Escassez
de água tem rosto de mulher.
Moradora do município de Havana do Leste organiza
em sua casa o armazenamento dos vasilhames com água potável que acaba de trazer
da rua, após dias sem fornecimento, em sua casa na capital de Cuba. A coleta de
água para consumo doméstico se soma às tarefas cotidianas das mulheres em
Havana. Foto: Jorge Luis Baños/IPS.
Por Patricia Grogg, da IPS –
Havana, Cuba, 25/11/2015 – Denia Arrascaeta sofre
quase diariamente falta de água em seu bairro na capital cubana. “Às vezes não
tenho nem para beber”, conta à IPS. Na casa de sua avó, o fornecimento é um
pouco melhor, e, quando a crise se agrava, enche vários garrafões e caminha com
eles até oito quarteirões até sua residência. Essa contadora de 39 anos vive em
um bairro da zona oeste de Havana, onde o fornecimento de água é muito
irregular.
“Em certas ocasiões, minha avó também não recebe
água e temos que esperar pelo caminhão-pipa”, acrescentou Arrascaeta, se
referindo ao veículo que auxilia os setores com total carência do recurso. Para
ela, o pior é o estresse permanente provocado por esse problema, que nesse país
tem causas estruturais, vinculadas à falta de modernização do sistema de distribuição
e fornecimento, que este ano se agravaram em razão de uma seca de níveis
históricos.
Em Havana Velha, no coração da capital cubana, a
situação não é melhor, segundo Yaritsa Oliveros, moradora em Jesús María, um
dos bairros do centro histórico. Aos 25 anos, ela sustenta sua mãe e sua filha
de quatro anos trabalhando como faxineira em um escritório municipal. “Ficamos
muitos dias sem água e de repente ela chega de madrugada no prédio. Juntamos
todas as vasilhas que podemos, porque não sabemos quanto teremos água
novamente”, contou à IPS.
Há três anos, seu bairro foi objeto de um estudo
acadêmico que incluiu 166 famílias, compostas por um total de 528 pessoas, das
quais 56,1% eram mulheres e 43,9% homens. E, segundo a amostragem, 57% das
famílias eram chefiadas por uma mulher, com diferentes níveis educacionais.
A maioria dos entrevistados afirmou que quase
diariamente, ou a cada dois ou três dias, precisavam carregar água até suas
casas e as piores dificuldades de acesso à água e ao saneamento são vividas em
famílias encabeçadas por mulheres. “Minha mãe se queixa de dor na coluna de
tanto carregar esse peso”, afirmou Oliveros, que não sabe se sua família
participou da pesquisa.
A socióloga Reina Fleitas, pesquisadora e
professora da Faculdade de Sociologia da Universidade de Havana, declarou à IPS
que esse estudo, único de seu tipo já realizado em Cuba, permitiu constatar
inclusive situações de violência familiar e entre vizinhos, geradas pelas
tensões provenientes do deficiente abastecimento de água.
A pesquisa também permitiu
comprovar que a maior responsabilidade sobre a gestão e o uso do recurso recai
sobre as mulheres, que organizam e reorganizam sua vida cotidiana dependendo da
disponibilidade de água. “As jornadas domésticas se estendem e elas chegam
tarde ao trabalho, gerando incompreensões. É uma cadeia de fatos que afetam sua
vida pessoal, com forte impacto na saúde física e mental”, destacou Fleitas.
Os dados mais recentes do Instituto Nacional de
Recursos Hidráulicos (UNRH) de Cuba publicados na imprensa oficial datam de
2014 e indicam que, apesar de 73,5% da população cubana ter acesso à água
potável por meio da rede, ainda há um número importante de pessoas que a recebem
por outras vias. Porém, mais de 50% do recurso é perdido em seu caminho pela
velha rede que distribui a água até os pontos de consumo.
O INRH dirige, executa e controla a aplicação da
política do Estado em matéria de recursos hídricos do país, e atualmente
realiza um programa que tenta solucionar gradualmente os problemas no
abastecimento e tratamento da água.
“No meu bairro, a falta de água se agravou pelos
consertos que estão sendo realizados, mas ao menos é uma esperança de que algum
dia melhoremos, apesar de também dizerem que por causa da seca haverá mais
escassez”, observou Oliveros. Por sua vez, Arrascaeta afirmou que uma de suas
vizinhas telefona para o INRH cada vez que a situação fica crítica e recebe
diferentes desculpas. “Já não acreditamos em ninguém”, afirmou.
A Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável,
aprovada em setembro na cúpula mundial da Organização das Nações Unidas (ONU),
em sua sede, em Nova York, estabelece, no sexto dos 17 Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS), “garantir a disponibilidade e a gestão
sustentável da água e do saneamento para todos”.
A subdiretora-executiva do Fundo das Nações Unidas
para a Infância (Unicef), Geeta Rao Gupta, afirmou em outubro que “nossos dados
sobre 45 países em desenvolvimento mostram que, para sete em cada dez famílias,
o peso de ir buscar água recai sobre as mulheres e as meninas, por isso
melhorar o acesso ao recurso contribuirá para a igualdade de gênero”.
Mulher mostra um poço improvisado para coleta de
água potável, que colocou em funcionamento no município de Santiago de las
Vegas, em Havana, para atenuar o problema do desabastecimento na capital de
Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS.
Para a socióloga Fleitas, um enfoque diferencial do
problema deve levar em conta que são as mulheres pobres, de grupos étnicos
minoritários e outros setores vulneráveis e discriminados de alguns países que
sofrem os piores impactos da escassez da água, um problema que aumenta em nível
global.
Para Fleitas, “a perspectiva social da diferença
que busca igualdade de oportunidades deveria estar no diagnóstico que se faz
sobre o desenvolvimento territorial, no planejamento da distribuição dos
recursos e na avaliação de seus impactos. Muitos problemas de enfoque de
política seguem uma visão reduzida do social, ou muito técnica do planejamento
territorial”.
Quanto ao recurso hídrico, a professora insistiu no
quanto é essencial seu abastecimento, principalmente na vida das mulheres.
“Define a organização de seu tempo, elas lavam, limpam, cozinham, são
responsáveis na formação de uma cultura da higiene na infância. Lamentamos que
sejam as mulheres a carregarem o peso dessa responsabilidade, e não se deve
ignorar isso quando se toma decisões políticas”, ressaltou Fleitas.
A pesquisadora cubana também recordou que a
escassez de água não se agrava apenas pela mudança climática, porque se deve
acrescentar os conflitos bélicos no mundo, que arrasam as infraestruturas e
deixam águas contaminadas. “Se dá prioridade a uma corrida armamentista em
lugar de se voltar ao desenvolvimento de países com enormes desvantagens de
serviços de água”, lamentou.
Como país insular, Cuba depende majoritariamente
das chuvas para se abastecer de água e este ano sofreu uma das secas
históricas. Ao fim da estação úmida de maio a outubro, suas 242 represas
continham 4,555 bilhões de metros cúbicos de água, apenas metade de sua
capacidade, o que antecipa a continuidade das penúrias hídricas. Entre novembro
de 2014 e outubro de 2015, a seca atingiu 68% desse território caribenho, mas
foi mais acentuada na parte ocidental, que é polo da produção de alimentos do
país.
Fonte: ENVOLVERDE
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