A água revela o despreparo do
Brasil para enfrentar os impactos do clima.
por Mario Mantovani*
A água é o elemento da natureza que melhor
expressa os impactos do clima, quer seja por secas estremas ou grandes
enchentes, e evidencia como estamos sendo, todos, diretamente afetados. Viva em
uma grande metrópole ou no campo, os impactos do desmatamento e da poluição nos
atingem diariamente e podem ser sentidos nas coisas mais corriqueiras do
cotidiano, desde a falta d’água ao preço dos alimentos ou de contas como de
água e luz.
Apesar das evidencias e dos alertas da comunidade
científica, nem mesmo a falta de chuvas na região sudeste, que ganhou o status
de crise hídrica e ressuscitou o fantasma do apagão, foi suficiente para fazer
com que o Brasil se posicionasse em relação ao compromisso que levará à
Conferencia do Clima de Paris com medidas efetivas para combater o desmatamento
e reduzir as emissões de CO2.
Autoridades e governantes ainda se mantêm céticos
perante a importância da preservação das florestas e da Mata Atlântica para
garantir água, resiliência, qualidade de vida nas cidades e sustentabilidade às
atividades produtivas. A demora na implementação de políticas públicas e
medidas efetivas para enfrentamento da crise da água, somada ao contexto
político, econômico e de descredito da sociedade em muitas instituições
públicas, tem levado organizações civis e movimentos sociais a promoverem
ações, campanhas e iniciativas locais para minimizar os problemas. As soluções
criativas e solidárias, além das mudanças de comportamento, ajudam, mas são
insuficientes diante da dimensão dos impactos e do modelo de desenvolvimento
que ainda prevalece no país.
A situação das nossas cidades é muito diferente
da dos discursos e dos compromissos diplomáticos, que não são implementados
efetivamente. Desde 2011, o Brasil se comprometeu com a Estratégia
Internacional para Redução de Desastres (Eird), coordenada pela Organização das
Nações Unidas (ONU) para construção de cidades resilientes. Segundo a
Estratégia, “Cidades Resilientes” são aquelas capazes de resistir, absorver e
se recuperar de forma eficiente de desastres ou impactos do clima, e de maneira
organizada, prevenir para evitar que vidas e bens sejam perdidos. Esse
compromisso envolve dez providências essenciais que deveriam ser implementadas
por prefeitos e gestores públicos. As principais delas são o planejamento e o
uso do solo, a implantação e manutenção de infraestrutura, saneamento básico,
áreas verdes e áreas protegidas, educação e participação das comunidades e da
sociedade civil organizada.
No Brasil, ainda estamos longe dessa realidade,
mas alguns municípios, como o Rio de Janeiro, começam a dar os primeiros passos
em busca desse compromisso. Em janeiro de 2015, a Prefeitura do Rio de Janeiro
lançou o documento “Rio Resiliente: Diagnóstico e Áreas de Foco”, em que aponta
cinco vulnerabilidades climáticas da cidade: chuvas fortes, ventos fortes,
ondas e ilhas de calor, elevação do nível do mar e seca prolongada. O objetivo
desse documento, segundo a Prefeitura, é indicar à sociedade e às gestores
públicos os desafios a serem enfrentados nos próximos anos e décadas, de forma
que a preocupação ambiental seja efetivamente incorporada no planejamento de
longo prazo da cidade. Uma vez identificadas essas vulnerabilidades, a próxima
etapa é apresentar projetos concretos que as mitiguem, evitando que a cidade
seja surpreendida como se deu no caso recente da crise hídrica no sudeste. A
Prefeitura já avalia formas de promover a eficiência energética e hídrica de
seus prédios, inclusive suas quase 1.500 escolas. No caso de chuvas fortes, o
maior problema, por ocasionar vítimas fatais, é o deslizamento em encostas de
morros. Com a implantação de um radar meteorológico e do Centro de Operações
Rio em 2010, mapeamento geológico, instalação de sirenes e abrigos, assim como
treinamento de comunidades para evacuação, não há registro de mortes por
deslizamentos desde o verão de 2011.
A mitigação ou redução de riscos e desastres
decorrentes da ocupação irregular dessas áreas de risco, que deveriam ser
aquelas áreas de preservação permanente (APP) urbanas, localizadas em margens
de rios e fundos de vale, conservam ecossistemas e ambientes mais equilibrados
e promovem impactos positivos em saúde pública e bem-estar das comunidades.
Infelizmente, essas áreas que devem ser preservadas para garantir segurança às
populações e aumentar a resiliência das cidades, estão ameaças por mais
retrocessos na legislação ambiental.
Tramita no Congresso Nacional mais um projeto de
lei (PL6830/2013) de autoria do Deputado Valdir Colato (PMDB-SC) que pode
reduzir as APPs urbanas, transferindo para os municípios a autonomia para
estabelecer o tamanho das faixas de preservação. Atualmente, o Código Florestal
estabelece o tamanho da APP em áreas rurais e urbanas, cabendo aos municípios
legislar de forma complementar a essa norma Federal. Esse é apenas mais um
exemplo prático de como alguns legisladores, motivados muitas vezes por
interesses pontuais, ou desconhecimento, insistem em manter o Brasil na
contramão da história. Enquanto países e cidades renaturalizam rios e
ampliam instrumentos de proteção às suas florestas para evitar acidentes, aqui
buscam de forma recorrente desproteger.
Por isso, é preciso estar atento às votações e
projetos de lei que tramitam no Poder Legislativo e que podem impactar ainda
mais as nossas vidas. E exigir que o Governo Brasileiro assuma compromisso
efetivo com o desmatamento e com um novo modelo de desenvolvimento para o país.
* Mario Mantovani
é diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, ONG brasileira
que desenvolve projetos e campanhas em defesa das Florestas, do Mar e da
qualidade de vida nas Cidades. Saiba como apoiar as ações da Fundação.
Fonte: SOS
Mata Atlântica
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