos idosos diante do abandono de seus filhos, pensão de alimentos a filhos e filhas até os 24 anos, desde que demonstrem que necessitam desse recurso econômico.

O Código inclui o direito a faculdade legal de qualquer membro da família com autoridade parental no caso de ausência de pai ou mãe de um filho, e assuntos concernentes a divórcios, divisão de bens, proteção do lar quando há crianças, permissões de trabalho e outros. Além disso, proíbe o castigo físico e tratamento humilhante da criança em qualquer âmbito, e só permite o casamento a partir dos 18 anos, idade estabelecida como maioridade penal, para ambos os sexos, para assumir obrigações legais.

A Federação Coordenadora Nicaraguense de Organizações Não Governamentais que trabalham pela infância e adolescência pediu que a idade para casar fosse aumentada até os 18 anos, para pôr freio a casamentos entre meninas de 14 anos, ou menos, e homens maiores de idade. Muitas vezes esses casamentos constituíam o chamado “remédio familiar” para abusos sexuais e gravidez de meninas e adolescentes por parte de homens maiores.


Fonte: ENVOLVERDE

Nenhum comentário:

Postar um comentário