“Zeramos
a escola”: Jovens criam espaços vivos de aprendizado dentro das ocupações.
Estudantes ocupam cruzamento da Av. Rebouças com a
Faria Lima.Estudantes ocupam cruzamento da Av. Rebouças com a Faria Lima. Foto:
Reprodução.
Por Danilo Mekari e Pedro Ribeiro Nogueira, do
Portal Aprendiz –
A manhã de terça-feira (1º) começou agitada na EE
Maria José, no bairro da Bela Vista, zona central de São Paulo. O chefe de
gabinete da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP), Fernando
Padula, esteve pela manhã nos portões da escola com o diretor, membros da
diretoria regional de ensino, familiares e estudantes contrários à ocupação,
arregimentados na noite anterior para acabar com a movimentação estudantil no
local, dando uma expressão prática para a “guerra de informações” proposta na
reunião da SEE.
Os cadeados que travavam o acesso à escola foram
rompidos. Pais de alunos arremetiam verbalmente – e até fisicamente – contra os
estudantes ocupados. “Eu sei que dá vontade de bater, mas a gente não pode
porque é menor”, explicava uma mulher que se identificou como mãe e avó. “Menor
para apanhar não pode, mas para matar e roubar pode”, respondia outra mãe,
antes de se lançar contra um bloqueio de estudantes. Um vizinho da escola,
identificado como pai de aluno, ameaçava os meninos e meninas.
Jornalistas, advogados e apoiadores da ocupação
zanzavam tentando oferecer apoio aos estudantes, até que a Polícia Militar
entrou no local escoltando o diretor da escola. Andavam de um lado para o
outro, sem objetivo aparente, até desbloquearem uma das entradas e impedirem o
acesso da imprensa. Ao som de ruídos e gritos, a polícia rompia o último
cadeado que fechava a escola e agredia estudantes que se opunham à invasão
policial. Não faltou spray de pimenta dentro da escola.
Aulas de yoga são promovidas na ocupação da EE
Maria José. Foto: Reprodução.
Após o choque, a PM se retirou da escola. As
crianças e adolescentes sentaram em roda em um pátio interno do colégio e
gritavam que resistiriam. Diziam que sentiam vergonha de terem apoiado os
professores na greve do primeiro semestre, já que agora agiam contra a
ocupação. Recebiam apoio de vizinhos que vieram acudir a situação. De mães, que
ficaram sabendo das agressões e correram para defender seus filhos. Após a
saída dos contrários, a ocupação foi reestabelecida.
Ocupada há duas semanas, a escola sofrerá o fechamento
de dois ciclos, o que motivou a revolta dos estudantes. Com o espaço tomado, os
estudantes criaram uma nova escola. “Tem aula de yoga, oficina, a gente tá
estudando, tá organizando, tá arrumando tudo. Olha essa parede, a gente que
pintou”, gritava um estudante durante o ataque à ocupação. Afinal, foi durante
esse período que os estudantes fizeram diversas descobertas – entre elas, a
biblioteca, um espaço que vivia trancado.
Estudantes da EE Marilsa Garbossa promovem
melhorias na escola. Foto: Danilo Mekari.
Na EE Marilsa Garbossa Francisco, no Jardim São
Luís, zona sul de São Paulo, a biblioteca também era um espaço sem utilidade
para os estudantes. Não por falta de vontade, mas por conta do rígido controle
de acesso que havia ali. Hoje, com a escola ocupada, uma campanha pede a doação
de livros para livre aluguel e os estudantes garantem que estão “com a cabeça
diferente”. “Saímos de dentro da casinha, não tínhamos voz”, observa Marília*,
16.
Desde o dia 16/11, quando promoveram a ocupação –
contrária ao encerramento do ensino médio noturno e das turmas de Educação de
Jovens e Adultos (EJA) -, os alunos utilizam o pátio do colégio para realizar
atividades culturais variadas: oficinas de grafite, debates temáticos, saraus
de poesia, apresentações circenses e
aulas de capoeira. Lazer também não falta, com campeonatos de ping pong,
pebolim e futebol de salão. “Muitos de nós estamos há mais de dez anos aqui. E
aqui queremos ficar!”, brada Juliana*, também de 16 anos.
Os alunos circulam pela comunidade ao redor para
divulgar as atividades e convidar os moradores. “Muitos estão apreensivos por
conta da presença ostensiva da polícia”, revelam. “Dá ponte pra cá tudo é
diferente. Somos vistos de um modo mais cruel pelas forças militares.”
Alunos “zeram” sala da EE Pio Telles, na zona oeste
de São Paulo. Foto: Rogério Albuquerque.
A ajuda da comunidade e dos equipamentos públicos
ao redor tem sido fundamental para o prosseguimento do levante. Os ocupantes já
chamaram encanador para consertar o banheiro “que vivia entupido” e pedreiro
para fechar um furo no teto, por onde entravam água da chuva e pombas.
Moradores da região, ambos não cobraram pelo serviço.
Para contornar um problema grave – a direção da
escola conseguiu manter a cozinha fechada -, contaram com a ajuda da Fundação
Julita, situada a poucas quadras dali, que diariamente produz o almoço da
ocupação, além do empréstimo de equipamentos para a realização das atividades.
De acordo com Janio de Oliveira, diretor de
projetos pedagógicos da instituição, “esse momento é muito importante para
mostrar que a escola faz parte da comunidade e tem que ser vista nessa
realidade local. Apoiamos as ocupações pois acreditamos em uma escola melhor,
mais organizada, que ofereça de fato uma educação que faça sentido para nossos
jovens.”
Cartaz nas paredes da ocupação EE Marilsa Garbossa.
Foto: Danilo Mekari.
“O que aprendemos agora não se compara com o que
foi ensinado durante o ano. Na sala de aula comum ninguém fala nem respira,
ficamos apenas em fileiras escutando calados o professor. Agora, promovemos
rodas de debate, oficinas e atividades: aprendemos mais e mais rápido”, conta
Gabriel*.
A brutalidade com que são tratados pelas
autoridades públicas não intimida em nada o trabalho dos jovens estudantes. “As
ações do governo querendo acabar com as ocupações nos dão mais força para
correr atrás do que queremos e mudar o Brasil para frente – e não para trás,
como está acontecendo”, decreta Marília*.
“Não temos idade, mas temos maturidade”, afirma
Leandro*, 18, na entrada da ocupação da EE Antonio Manoel Alves de Lima,
localizada a meio quilômetro da EE Marilsa. Algumas horas antes, o estudante
havia participado de um trancamento viário na ponte João Dias, onde o governo
paulista respondeu com repressão a uma manifestação pacífica que teve até sarau
de poesia.
Manifestação de estudantes leva poesia para a ponte
João Dias. Foto: Reprodução.
Os trancamentos viários, segundo Leandro*, cumprem
o objetivo de “parar a cidade”. Desde segunda-feira (30/11), quando estudantes
da EE Fernão Dias fecharam o cruzamento das avenidas Faria Lima e Rebouças, a
tática se espalhou e já parou vias movimentadas do estado, como a Marginal
Tietê, a Régis Bittencourt, a Radial Leste e as avenidas do Estado, Nove de
Julho, Giovanni Gronchi e Doutor Arnaldo.
A maioria delas seguiu um roteiro semelhante:
estudantes fechavam os cruzamentos com carteiras e mesas e promoviam aulas
públicas e atividades culturais nos espaços ali criados. A resposta do poder
público se manteve a mesma: clima de confronto, bomba de gás, cassetete e
detenção de manifestantes.
A EE Antonio Manoel também realiza frequentemente
atividades culturais e educativas. Por lá já aconteceram o Sarau Preto no
Branco; um debate sobre a formação da escola pública no capitalismo, com a
presença do Coletivo Katu; exibições dos filmes Panteras Negras e A Revolução
dos Pinguins; e a criação de uma horta no local. “Já tenho nota e já passei de
ano. Teoricamente, estou formado. Estou aqui pelos futuros estudantes da
escola”, desabafa Leandro*, que frequenta o espaço desde os três anos de idade,
quando a mãe dava aulas ali.
Sarau Preto no Branco acontece dentro da EE Antonio
Manoel. Foto: Reprodução.
A intenção do governo é fechar o ensino médio e o
EJA e deixar na escola apenas o ensino fundamental. A estudante Graciane*
definiu a experiência inédita da ocupação como a melhor de sua vida. “Zeramos a
escola. Agora está bem mais limpa. Antes, pra cortar qualquer pedaço de grama
precisava passar por uma burocracia enorme. Nós somos ação direta”, conclui.
“Ocupantes produzem cartazes para serem usados
durante ato. Foto: Reprodução.
* Os nomes citados na reportagem são fictícios.
Fonte: Portal Aprendiz
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