Estudo aborda papel da Amazônia
na regulação do clima na América do Sul.
por Bruno
Toledo, do Observatório do Clima
Novo relatório aponta impactos locais e regionais
do desmatamento amazônico e reforça a necessidade de zerá-lo o quanto antes.
Se olharmos para a disposição de zonas desérticas
ao redor do mundo, percebemos que não existe deserto ao leste da Cordilheira
dos Andes, mesmo com as condições propícias para que isso acontecesse. Para
Antonio Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
(INPA) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a grande
responsável por manter o clima ameno no coração do continente sul-americano é a
floresta amazônica. No caso particular do Sudeste brasileiro, a Amazônia teria
sido a responsável por manter as condições climáticas naturais da região, mesmo
com a destruição completa da Mata Atlântica.
No entanto, o desmatamento progressivo da floresta
e a degradação decorrente dessas atividades exploratórias na região estão
destruindo essa capacidade de regulação climática da Amazônia, o que pode nos
levar a mudanças abruptas e profundas no clima do continente – como, por
exemplo, a prolongada estiagem que São Paulo vive em 2014.
Essa capacidade de regulação do clima e a ameaça do
desmatamento da Amazônia são alguns dos principais destaques do relatório “O Futuro Climático da Amazônia”,
apresentado por Antônio Nobre no último dia 30 em São Paulo. Conduzido no
âmbito da Articulação Regional Amazônica (ARA), com apoio do projeto “Rios
Voadores”, do Instituto Socioambiental (ISA) e do WWF-Brasil (estes últimos,
membros do OC), este estudo sistematiza e organiza informações e conhecimento
de diferentes áreas para elaborar um panorama geral de como a Amazônia impacta
na configuração climática da porção do continente sul-americano a leste da
Cordilheira dos Andes e de como o desmatamento da Amazônia ameaça não apenas
quem vive na região hoje coberta pela floresta, mas também quem vive além dela.
“Precisamos olhar para a floresta. Estamos
ignorando uma tecnologia natural que ainda não conhecemos em grande parte, que
a natureza levou dezenas de milhões de anos para criar”, reflete Antônio Nobre.
“Nossa sociedade perdeu a capacidade de valorizar aquilo que não conhece, mas
ou nos dispomos a entender isso ou seremos devorados”.
A Amazônia como reguladora do clima
O estudo aponta para cinco fatores que ajudam a
entender o papel da floresta amazônica na regulação do clima nos territórios a
leste dos Andes. Primeiro, a capacidade da floresta de manter a umidade do ar
mesmo quilômetros adentro da América do Sul. “Em outros lugares, o ar que entra
no continente acaba secando e resultando em desertos”, explica Nobre. Em outras
regiões, a presença de gêiseres ajuda a manter níveis altos de umidade em
terrenos mais distantes do litoral. Como a Amazônia não possui algo do tipo, o
que explica sua capacidade de manter a umidade relativa do ar são suas árvores.
“As árvores funcionam como gêiseres, extraindo água
pelas raízes, levando essa água através do tronco para as folhas, que por sua
vez jogam essa água evaporada para a atmosfera”. Pela estrutura da flora
amazônica, seu dossel (estrato superior das florestas, formado pelo conjunto
das copas das árvores, considerado um dos lugares com maior biodiversidade nas
florestas tropicais) consegue frenar os ventos que chegam do oceano e ajuda a
manter a umidade nos níveis mais altos do céu.
Essa dinâmica nas precipitações nos leva ao terceiro
elemento importante para entender o papel de regulação climática da Amazônia:
sua capacidade de puxar a umidade do oceano para o continente, revertendo o
padrão observado em outras regiões do planeta. De acordo com Nobre, “como se
evapora mais água na floresta do que no oceano, a atmosfera da floresta acaba
puxando o vento do mar para dentro, o que ajuda a trazer mais chuvas para a
região”.
Essa é a base da chamada “teoria da bomba biótica
de umidade”, que nos ajuda a entender o quarto ponto: a regulação climática em
si. “O oceano verde puxa umidade do oceano azul, e o fluxo de água através dos
chamados rios voadores é conduzido para os territórios a leste dos Andes, que
são sazonalmente irrigados por essa água”, explica Nobre. Essa não é uma bomba
qualquer: cada árvore amazônica de grande porte pode evaporar mais de mil
litros de água por dia. Todos os dias, quase 20 bilhões de toneladas de água
são evaporadas pela floresta, mais do que o aporte diário de água para o rio
Amazonas. Para se ter uma ideia do que isso implica, a energia solar consumida
nessa evaporação é equivalente à produção de energia total de 50 mil Usinas de
Itaipu. Uma única usina de Itaipu precisaria operar a toda carga por 150 anos
para conseguir fazer aquilo que a floresta amazônica faz em um único dia.
O papel de regulação climática também nos ajuda a
entender o quinto ponto levantado pela pesquisa: o motivo pelo qual não ocorrem
eventos climáticos extremos em regiões de floresta e seus arredores. De acordo
com Nobre, o funcionamento dessa “bomba”, tirando a umidade do oceano e
trazendo-a para o continente, também ajuda a evitar que eventos desse tipo
aconteçam. A falta de grandes eventos extremos na Amazônia deve-se, também ao
efeito de frenagem dos ventos exercido pela “rugosidade” da copa das árvores,
que provocam um efeito dosador, distribuidor e dissipador da energia dos
ventos.
A destruição da Amazônia
Para Antonio Nobre, olhar para a questão do
desmatamento apenas através das taxas anuais é uma ilusão destrutiva. O mais
importante é olhar para a destruição agregada da floresta, e nesse caso, os
números são assustadores. Em 40 anos, o Brasil desmatou 762.979 km2, território
equivalente a três Estados de São Paulo e a duas Alemanhas. “Para se ter uma
ideia da destruição, é como se tivéssemos um trator a jato, trabalhando sem
parar, a 726 km/h durante todos esses anos, ou mais de 900 tratores normais,
lado a lado, operando dia e noite, fazendo apenas corte raso”, aponta Nobre. Os
números ficam ainda piores quando agregamos a eles as regiões de degradação
florestal, que ainda são contabilizadas como floresta, mas que não possuem
nenhum tipo de função ecológica: em quatro décadas, o Brasil perdeu
efetivamente 2.062.914 km2 de floresta amazônica.
Essa destruição massiva está quebrando a dinâmica
da bomba biótica de umidade. A fuligem decorrente das queimadas aumenta o
núcleo de condensação e diminui o vapor de água. Isso diminui consideravelmente
o volume de precipitação durante a estação seca e gera chuvas torrenciais e
violentas durante a estação chuvosa – como observado em anos recentes na região
amazônica.
Com a diminuição progressiva da mata e a mudança
profunda na dinâmica de precipitação, a floresta amazônica está sendo conduzida
para a destruição completa. Aquilo que a natureza levou 50 milhões de anos para
construir e que se manteve praticamente ileso durante esse período, mesmo com
as flutuações do clima global, a motosserra está levando apenas alguns segundos
para destruir: são quase duas mil árvores derrubadas por minuto na região da
Amazônia. Essa destruição é praticamente definitiva: os terrenos devastados não
se recuperam naturalmente e acabam virando savana. Pela teoria da bomba, a
floresta destruída pode ter um destino mais cruel, por causa da reversão do
padrão atual dos ventos do oceano para o continente: a Amazônia pode virar um
grande deserto.
Para o resto do continente, o fim do funcionamento
da bomba biótica de umidade pode significar mudanças profundas nas dinâmicas
climáticas. Os “rios voadores” da Amazônia para o Sudeste brasileiro podem
deixar de existir, o que levaria a uma queda no volume de precipitações nessa
região.
“De certo modo, a Amazônia compensou o impacto da destruição da Mata
Atlântica da mesma forma que as grandes florestas na Rússia também compensaram
a eliminação das florestas europeias, mas estamos colocando tudo a perder ao
destruir a Amazônia”, reflete Antônio Nobre
O que fazer
O tempo para ação é curto e o volume de ação
necessário para reverter o cenário é grande. Por isso, precisamos agir o quanto
antes, defende Antônio Nobre. “Em 2008, quando eclodiu a crise financeira
internacional, os governos do mundo gastaram trilhões de dólares para salvar o
sistema financeiro global de uma catástrofe. Mas a falência climática de que
estamos nos aproximando nos últimos anos é muito maior que a do sistema
financeiro, e estamos procrastinando por quinze anos. Precisamos sair disso”.
Nobre defende a adoção de cinco passos imediatos
para reverter esse cenário. Primeiro, uma verdadeira estratégia de guerra
contra a ignorância sobre clima e sobre Amazônia. Segundo, a paralisação
imediata, total e completa do desmatamento na Amazônia. Terceiro, a abolição do
uso de fogo, evitando assim fumaça e fuligem no ar amazônico. Quarto, o
desenvolvimento de estratégias de recuperação natural da floresta. Finalmente,
a conscientização das elites governantes, que precisam sair de uma visão
arcaica sobre o uso da floresta e adotar uma visão mais integrada e completa da
utilidade da floresta enquanto floresta.
Infelizmente, o panorama atual não nos permite
vislumbrar a ação imediata. “Se o Brasil tivesse cumprido o que está escrito no
Plano Nacional de Mudanças Climáticas, de 2008, estaríamos chegando ao
desmatamento zero da Amazônia no ano que vem”, observa Carlos Rittl, secretário
executivo do OC. “Mas estamos longe disso: aumentamos a taxa de desmatamento no
ano passado, continuamos sem uma estratégia definida para redução das emissões
a partir da redução do desmatamento, sem instrumentos econômicos para
fortalecer esses esforços, e não temos a harmonização de outras políticas
públicas nacionais com a política de clima, o que é uma exigência da própria
Lei que estabeleceu a Política Nacional sobre Mudança do Clima”.
Além dos problemas domésticos, a falta de
articulação entre os nove países que dividem entre si porções da Amazônia
também é dramática. “Todas as iniciativas multilaterais em Amazônia são
ridículas. O governo brasileiro não dá apoio a esses entendimentos, preferindo
a bilateralidade”, observa Beto Ricardo, do ISA. “Não é mais possível pensar em
Amazônia brasileira. O que acontece na Amazônia de um país impacta nas demais.
Todos estamos sofrendo com os mesmos problemas”, aponta Claudio Moretti, do
WWF. “Por exemplo, os dados sobre desmatamento mostram que temos 25 fronteiras
ativas de desmatamento, a maior parte delas na encosta andino-amazônica”. Ou
seja, o desafio não está apenas em desenvolver soluções para preservar a
Amazônia no Brasil, mas também de levar esses esforços para os demais países
amazônicos, que também começam a sofrer com os impactos da degradação da
floresta – por exemplo, a Bolívia e as chuvas históricas que caíram no começo
do ano (e que, por sua vez, resultaram em cheias históricas na região do Acre e
de Rondônia).
Para Nobre, mesmo com as dificuldades, a solução é
viável – desde que tenhamos vontade política para isso. “Na última década, nós vimos
um engajamento único entre governo, sociedade e ciência nos levando para a
maior redução histórica no volume de desmatamento. Essa articulação,
desmobilizada depois da aprovação do Novo Código Florestal, é um caminho a ser
retomado na proteção da floresta amazônica”, conclui o pesquisador.
Clique aqui para baixar o
relatório.
Fonte: Observatório do Clima
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