Empreendedoras cubanas sofrem com
vulnerabilidades machistas.
por
Patricia Grogg, da IPS
Trabalhadora da Cooperativa Vivero Alamar carrega
uma planta ornamental em um subúrbio de Havana. O acesso ao emprego é um
problema para as mulheres rurais cubanas. Foto: Jorge Luis Baños/IPS.
Havana, Cuba, 22/10/2014 – A máquina de costura de
Leonor Pedroso vestiu, nos últimos 30 anos, meninos e meninas do povoado cubano
de Florida. Mas só há alguns meses esta costureira pôde formalizar seu trabalho
por contra própria, que sempre combinou com as tarefas do lar e o cuidar da
família. “Meu marido, que é camponês, não permitia que eu trabalhasse fora de
casa, só podia costurar para os vizinhos e amigos próximos, sem cobrar ou
cobrando barato. Segundo ele, ter um trabalho formal não era coisa de
mulheres”, contou à IPS essa mulher de 63 anos.
Ela é uma das beneficiárias de um projeto de
cooperação internacional de gênero no atual processo de reforma socioeconômica
de Cuba. Dedicada principalmente ao cuidado de sua família de quatro filhos,
Leonor não contava com renda estável nem conhecimentos para tirar partido de
suas habilidades até receber aulas gratuitas de gestão comercial, plano de
negócios, administração e gênero, junto com outras empreendedoras.
“Enfrentei meu marido para fazer o que me agrada e
agora estou montando em minha casa um local de trabalho em que possa vender o
que faço e ensinar as jovens a costurar e bordar”, disse, satisfeita, enquanto
esperava novas máquinas de costura para seu negócio. Graças a isso, é sócia recente
da Cooperativa de Produção Animal 25 Aniversário, da região.
O projeto, impulsionado pela organização não
governamental espanhola Acsur Las Segovias e pela local Associação Nacional de
Pequenos Agricultores (Anap) e com financiamento da União Europeia, favorece
com capacitação e insumos 24 produtoras agropecuárias, artesãs e líderes
camponesas.
Quando o projeto concluir, no final deste ano, a
experiência “Incorporação ao desenvolvimento socioeconômico local das mulheres
empreendedoras rurais a partir de uma adequada perspectiva de gênero” terá
estendido as opções de integração local para mulheres tradicionalmente
dedicadas às tarefas do lar em três províncias cubanas. Trata-se de Artemisa,
Camagüey, onde fica o povoado de Florida, e Granma.
É o caso de Neysi Fernández, que, buscando um meio
de ganhar a vida, saiu de sua natal Yateras, na província de Guantânamo, no
extremo leste do país, até Guanajay, no outro lado da ilha, na província de
Artemisa. Ali, um familiar lhe cedeu quatro hectares de terra onde cultiva
mandioca, taioba, feijões, milho e banana-da-terra. “Fui para onde estava o
trabalho porque minha filha, hoje com 12 anos, não podia passar fome. Depois
aprendi como vender a colheita e investir o dinheiro”, contou à IPS esta
camponesa de 42 anos, casada há quatro com um operário.
Pesquisas sociais valorizam o acesso das mulheres
ao emprego como uma das iniquidades mais sérias do meio rural cubano, onde elas
representam 47% entre mais de 2,8 milhões de habitantes, em um país com 11,2
milhões de habitantes no total. O trabalho realizado por esposas e filhas de
camponeses no cuidado de animais, hortas familiares e tarefas domésticas não é
reconhecido nem remunerado, conforme ressaltado no Terceiro Seminário de
Avaliação do Plano de Ação Nacional, realizado em 2013 em acompanhamento à
Conferência Mundial da Mulher, de Pequim.
Apenas 65.993 mulheres estão associadas à Anap,
representando apenas 17% de seus membros, segundo dados deste ano publicados no
jornal estatal Granma. Em 2013, elas foram mais de 142.300 entre mais de
1,838 milhão de pessoas ocupadas na agricultura, pecuária, silvicultura e
pesca, segundo o estatal Escritório Nacional de Estatísticas e Informação
(Onei).
A reforma que é realizada pelo presidente Raúl
Castro desde 2008, para injetar dinamismo na deprimida economia da ilha,
incluiu a entrega de terras ociosas em usufruto pelos decretos-lei 259, de
2008, e 300, de 2012. Isso implicaria o despontar da produção de alimentos em
um país onde 40% das terras aráveis estão em mãos privadas, segundo o Anuário
Estatístico de 2013 do Onei.
Mas os homens seguem sendo os principais donos dos
recursos agrícolas como terra, água, insumos, créditos e também são maioria
entre os que tomam decisões no setor. À falta de ações afirmativas do Estado
para o setor feminino rural, várias organizações da sociedade civil e agências
de cooperação internacional insistem em favorecer um desenvolvimento local com
perspectiva de gênero.
Com apoio da organização humanitária Oxfam, no
final deste ano estarão funcionando em dez municípios do leste cubano mais de
15 empreendimentos coletivos de mulheres, entre eles uma floricultura, um salão
de beleza, uma lavanderia, uma queijaria, várias mini-indústrias e alguns
centros de gestão de micro-organismos para a agricultura ecológica.
Com fundos da União Europeia, a Agência Basca de
Cooperação para o Desenvolvimento e da embaixada do Japão em Cuba, esses
pequenos negócios contarão com equipamentos e meios de transporte. Além disso,
suas gestoras receberam capacitação por meio de painéis de autoestima,
liderança e crescimento pessoal.
Segundo a socióloga Yohanka Valdés, o valor desses
projetos está em fortalecer a capacidade das mulheres a partir de uma lógica
favorável ao seu empoderamento e em reconhecimento de seus direitos. “Se existe
uma oportunidade, os homens estão em melhores condições de aproveitá-la porque
não precisam cuidar da família”, pontuou à IPS.
Por estas e outras razões, a economista Dayma
Echevarría garante que a metade feminina chegou em desvantagem à diversificação
de atividades do setor estatal. A seu ver, em Cuba persistem estereótipos de
gênero que mantêm as mulheres no papel reprodutivo, como cuidadoras e
administradoras do lar.
Em um dos capítulos do livro Olhares para a Economia
Cubana (Editora Caminos, 2013), Echevarría avalia a falta de serviços de
apoio ao cuidado como uma das causas da vulnerabilidade das mulheres rurais
diante do emprego.
Os recentes processos de entrega de terra não se
traduziram, segundo a especialista, em oportunidades para impulsionar a
igualdade de gênero porque não favoreceram a ativa participação feminina na
mudança. Por outro lado, são poucas as cubanas com recursos para desenvolverem
negócios próprios dentro do contexto regulatório estabelecido. “Ainda se espera
que sejam colocadas em prática normas que permitam uma inserção mais equitativa
para todos e todas nas novas condições de trabalho e que integrem em sua visão
o olhar de gênero”, ressaltou Echevarría.
Cuba ocupa o 15º lugar no Índice Global de Brechas
de Gênero, de 2013, mas no quesito participação e oportunidade econômica cai
para o 66º posto entre as 153 nações estudadas.
Fonte: ENVOLVERDE
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