COP21:
Sucesso histórico ou fracasso velado?
Para as mudanças climáticas, o acordo só poderá ser
julgado pelo seu sucesso em 2050, se alcançar a neutralização das emissões.
Foto: Shutterstock.
Por Ana Carolina Amaral, de Paris, especial
para a Envolverde –
Os detalhes do acordo que tentou salvar o mundo no
fim de semana.
Sem definir compromissos claros ou assegurar uma
meta que garanta um futuro seguro para o clima, o Acordo de Paris, adotado na noite
do último sábado pelos 195 países membros da ONU, é um sucesso histórico
pelo consenso conseguido entre todas as nações sobre a importância e a urgência
de se agir contra as mudanças climáticas provocadas pelo homem. É a primeira
vez que uma Conferência das Partes da ONU sobre o Clima não deixa espaço para
os negacionistas das mudanças climáticas; contorna os dificultadores e acomoda
interesses conflitantes em um único texto. Até nas suas fragilidades, como as
metas voluntárias em vez de legalmente obrigatórias, o acordo faz História e
pode iluminar novos rumos: para o clima e para a diplomacia.
Em entrevista exclusiva após a plenária final que
adotou o acordo, o presidente da Conferência e ministro de relações exteriores
da França, Laurent Fabius, revelou ter estudado o processo da COP-15, em
Copenhague – considerada um fracasso, em 2009, por não ter conseguido consenso
em torno de um documento, que começaria a valer agora em substituição ao
protocolo de Quioto. “Nós procuramos identificar as razões pelas quais houve
uma série de falhas em Copenhague. Foi daí que eu e o presidente da França
decidimos fazer desse modo agora.”
Como eles conseguiram
Entre os pontos da condução francesa que
viabilizaram o acordo, Fabius destaca a inversão de estratégia no convite aos
líderes nacionais. “Nós decidimos trazer os Chefes de Estado e de governo
primeiro para dar um impulso político. E foi muito importante, porque todos
eles disseram: ‘você tem que entregar’. E isso deu um mandato para as pessoas
[os negociadores]. Enquanto em Copenhague, os presidentes vieram no final e,
infelizmente, não podiam fazer nada se as coisas não estavam prontas.”
Assim como a presença dos Chefes de Estado na
estreia, em que todos afirmaram sua vontade de chegar a um acordo pelo clima, outra
novidade que criou ambiente para as negociações foi o convite para que os
países apresentassem, ao longo do ano, suas metas voluntárias para redução de
emissões.
Vista como um sinal de respeito às soberanias nacionais, a criação do
INDC (Contribuições Pretendidas Nacionalmente Determinadas) encorajou a
proatividade dos países e fez com que a Conferência começasse, em 30 de
novembro, com meio caminho andado: 186 países já tinham apresentado suas
contribuições, com resultados que representam, se implementados, 50% do esforço
necessário para evitar uma elevação da temperatura em níveis destrutivos. O
Brasil foi elogiado pelas metas de combate ao desmatamento ilegal e redução de
37% das emissões na próxima década. Estados Unidos e China, os dois maiores emissores
do mundo, surpreenderam ao anunciar juntos seus cortes de emissões.
Ao final da primeira semana de negociação, o texto
tinha reduzido suas indefinições pela metade. Para resolver o restante, Fabius
formou quatro grupos de trabalho, cada um facilitado por uma dupla de
ministros, para avançar nos principais nós do documento: implementação e
financiamento, nível de ambição, diferenciação de responsabilidades e
aceleração das ações entre 2015 e 2020. Se os grupos não tiraram da cartola
respostas mágicas para acomodar interesses conflitantes entre os países
envolvidos, ao menos encontraram saídas para viabilizar uma mensagem conjunta.
O documento
A meta do Acordo de Paris é o que torna o documento
ambicioso e fraco ao mesmo tempo. Ambicioso, porque se compromete com um limite
entre 2°C e 1,5°C no aumento da temperatura global. Fraco, porque não traz
compromissos que reflitam a meta. Segundo Suzana Kahn, cientista brasileira que
integra o o IPCC (painel científico da ONU para mudanças climáticas), “é extremamente
improvável que fiquemos no cenário mais seguro, de 1,5°C, sendo que a
humanidade já aqueceu 1°C desde o começo da era industrial. Até mesmo 2°C é
ambicioso e vai exigir esforços tremendos.”
Um dia antes do acordo ser assinado, cientistas do
IPCC reclamaram que o texto era incoerente, pois não mostrava um plano para
alcançar essa meta ambiciosa de temperatura. Para contar com a assinatura de
todos os países, o documento se manteve genérico: não cita prazos, nem metas
comuns para que as emissões de gases-estufa comecem a cair. Isso deve acontecer
apenas via contribuições nacionalmente determinadas e, segundo o texto, “o mais
breve possível”.
Durante as negociações, organizações como o
Observatório do Clima e a Avaaz cobraram um compromisso com a descarbonização
da economia até 2050. Ou seja, para viabilizar o teto de aumento entre 2°C e
1,5°C, os investimentos deveriam migrar nas próximas décadas das fontes fósseis
para as renováveis. Em vez de descarbonização, no entanto, o documento final
estipula para 2050 a “neutralização das emissões”, o que valida a continuidade
de emissões desde que elas sejam compensadas, com a estocagem de carbono.
Embora algumas ONGs, a exemplo da Biofuelwatch,
tenham se preocupado com a abertura que essa linguagem pode representar para
empresas do ramo dos combustíveis fósseis oferecerem tecnologias de captura e
estocagem do carbono no subsolo (CCS) – caras, inseguras e questionadas pelos
cientistas do clima; o documento aposta é na estocagem natural de carbono,
através da restauração florestal.
Para isso, dois mecanismos defendidos pelo Brasil
são descritos no texto: o REDD+, programa que remunera os países por reduzirem
suas emissões evitando o desmatamento e a degradação florestal, e um novo
mecanismo de mercado para comércio de carbono – a exemplo do Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo criado para o Protocolo de Quioto – que não estava
proposto no primeiro rascunho de Paris e foi trazido à mesa pelo Brasil, em
conjunto com a União Europeia, nessa última semana. Juntos, os dois mecanismos
ajudam a implementar a meta de neutralização das emissões até a primeira metade
do século, apoiando financeiramente países em desenvolvimento e detentores de
grandes áreas florestais.
Os dois pontos em que os compromissos mais
avançaram foram a revisão das metas nacionais a cada cinco anos e a
transparência na prestação de contas da redução de emissões, através de um
sistema único que garanta métricas equivalentes entre os diversos países. No
entanto, a questão do financiamento, considerado o principal nó do acordo
porque implica uma definição sobre as diferentes responsabilidades, ficou
fragilizada.
Houve aceitação geral de que o investimento
financeiro deve se dividir equilibradamente para apoiar ambos os processos de
mitigação e de adaptação às mudanças climáticas nos países em desenvolvimento.
Porém, sem o entendimento sobre o financiamento de longo prazo, decidiu-se
postegar para até 2025 o aporte de 100 bilhões de dólares anuais com que os
países desenvolvidos já tinham se comprometido na COP-15, em 2009, previsto na
época para durar de 2015 a 2020. O problema é que o documento não sugere que
esse valor seja aumentado no fim do período, nem esclarece o que acontecerá
depois. E os diversos estudos sobre os impactos do aquecimento global apontam em
uníssono que esse montante é insuficiente: o mundo precisaria se preparar para
custos climáticos na ordem dos trilhões.
Para começar a resolver a disputa clássica das COPs
do Clima sobre as diferenciação de responsabilidades, mais uma proposta
brasileira foi contemplada: a progressão do nível de responsabilidades,
respeitando as diferenças históricas e capacidades atuais dos países em
desenvolvimento, mas caminhando para uma convergência nos níveis de
comprometimento. Com isso, tende a aumentar a participação das economias
emergentes, como o Brasil, no pagamento da conta do clima.
Por fim, os mais prejudicados são mesmo os países
mais vulneráveis, especialmente as ilhas.
Ameaçadas de ficarem submersas em um
mundo que esquente mais de 1,5°C, elas pareciam ter conseguido que o documento
“não deixe ninguém para trás”, com a citação de um esforço para chegar ao
aumento máximo de 1,5°C – o que rendeu à COP-21 o título de sucesso em ambição,
ainda que os cientistas tenham deixado claro a improbabilidade da meta. No
entanto, a menção ao limite de 1,5°C saiu cara aos pequenos países. No
parágrafo que cita os cuidados para evitar e reparar as perdas e danos causadas
pelas mudanças climáticas, há a citação clara, no artigo 52, de que isso “não
envolve nem fornece uma base para qualquer responsabilidade ou compensação”.
Isso quer dizer que os países desenvolvidos, responsáveis historicamente pelas
emissões que aquecem o planeta, eximem-se de financiar a recuperação dos países
mais vulneráveis, que já estão sendo prejudicados por eventos climáticos
extremos.
Reações na plenária final
A Nicarágua foi o único país que reclamou, entre as
declarações que seguiram a adoção do acordo. Seu negociador-chefe, Paul Oquist,
exigiu a eliminação do artigo 52, que exime as responsabilidades sobre perdas e
danos. Ele lembrou que as metas nacionais apresentadas neste ano levam a um
cenário de 3°C e, portanto, não são suficientes para cumprir o objetivo de
limitar o aquecimento a 1,5°C. “Não podemos mandar nossos netos a um cenário de
mais 3°C e eliminar, já em 2015, seu direito a pedir compensação pelas suas
perdas”, arrematou.
Países como Arábia Saudita, Rússia e Venezuela,
cujos discursos ainda causam apreensão pelas vezes em que já dificultaram o
acordo, dessa vez seguiram a linha dos demais: comemoraram o resultado e
elogiaram a condução do processo. Ainda na plenária final, mais três países
anunciaram suas INDCs: Ilha de São Cristóvão, Venezuela e Palestina, que é hoje
um país observador no sistema da ONU. “Repetimos muitas vezes nessa negociação
que ninguém pode ser deixado para trás. E a Palestina não pode ser deixada para
trás”, declarou, emocionado, o embaixador Riyad Mansour, quando a plenária
final já passava da meia-noite.
“Esta foi a última vez que a Palestina fala por
último apenas como um estado observador”, ele prometeu, comprometendo-se com os
esforços pela paz e pelo clima. O negociador brasileiro Raphael Azeredo,
satisfeito com um acordo que reflete as posições defendidas pelo Brasil,
declarou que o país “continua pensando que o multilateralismo é a melhor forma
de resolver nossos problemas comuns”.
Momentum
Anfitriões de revoluções históricas, os franceses
sabem como criar um “momentum” – ou melhor, um clima. Isso foi visto ao longo
do ano e nos 15 dias de COP-21. Aliás, “momentum for change” foi o nome de uma
das agendas paralelas às negociações que buscou mostrar as iniciativas locais e
intersetoriais que já sinalizam uma transição inevitável para uma economia de
baixo carbono. Com tudo isso, criou-se um ambiente de proatividade, sob a
mensagem de que a mudança já está em curso.
As metas são diversas, voluntárias e é factível que
simplesmente não sejam implementadas. Mas aí não faltam lembretes de que o
Protocolo de Quioto, mesmo sob força de lei, também não foi cumprido. Um acordo
que não obriga ninguém a nada é uma prova de que os líderes globais são mesmo
apenas aquilo que lhes delegamos: representantes.
Se não houvesse acordo, é provável que sairíamos de
Paris falando que os anúncios voluntários de desinvestimento em fósseis já
representam o fim da era do carbono. Não é o acordo, portanto, que significa
essa mudança de era: é o momento em si. E ele se constrói pelos atores locais:
prefeituras, governos, empresas, organizações da sociedade civil e, em
especial, coalizões que combinam esses setores somando esforços locais a
internacionais.
Não é à toa que até as organizações mais críticas
reconheceram o documento como um sucesso: ele também mostra uma mudança de
expectativa em relação ao papel dos líderes mundiais, que apenas representam em
escala global o que o mundo dos representados localmente constrói. A sociedade
global está se reinventando e não cabia mais na História um fracasso que
ignorasse essa virada de rumo.
O Acordo de Paris, longe de ser o salvador do
mundo, é o salvador da diplomacia. Ele inverteu processos, prioridades e o que
era sua maior fraqueza para encontrar uma lei comum aos 195 países – dada a
diversidade de condições e cenários -, gerou uma novidade: a aposta na
proatividade das metas voluntárias, com respeito à soberania dos países e suas
diferentes capacidades. É digno da qualificação de “sucesso histórico” em
tempos de um multilateralismo ameaçado pela sua própria reputação.
Já para as mudanças climáticas, o acordo só poderá
ser julgado pelo seu sucesso em 2050, se alcançar a neutralização das emissões.
É histórico, simplesmente, por conta do consenso inédito. De resto, não traz
compromissos suficientes, nem garantias. Mas traz, sim, o necessário
reconhecimento global de que a Ciência estava certa e de que cabe a todos nós,
representantes e representados, fazer valer essa transição. Sem detalhar a
rota, o Acordo de Paris ilumina um rumo.
*Ana Carolina Amaral é jornalista formada
pela Unesp, mestra em Ciências Holísticas pelo Schumacher College (UK) e
moderadora da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental.
Fonte: ENVOLVERDE
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