Estudo avalia impacto do
crescimento desordenado no delta do Amazonas.
por
Karina Toledo, para a Agência Fapesp
Investigar como ocorrem os fluxos de migração na
região e seus impactos socioeconômicos e ambientais é o objetivo de um projeto
realizado no âmbito do convênio da FAPESP com o Belmont Forum (fotos de Ponta
de Pedras. Foto: Divulgação/Univap.
Agência Fapesp – Cerca de 90% das cidades situadas
no estuário do Rio Amazonas possuem menos de 20 mil habitantes, infraestrutura
bastante precária, pouca oferta de serviços e de oportunidades de emprego.
Ainda assim, na última década, têm atraído grande quantidade de migrantes
vindos de comunidades ribeirinhas próximas, resultando em um processo de
ocupação intenso e desordenado.
Investigar como ocorrem os fluxos de migração na
região e seus impactos socioeconômicos e ambientais é o objetivo de um projeto
que reúne pesquisadores brasileiros e americanos e conta com financiamento da
FAPESP no âmbito de um convênio com o Belmont Forum, grupo multinacional de
instituições de fomento à pesquisa sobre mudanças globais.
Alguns dos primeiros resultados foram apresentados
no dia 28 de outubro, em Washington (Estados Unidos), durante o simpósio
FAPESP-U.S. Collaborative Research on the Amazon pelos coordenadores Sandra
Maria Fonseca da Costa, da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), e Eduardo
Brondizio, da Indiana University, nos Estados Unidos.
“Notamos que, dentro da rede urbana da Amazônia,
essas cidades têm importância fundamental. Elas funcionam como salvaguardas
para a população ribeirinha, pois, apesar das deficiências, possuem escolas de
ensino fundamental e médio, postos de saúde e são contempladas por benefícios
sociais governamentais”, disse Costa.
De acordo com a pesquisadora, o fluxo de migração é
predominantemente regional – mobilizando habitantes em um raio de até 100
quilômetros de distância. São pessoas vindas de comunidades ainda menores e
mais carentes de serviços básicos.
“Ao chegar a essas cidades, constroem casas em
qualquer lugar e em condições degradantes. Ocupam áreas de várzea, lançam os
efluentes domésticos, sem qualquer tratamento, em rios e córregos, nos mesmos
locais em que a população busca água para beber, cozinhar e lavar roupa. Essas
pequenas cidades crescem a uma velocidade absurda e todos os problemas
associados a esse fenômeno se multiplicam dia após dia sem qualquer política
pública específica”, disse Costa.
Embora a pesquisadora reconheça ser impossível para
o poder público controlar o crescimento de uma cidade, ela defende que o
processo seja ao menos monitorado e norteado. “É preciso interferir para
melhorar a qualidade de vida da população e observamos que isso não tem
ocorrido”, disse Costa.
A professora da Univap tem se dedicado a estudar o
tema desde 2007, quando realizou seu pós-doutorado na Indiana University, sob a
supervisão de Brondizio. Em um primeiro projeto de Auxílio Regular
apoiado pela FAPESP, o foco da pesquisa foi o município de Ponta de Pedras,
localizado na Ilha de Marajó, no Pará.
A relevância da cidade, a despeito de seu pequeno
porte, está relacionada com o fato de ser uma conectora de fluxos econômicos,
principalmente vinculados à produção do açaí (Euterpe oleracea) – o município é
o segundo maior produtor da fruta no país. Funciona, portanto, como um nó em uma
rede de relações sociais que se estabelecem entre o urbano e as comunidades
ribeirinhas.
“Agora, neste segundo projeto que estamos iniciando
no âmbito do Belmont Forum, vamos ampliar o foco de nossa análise para 50
municípios, em uma grande área que é o Delta do Amazonas, e mergulhar ainda
mais na realidade dessas cidades”, contou Costa.
Os estudos serão mantidos em Ponta de Pedras,
acrescentou, com o objetivo de criar uma sequência de dados que permita ver a
evolução da cidade no tempo. Serão incluídas outras importantes cidades, como
Mazagão (AP) e Barcarena (PA), para onde os migrantes são atraídos pela
presença de uma grande indústria produtora de alumínio.
A coleta de dados é feita por meio da aplicação de
questionários em setores censitários e seguindo a metodologia de amostragem
aleatória estratificada. Paralelamente, os pesquisadores recorrem a métodos de
geoprocessamento e de sensoriamento remoto, ou seja, usam imagens de satélite
para explicitar as dinâmicas espaciais.
“A ideia é criar material cartográfico que permita
compreender a dinâmica de crescimento da cidade e como ela está mudando. Com as
informações levantadas pelos questionários, consigo avaliar qual é a qualidade
desse crescimento, o perfil da população, o salário médio, as fontes de renda e
qual é a rede de relacionamento com as comunidades próximas”, explicou Costa.
A ampliação da área de coleta de dados permitirá,
segundo a pesquisadora, a realização de estudos comparativos, tendo como base o
que já foi observado em Ponte de Pedras.
Avaliação de vulnerabilidade
Embora a urbanização intensa e desordenada seja uma
realidade em toda a Amazônia brasileira, o projeto coordenado por Costa e
Brondizio tem como foco o estuário do Rio Amazonas por estar vinculado ao
projeto internacional Deltas, do Belmont Forum.
“Os deltas são considerados regiões ambientalmente
vulneráveis e, por isso, os impactos de processo de ocupação desordenado nesses
locais tendem a causar impactos ainda maiores. Podem comprometer, por exemplo,
a reprodução de determinadas espécies de peixe ou de camarão”, explicou Costa.
O projeto internacional conta com um grupo de
pesquisadores trabalhando em três deltas: um na China, um na Índia e o do Rio
Amazonas. De acordo com Brondizio, a ideia é conectar todos os dados levantados
e relacionar as informações sobre crescimento urbano com dados de desmatamento,
mudanças no nível da maré e no índice pluviométrico, entre outras, para
projetar cenários futuros e fazer avaliação de vulnerabilidades.
“O grupo conta com especialistas em hidrologia,
biofísica, biologia, questões climáticas e inundação. A ideia é que todos
possam usar o grande banco de dados cumulativos que está sendo gerado para
projetar cenários de mudanças em diferentes partes da bacia e avaliar como
essas mudanças afetariam as populações”, explicou Brondizio.
Na opinião de Costa, ao discutir a temática das
mudanças climáticas globais é fundamental levar em conta a questão da
urbanização, que é extremamente problemática. “A maioria das pesquisas sobre a
Amazônia é focada em entender a floresta e as emissões de gases-estufa. A
questão urbana fica em segundo plano, o que é uma falha fundamental, pois
compromete a qualidade de vida da população e traz impactos para o
ecossistema”, disse.
Fonte: Agência Fapesp
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